Redação

Ruy Braga, Gabriel Casoni e Júlia Almeida

A ocupação militar da Universidade de São Paulo ocorrida em junho deste ano que culminou na dura repressão de uma manifestação pacífica de estudantes, funcionários e professores com bombas de gás, bombas de concussão e tiros de bala de borracha representa a faceta mais autoritária de um regime ossificado: a estrutura de poder da maior e mais importante universidade pública brasileira. A ampla maioria da comunidade universitária encontra-se hoje asfixiada por um regime político extemporâneo que promove a lenta, porém permanente sujeição da USP aos interesses de mercado.

A greve de professores e estudantes deflagrada em reação a essa ocupação e que se somou à greve dos servidores não-docentes iniciada um mês antes conquistou uma inequívoca vitória: catalisar o debate público em torno da necessidade de democratizar a universidade por meio da transformação radical de sua estrutura decisória. É difícil imaginar uma tarefa mais urgente. Afinal, estamos diante de um regime político profundamente antidemocrático e que ataca de forma peremptória o Artigo 14 – que trata dos princípios da Gestão Democrática – da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

Para ficarmos apenas em um exemplo desse insustentável déficit democrático, no processo de escolha do reitor o colégio eleitoral do segundo turno conta com apenas 300 votantes entre 97.000 professores, estudantes e funcionários. Ou seja, 0,3% daqueles que participam da vida universitária indicam o dirigente máximo da instituição. Essa estrutura contrasta negativamente com a grande maioria das universidade s públicas do país que conta hoje com eleições diretas para reitor. Uma universidade da estatura da USP simplesmente não pode mais tolerar a existência de um colégio cuja única finalidade é reforçar o poder dos órgãos centrais, tornando deforme a representação do conjunto da comunidade universitária.

Parte expressiva dos veículos de comunicação de massa atacou o movimento grevista, tentando reduzi-lo à suposta ação de “pequenos grupos radicais”. Acertaram pela metade. A responsabilidade pela greve deve, sim, recair sobre a ação radicalizada de uma minoria: a intransigência, a arrogância e o autoritarismo da alta burocracia acadêmica, esse pequeno grupo que dirige a universidade em benefício dos interesses de mercado, são os verdadeiros responsáveis tanto pela greve quanto pelas cenas de violência que presenciamos esse final de semestre na Cidade Universitária.

Encerrada a greve de professores e funcionários, a luta pe la democratização da universidade enfrenta seu principal desafio: derrotar o atual projeto de privatização da universidade promovido pela reitoria em fina sintonia com o governo do Estado de São Paulo. De fato, acostumamo-nos a ver na USP “núcleos de excelência”, “laboratórios de referência” e “institutos do milênio” coexistindo com a deterioração de equipamentos, recursos escassos, alunos frustrados e professores extenuados.

De um lado, oligopólios domésticos investem em determinados projetos, obtendo como contrapartida os direitos sobre os resultados das pesquisas; de outro, fundações semiprivadas recebem vultuosos recursos, utilizando-os sem prestar contas conforme os critérios de transparência que regem a administração pública. Para os filhos e filhas dos trabalhadores brasileiros, restará a sofrível formação à distância de professores por meio da Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp), um projeto cinicame nte apresentado como “democrático”, pois apto a “ampliar o acesso” à universidade.

Diante da arrogância e do autoritarismo tanto da alta burocracia acadêmica quanto do governo estadual, faz-se necessário continuarmos empunhando a bandeira de uma USP verdadeiramente pública, democrática, de qualidade e autônoma. Uma universidade popular, pois vertebrada pelas demandas sociais das amplas maiorias que a financiam; uma universidade democrática onde os dirigentes serão eleitos de forma direta e paritária, prestando contas de seus atos tanto para a comunidade universitária quanto para o conjunto da sociedade civil; uma universidade de qualidade onde a expansão de vagas será empreendida por meio do ensino presencial e contando com recursos suficientes; uma universidade autônoma de fato onde o ensino, a pesquisa e a extensão emancipar-se-ão finalmente do jugo do mercado.

Ruy Braga, 36, é professor do Departamento de Sociologia da USP e autor de, entre outros livros, Por uma sociologia pública (com Michael Burawoy, Alameda, 2009). Gabriel Casoni, 24, é estudante de Ciências Sociais e diretor do DCE da USP. Julia Almeida, 23, é estudante de letras e representante discente no Conselho Universitário da USP.