Há um mês, os estudantes da Universidade de São Paulo (USP) lutam contra a presença da Polícia Militar no campus e, no último dia 8, declararam greve geral. Neste momento, a paralisação já atinge diversas unidades e inclui setores que normalmente não param suas atividades, como a pós-graduação.

A luta na USP gerou uma polêmica em toda a sociedade: é justo os estudantes exigirem o fim do policiamento naquela universidade?

A grande imprensa tem dado sua resposta: para eles a luta dos estudantes da USP seria somente a explosão de mimados de classe média querendo fumar maconha ou simplesmente uma ação inconsequente de baderneiros. Houve até quem procurasse uma explicação no desenvolvimento cerebral incompleto de pessoas com menos de 25 anos, como Hélio Schwartsman, em artigo na Folha de São Paulo (09/11/2011).
Para além dessas explicações simplistas, a verdade é que essa história não começou agora e o episódio esconde problemas muito mais profundos do que os jornais querem fazer parecer.

PM no campus: a educação refém da força
Maio de 2011 foi marcado por um trágico acontecimento na universidade, o assassinato de um estudante após um assalto. Este grave caso deixou clara a falta de segurança na USP.

Em setembro, a reitoria firmou um convênio com a PM, permitindo a implantação desta dentro dos campi por 5 anos. Para o reitor João Grandino Rodas, esse seria o melhor meio para garantir segurança na USP. Mas, se olharmos para anos anteriores, veremos a PM entrando na USP para fazer algo bem diferente do que segurança.

Um breve histórico
Em 2007, Rodas, ainda diretor da Faculdade de Direito da USP, convocou a Tropa de Choque para desocupar uma manifestação pacífica organizada por estudantes e movimentos sociais naquele local. Em 2009, a Tropa de Choque foi novamente chamada para dispersar um ato na USP, que virou um verdadeiro campo de guerra: tiros e bombas, estudantes feridos, prisões. E agora, no dia 8 de novembro, um contingente de 400 policiais, com a Tropa de Choque, cavalaria, helicópteros e camburões, desalojou um grupo de 70 estudantes que ocupava o prédio da Reitoria. Um total de 73 estudantes foram detidos e agora sofrem processos administrativos e criminais.
Em todos esses casos, o objetivo da PM não foi garantir a segurança. Não foi contra assassinos ou ladrões que a polícia se voltou, mas contra estudantes e trabalhadores que se manifestavam.

Por que a Polícia está no campus?
A violência não diminuiu na USP. Pesquisa realizada pelo Datafolha mostra que 31% dos casos de violência na universidade aconteceram após a entrada da PM no campus e que 57% dos estudantes têm a sensação de que a segurança na universidade não melhorou.

Isso se deve aos reais objetivos da polícia na universidade. A PM não se voltou à proteção da comunidade universitária. Pelo contrário: controla e revista pessoas com perfil supostamente “suspeito”. São inúmeros casos de estudantes, principalmente negros, revistados em frente aos prédios e bibliotecas.
A PM tenta intimidar e reprimir o movimento organizado na universidade. A truculência com que os policiais se voltaram contra manifestantes é categórica, como mostra a desocupação da Reitoria. Em nenhum momento se mobilizou tantos policiais para evitar a violência no campus. Porém, para dispersar estudantes em manifestação, mobilizou-se sem hesitação uma tropa digna de uma guerra.

Um projeto de privatização do ensino superior
A presença da PM no campus não é um problema isolado, mas um ponto do projeto que a reitoria e o governo estadual do PSDB têm para a universidade.
Rodas, o segundo colocado nas eleições para reitor em 2009, nomeado por ser o favorito do ex-governador José Serra (PSDB), já declarou que o ensino público não deve ser necessariamente gratuito.

Em sua gestão, aprofundou a presença das fundações privadas (empresas que se utilizam dos recursos materiais e humanos da universidade para seu próprio lucro) e permitiu a abertura do primeiro curso de graduação pago na USP. Ao mesmo tempo, não combateu os problemas da universidade.

Há graves problemas nos prédios de ensino, faltam professores, os currículos da graduação estão defasados, as vagas nas moradias estudantis são muito menores que a demanda, as vagas nas creches para filhos de estudantes e trabalhadoras são pouquíssimas, os ônibus circulares são raros e os problemas de segurança permanecem.
Além disso, o Reitor está sendo investigado pelo Ministério Público sob a denúncia de improbidade administrativa. Rodas teria nomeado funcionários não concursados de maneira irregular para cargos de confiança, realizado gastos milionários, como o aluguel de imóveis no centro da cidade e a construção de prédios de interesse duvidoso.

Todas essas medidas foram tomadas sem nenhuma consulta à comunidade universitária. O reitor, que se dizia defensor do diálogo, demonstra-se um truculento e autoritário propulsor de um projeto de universidade privatista e elitista. De acordo com esse projeto, o ensino não precisa ser de qualidade, e muito menos público.

Porque lutar contra a presença da PM na USP
É impossível desenvolver uma universidade que produza conhecimento e tecnologia para o povo com a presença intimidadora da PM, pronta para reprimir qualquer ação que questione o modelo elitista e privatista de ensino superior. Por isso, nos opomos à presença da PM nos campi da USP ou de qualquer outra universidade.

Indo mais longe, não cremos que a PM signifique segurança em lugar algum. É muito significativo o exemplo dos morros do Rio de Janeiro nos quais, durante as ocupações promovidas pelo governo desse estado, não foram poucos os relatos de roubo nas casas efetuados justamente pelos policiais.

Assim, é preciso denunciar toda a violência e crimes que a polícia comete também contra a população de fora da universidade, sobretudo contra os negros e pobres das favelas e morros.

A criminalização das drogas
Há ainda um tema que merece ser tratado com mais cuidado do que a imprensa vem fazendo. O episódio que iniciou a mobilização, a tentativa de prisão de três estudantes que portavam maconha, levantou o debate acerca da criminalização do uso de drogas.
O tráfico de drogas é
um lucrativo comércio que não raramente tem como maiores beneficiados não os traficantes que estão nas favelas, mas policiais, políticos e empresários que permanecem impunes. A ilegalidade das drogas alimenta toda essa violência e, em vez de prejudicar categoricamente os que ganham com isso, permite que o uso dessas substâncias permaneça fora de qualquer tipo de controle do Estado.
Além disso, o uso de drogas por jovens não pode ser tratado como um caso de polícia, menos ainda num ambiente escolar, onde deve primar o diálogo e a busca de soluções não violentas.

Por um plano alternativo de segurança
Por todas as razões, lutamos contra a presença da PM na USP e exigimos a revogação do convênio firmado pela universidade com a polícia. Além disso, somos contra todos os processos movidos contra estudantes e trabalhadores da USP e lutamos contra qualquer punição aos 73 presos.

Mas não basta lutar pelo “Fora PM”. O problema de segurança na USP é real e por isso defendemos um projeto alternativo de segurança para a Universidade de São Paulo, que inclua: 1) um plano de iluminação para o campus, em geral muito escuro à noite; 2) poda regular da vegetação, para garantir um espaço limpo e iluminado; 3) mais ônibus circulares nos campi, para que não se precise caminhar longas distâncias ou esperar muito tempo para transitar pela universidade; 4) contratação por concurso público de um novo Corpo de Segurança, diferente da atual Guarda Universitária, subordinado aos que estudam e trabalham, treinado para prevenir os problemas de segurança na universidade e possuidor de um corpo feminino para prevenir e acompanhar os casos de violência contra a mulher.

Os próximos passos do movimento
Rodas quis derrotar o movimento estudantil quando chamou a PM para dentro da USP, mas encontrou uma resposta à altura. A Juventude do PSTU, junto com a ANEL (Assembleia Nacional dos Estudantes Livre) e o movimento estudantil da USP, tem lutado para ampliar a greve e a mobilização, participando dos piquetes e das atividades definidas em assembleia. Agora, a luta deve seguir para derrotar essa reitoria e seu projeto privatista de educação.

Várias atividades estão sendo realizadas, como uma panfletagem em estação de metrô para dialogar com os trabalhadores, além de grande ato na Avenida Paulista, no dia 24. No mesmo dia ocorrerram passeatas e marchas em toda a América Latina em defesa da educação.

Nesta grande luta da USP, o movimento estudantil dá um recado a todas as reitorias das universidades brasileiras: educação não é caso de polícia.
Fora PM! Retirada dos processos aos 73 presos e a todos os lutadores! Por um plano alternativo de segurança! Fora Rodas, diretas pra Reitor!
Post author Arielli Tavares, estudante de Letras da USP e da Executiva Nacional da ANEL
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