Nos anos 80, a economia portuguesa sofreu alterações estruturais com a adesão do país à União Europeia. Para concretizar tal processo, a burguesia europeia traçou um plano de destruição do tecido produtivo português, da agricultura e da pesca, condenando-o a uma economia baseada no turismo, na construção civil e na distribuição de bens de consumo.

Como consequência, nas três últimas décadas, a economia portuguesa reduziu o seu crescimento, terminando 2010 como uma década marcada pela estagnação. Na década de 80, o PIB cresceu 3,8%. Já a última década teve um crescimento médio de 0,5%.
Nos últimos anos, a crise agudizou este processo de diminuição do crescimento. Assim como aconteceu em outros países, o governo injetou quase 4,5 bilhões de euros (mais de R$ 10 bilhões) direto para os bolsos dos banqueiros, enquanto, para os trabalhadores, aumentou de forma drástica o desemprego, hoje em 12,4%, e reduziu, da mesma forma, as verbas para áreas sociais (saúde, educação, subsídio de desemprego etc.).

Juventude e trabalhadores contra ataques
Para a juventude esta realidade econômica tem-se revelado mais dura. Para os jovens estudantes têm aumentado as dificuldades, com o aumento das taxas no ensino superior e a redução do número e do valor das bolsas de estudo. Já para os jovens trabalhadores a situação é igualmente ingrata. Além da grande maioria dos jovens qualificados, muitos com curso superior, exercerem funções para as quais apenas é exigido o ensino médio ou menos ainda, o trabalho precário socialmente desprotegido. O desemprego é um flagelo para a juventude. De todos os desempregados, atualmente cerca de 700 mil, cerca de 18% são jovens até 24 anos. Neste setor da população o desemprego encontra-se próximo de 30%.

É neste contexto que, no início de 2011, um grupo de jovens criou um grupo virtual na rede social Facebook intitulado de Geração à Rasca. O grupo lançou um desafio à população descontente com a atual situação: sair às ruas no dia 12 de março. Esse chamado encontrou uma população bastante massacrada pelos planos de austeridade e com vontade de lutar. Em várias cidades do país, grupos começaram a se reunir de forma autônoma, sem o apoio de nenhum sindicato ou partido, para organizar o protesto. Desta forma, no dia marcado, em Lisboa, no Porto, em Coimbra e em Braga, centenas de milhares de jovens estudantes, servidores públicos, desempregados, enfermeiros, professores encheram as ruas e praças do país, num número estimado em cerca de 200 mil manifestantes.

Este dia marcou o culminar de várias lutas de resistência às políticas de austeridade que vinham percorrendo várias categorias desde o ano passado. Entre os vários exemplos possíveis, encontramos os protestos dos enfermeiros no início de 2010 por mais contratações para o setor, contra a precariedade laboral, por um aumento salarial e um plano de carreira, que acabou por juntar 17 mil trabalhadores do setor num protesto nacional em Lisboa, e posteriormente a manifestação nacional da Conferação Geral do Trabalhadores Portugueses (CGTP) de 29 de maio do mesmo ano, que juntou 150 mil trabalhadores.

No final de 2010, no dia 24 de novembro, ocorreu a maior greve geral em anos. Já no início de 2011, com o aumento do impacto dos planos de austeridade na vida dos trabalhadores, os servidores da Administração Pública voltaram a sair à rua pela manutenção da jornada e contra congelamento de salários. Foram seguidos pelos trabalhadores dos transportes e comunicações (correios, metrô de Lisboa, entre outros) contra os cortes salariais, as privatizações e a destruição de postos de trabalho.

Eleições antecipadas
Nesse cenário, desde o início do segundo mandato de Sócrates, em 2009, a oposição de direita, formada pelo Partido Social Democrata (PSD), tradicional partido da burguesia portuguesa, e o Centro Democrático e Social/Partido Popular (CDS/PP), a extrema direita parlamentar, vinham adotando uma política de aumentar o desgaste do governo sem provocar sua queda. Por outro lado, o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) mantiveram uma postura de autoconstruírem seus projetos eleitorais no contexto de uma situação quente na luta de classes, abdicando de um projeto alternativo eleitoral nas lutas que pudessem de fato substituir a austeridade de Sócrates por um governo de esquerda.

O clima gerado pelo descontentamento crescente e refletido pela grande mobilização da Geração à Rasca teve impacto na política da oposição de direita. Esta, que até então tinha viabilizado os PECs – planos de austeridade, denominados pelo governo de Planos de Estabilidade e Crescimento –, decidiu votar contra a quarta atualização da austeridade do governo. Pressionada por um ascenso que tendia a descontrolar-se, a burguesia se decidiu pela queda do governo, tentando canalizar, assim, o descontentamento para um processo eleitoral. Sócrates se demitiu no mesmo dia da votação do PEC4, e foram marcadas novas eleições para o dia 5 de junho.

Nas mãos do FMI
O pano de fundo de todo este drama é uma crise econômica internacional que, na Europa, tem aparecido na forma da crise das dívidas públicas. À Grécia se seguiu a Irlanda e agora é Portugal quem está no olho do furacão. À semelhança dos restantes países, a dívida portuguesa advém dos bilhões de euros repassados pelo Estado aos bolsos dos banqueiros. Esta dívida é impossível de pagar sem um ataque esmagador aos trabalhadores e ao povo pobre. É por esta razão que depois de três planos de austeridade o governo se vê na necessidade de retirar ainda mais direitos.

Depois de rejeitado o quarto plano e após sucessivas avaliações negativas de agências financeiras sobre a viabilidade da dívida pública, Sócrates se dirigiu ao FMI e à União Europeia para, com sua ajuda, colocar em prática um aumento da exploração dos trabalhadores portugueses.

As condições impostas pelo FMI e pela UE para o resgate financeiro, aprovado em 78 bilhões de euros (R$ 180 bilhões), 52 bilhões sob responsabilidade da UE e o restante sob responsabilidade do FMI, implicam o congelamento salarial e a redução de trabalhadores nos serviços públicos; redução de verbas para educação e saúde; redução das aposentadorias; aumento de impostos ao consumidor; facilitação das demissões no setor privado; e redução do valor do subsídio de desemprego e da sua duração. Além disso, 12 bilhões de euros (R$ 28 bilhões) vão direto para os banqueiros, e o plano prevê a privatização de várias estatais, como a companhia elétrica EDP, a empresa aérea TAP, os correios e os aeroportos.

Suspensão do pagamento da dívida já!
Este plano reúne o consenso do atual governo demissionário e da oposição de direita que, paradoxalmente ou não, votou um plano semelhante do governo há menos de dois meses. Contudo, abre-se agora um debate na esquerda determinante para o futuro dos trabalhadores europeus. Que fazer frente à chantagem da dívida externa?

A proposta do Ruptura/FER, seção portuguesa da LIT-QI, é a suspensão do pagamento da dívida para garantir melhores condições de vida e trabalho aos trabalhadores e à população pobre. Não aceitar a suspensão da dívida é aceitar o pagamento de um roubo feito ao longo de anos pela burguesia nacional e internacional. É este o programa que deve assumir uma unidade BE-PCP que, forjada nas lutas, se coloque como alternativa eleitoral para um governo de esquerda.

Bloco de Esquerda: eleitoralismo em tempos de crise
Depois das eleições que elegeram Sócrates como primeiro-ministro, em 2009, o Bloco de Esquerda (BE) cometeu dois erros políticos graves. O primeiro foi no início de 2010, na votação favorável de sua bancada parlamentar à “ajuda” de Portugal à Grécia, no contexto do resgate do FMI/UE que impunha aos trabalhadores gregos um plano semelhante ao que os portugueses estão agora sujeitos. Posteriormente, em janeiro deste ano, o BE apoiou o candidato do governo Sócrates à Presidência da República, Manuel Alegre. O BE, abandonando o perfil de partido desalinhado, tem priorizado o seu fortalecimento eleitoral, em detrimento de uma plataforma unitária de esquerda com o PCP que, nas lutas e no parlamento, se conformasse como alternativa de poder.

De momento, a polêmica dentro do BE é sobre o que fazer com a dívida externa. A sua direção afirma que, apesar de precisar de uma auditoria e de reestruturação, a dívida tem de ser paga. Já o Ruptura/FER defende a suspensão do pagamento para criar empregos e melhorar a vida do trabalhador.

No entanto, em política, se paga caro pelos erros. O BE realizou, recentemente, a sua sétima convenção. Nesta, a direção não conseguiu desmoralizar a oposição, que deu corpo a Moção C (Ruptura/FER e independentes) representada por 14% dos delegados. Este espaço deixou claro o enfraquecimento da participação dos militantes na vida interna do partido, fruto da desilusão com a sua política. Agora que se aproximam as eleições para o parlamento e para formar governo, as sondagens apontam para que o BE seja, eventualmente, castigado nas urnas, principalmente por ter perdido a imagem de antigovernista, se colocando ao lado do governo nas presidenciais. Esta é a fotografia de um partido que, tendo ocupado um espaço importante à esquerda na política portuguesa, hoje pode vir a sofrer um sério revés eleitoral, o qual abriria uma decisiva discussão sobre os rumos da esquerda no país.

Post author João Reis, do Ruptura/FER (Portugal)
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