Greve protestou contra os cortes da 'Troika'

Os trabalhadores de Portugal realizaram sua segunda Greve Geral em menos de quatro meses nesta última quinta-feira, 22. A greve teve grande adesão no setor de transportes. Segundo a Federação dos Sindicatos dos Transportes e Comunicações (Fectrans), entre 70 e 100% do setor paralisou em todo o país, O setor de comunicação também aderiu ao protesto, entre 70% e 65%, segundo o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações.

Outra adesão importante foi registrada no setor portuário (estivadores e pilotos de barra), com a paralisação dos seis portos, incluindo o de Lisboa, Aveiro e Setúbal.

O setor de coleta e tratamento do lixo, que tradicionalmente participa das greves, também contribuiu para o dia de luta. Segundo o Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local, a adesão dos trabalhadores foi quase total. No setor da saúde, o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) avalia em 52% a adesão dos profissionais que representa.

Além das paralisações foram realizadas algumas concentrações e passeatas. Em Lisboa ocorreram diversas manifestações que partiram de diferentes locais e terminaram diante da Assembleia da República. As diferentes concentrações manifestações foram convocadas pela CGTP, Plataforma 15 de Outubro (15º) e por grupos de jovens.

Por outro lado, a paralisação entre os trabalhadores do setor privado foi bastante fraca. Um das razões está o temor dos trabalhadores em perder o emprego. No entanto, como aponta o Movimento ao Socialismo (MAS), partido integrante da Liga Internacional dos Trabalhadores em Portugal, a desconfiança em relação às direções sindicais também teria influenciado na não paralisação de muitos trabalhadores do setor. Leia abaixo.

A polícia agiu com violência e foi chamada a intervir para impedir a atividade de vários piquetes de greve. Em uma das passeatas em Lisboa, conduzida pelo movimento 15º, até jornalistas e fotógrafos foram covardemente agredidos no momento em que registravam os acontecimentos. Um indício de que o governo Passos Coelho pretende ampliar a repressão policial contra qualquer contestação social.

Leia abaixo a avaliação do MAS sobre a greve geral

‘Portugal teve ontem a sua segunda greve geral num período de apenas quatro meses. Razões para isso não faltam: aumento recorde do desemprego, cortes de salário, cortes na saúde e educação, subida de impostos e tarifas, aumento da pobreza, tudo isso para cumprir a meta de reduzir o déficit e pagar a dívida com a banca. Foi uma greve forte em alguns setores, como o dos transportes, mas não parou o país. Mais precisamente, foi uma greve que ficou aquém do que seria necessário para enfrentar com força a violência dos ataques que o governo da direita e a troika têm desferido sobre a classe trabalhadora e a juventude.

As razões da insuficiente adesão à greve merecem uma reflexão por parte dos ativistas. Entre elas devem estar, certamente, o temor de perder o emprego, amplificado pelo elevado número de vínculos laborais precários; ou até a falta de disponibilidade em perder um dia de salário. Deve restar, ainda, alguma ilusão na cantilena do governo sobre ser este o único caminho possível para acabar com a crise. Mas há, com toda a certeza, a sensação para a imensa maioria de que não há alternativa. Ainda não há confiança na luta suficiente para superar o medo, ainda são poucos os que acreditam que seja possível mudar.

A responsabilidade por essa falta de confiança não é dos trabalhadores, mas das suas direções. A UGT acabou de cometer uma grande traição ao assinar, com o governo e os patrões, um acordo que facilita os despedimentos, aumenta a precariedade, rouba dias de férias, acaba com o pagamento de horas extraordinárias e cria um banco de horas de 150 horas anuais que prejudica a vida privada e familiar dos trabalhadores. A CGTP, pelo contrário, recusou-se a assinar esse acordo e convocou uma greve geral. Mas não é consequente com essa política ao não mobilizar e organizar os trabalhadores pela base, nos seus locais de trabalho; ao não organizar plenários para auscultar a base; ao não promover métodos democráticos para que esta possa participar das decisões; ao ignorar os trabalhadores precários e desestimular ou mesmo dificultar a sua organização.

A imensa desconfiança dos trabalhadores e da juventude nas direções sindicais – e nos partidos políticos – tem uma base real. Foi por fora do controlo dessas direções que aconteceu a maior manifestação desde o 25 de Abril, a da Geração à Rasca, a versão portuguesa de um fenômeno mundial. No dia 12 de março de 2011, faz pouco mais de um ano, centenas de milhares de pessoas encheram as ruas de Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Faro e muitas outras cidades do país para agarrar o destino com as próprias mãos. Deixaram claro que estavam fartas de ser enganadas, que não se reviam na política tradicional, que queriam outra coisa, uma vida melhor, uma “democracia verdadeira”.

A Geração à Rasca morreu? Não, ela – ou melhor, uma pequena parte dela – esteve acampada no Rossio no Verão passado; depois organizou uma manifestação a 15 de outubro que se transformou na primeira resposta ao pacote do governo que eliminou os subsídios de férias e de Natal da Função Pública, aumentou o IVA e cortou na saúde e educação. Foi dessa manifestação que surgiu a Plataforma 15 de Outubro (15O), um espaço democrático que tenta dar continuidade à luta da Geração à Rasca. Ontem, no dia da greve geral, assim como acontecera na greve geral de 24 de novembro passado, o 15O realizou uma manifestação a partir do Rossio. A CGTP realizou outra, iniciada pouco antes, partindo do mesmo local e em direção à mesma Assembleia da República.

Por que não houve apenas uma manifestação? A resposta a essa pergunta está relacionada com a primeira: por que, com razões tão fortes, houve uma greve a meio gás? A resposta à primeira pergunta é que a CGTP não tem uma política de unidade, mas de submissão. Ignorou a gigantesca manifestação da Geração à Rasca e, muito menos, teve uma política para estimular a sua continuidade. Ignorou o 15O, e muito menos teve uma política para incorporar os seus ativistas às suas atividades. Tanto na greve de 24 de novembro do ano passado quanto na de ontem coube ao 15O, uma estrutura incomparavelmente menor que a CGTP, a iniciativa de propor encontros, que se revelaram infrutíferos, para organizar manifestações comuns.

Mas tem mais: essas manifestações unitárias só o seriam realmente se, em vez da exclusividade dos discursos dos dirigentes da CGTP, também tivessem lugar intervenções de outros setores; se, em vez de comícios, houvesse assembleias democráticas; se a participação sem constrangimentos fosse assegurada a todas as organizações presentes na manifestação, e não só às controladas pela CGTP. Não foi isso, mais uma vez, que se viu ontem, em frente ao Palácio de São Bento. A coluna dos Precários Inflexíveis, que optou por participar da manifestação da CGTP em detrimento da manifestação do 15O, acabou por ser agredida pelo serviço de segurança da CGTP que queria impedi-la de carregar as suas próprias faixas.

O 15O – ou melhor, o fenômeno que essa plataforma expressa, independente do nome que adote – é justamente a negação desse tipo de método antidemocrático; expressa o inconformismo de uma “geração à rasca” que não confia no regime e na política parlamentar; que luta como pode contra esse governo e as suas medidas de austeridade; que procura construir algo diferente e sem os vícios do passado. Participar dessa tentativa e buscar o seu êxito é fundamental para que possamos sair do impasse em que nos encontramos, para trazer mais gente para a luta, para gerar confiança e uma nova alternativa para lutar.

Esse artigo não poderia terminar sem denunciar a violenta carga policial sobre os manifestantes da manifestação dirigida pelo 15O, que deixou dois fotojornalistas feridos, José Sena Goulão, da Lusa, e Patrícia Melo, da France Press, numa demonstração de como o governo de Passos Coelho reage à contestação social. Nossa solidariedade aos trabalhadores covardemente agredidos e repúdio à repressão policial.’

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