Leia a nota contra a privatização e a precarização da saúde indígena divulgada pela Frente Nacional contra a Privatização da Saúde, ANDES-SN e o Conselho Federal de Serviço Social

A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas foi estruturada como um Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, vinculado ao Sistema Único de Saúde (SUS), instituída pela Lei nº 9.836/99. Em 2010, com o Decreto Nº 7.336, de 19.10.2010, a sua gestão passou para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do Ministério da Saúde.

A política de saúde indígena reconhece as especificidades étnicas e culturais, bem como os direitos territoriais dos povos indígenas, o que é assegurado nos artigos 231 e 232, da Constituição Federal de 1988. Os direitos indígenas são reconhecidos de forma pluriétnica e multicultural, donde se inclui o direito à saúde, assegurando-lhes o acesso universal e equitativo ao SUS, segundo as determinações das Leis Orgânicas da Saúde no Brasil.

A implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas requer a adoção de um modelo diferenciado de organização dos serviços, partindo-se das especificidades culturais, epidemiológicas e operacionais desses povos, a fim de garantir as condições para a proteção, promoção e recuperação da saúde, com base nos princípios e diretrizes da descentralização, universalidade, eqüidade, participação comunitária e controle social, previstos no SUS.

Para garantir esses objetivos foram criados 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), a partir de critérios, como: população área geográfica e perfil epidemiológico; disponibilidade de serviços, recursos humanos e infraestrutura; vias de acesso aos serviços instalados em nível local e à rede regional do SUS; as relações sociais entre os diferentes povos indígenas do território e a sociedade regional; e distribuição demográfica tradicional dos povos indígenas. Compete aos DSEI, estruturar uma rede de serviços, no âmbito da atenção básica de saúde, dentro das áreas indígenas de sua abrangência, de forma integrada e hierarquizada, no nível de complexidade crescente e articulada com a rede do SUS.

Os argumentos usados para criar a SESAI no MS, como uma secretaria “ESPECIAL”, em vista da execução direta das ações básicas de saúde em áreas indígenas, via Distritos Sanitários Especiais (DSEI) incluem: a diversidade da questão indígena, as questões culturais, as especificidades, áreas de difícil acesso, muitos povos que não falam português (305 etnias que falam 274 línguas indígenas).

Atualmente, sob a gestão da SESAI, existem 3 organizações (ONGs) que contratam os/as profissionais para atuar na saúde indígena: Missão Evangélica Caiuá (entidade das Igrejas Presbiteriana do Brasil – (IPB), Presbiteriana Independente do Brasil (IPI) e Presbiteriana Indígena do Brasil (IIPB); Associação Paulista Para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM); e o Instituto de Medicina Integral (IMIP).

O Termo de Conciliação Judicial – TCJ de 2008 – Processo nº 0751-2007-018-10-00-4, determina a “substituição dos terceirizados irregulares alocados no sistema de atenção à saúde indígena (…), sendo nomeados em cargos de provimento efetivo, após prévia aprovação em concurso público (…)”. O TCJ esta em consonância com o que determina o Inciso II, do Art. 37 da C.F. ”II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, …;”

A 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena (dezembro de 2013) aprovou, em consonância com a Constituição Federal e o TCJ, a realização de concurso público diferenciado de forma a atender às especificidades socioculturais dos povos indígenas. A Deliberação nº 1, Subeixo 1.3, que trata dos “Avanços e Desafios na Área de Recursos Humanos para a Saúde Indígena: formação, educação permanente, capacitação e práticas de saúde e medicinas tradicionais” expressa de forma explícita, a saber:

1) Garantir concurso público regionalizado para a Sesai, através do Ministério da Saúde (MS), respeitando as especificidades para os profissionais de Saúde Indígena e diferenciado para os profissionais indígenas, de forma que atenda as especificidades socioculturais dos povos indígenas, conforme os artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT ), adequando a organização social de cada povo, devendo ser realizado no mesmo dia em todo o Brasil.”

O Ministério da Saúde que deveria cumprir as determinações constitucionais, judiciais e da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena decidiu propor a criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI), entidade civil de direito privado, instituído pelo Poder Público, mediante autorização legislativa, e regulamentado por meio de decreto presidencial, para gerir a política de saúde indígena.

Dentre os argumentos utilizados para a criação do INSI, destacam-se as dificuldades geradas pela exigência de licitações no âmbito da esfera pública e que, o concurso público não atende às especificidades e diversidades da saúde indígena, ressaltando que os indígenas são contrários à realização de concurso público.

A realidade dos fatos é distinta das afirmações governamentais. Diversas entidades do movimento indígena, como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB); a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, (COIAB); a Articulação dos Povos e Organizações indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME); a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ARPINSUL) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR), têm se manifestado contrárias à criação do instituto, por se tratar de uma estratégia de privatização, em substituição à apresentação de uma proposta de concurso que dê conta da diversidade e especificidade que abrange a questão indígena.

Parte do Fórum Permanente dos Presidentes dos Conselhos Distritais de Saúde Indígena (FPCONDISI), formado por indígenas que atuam no controle social, no âmbito dos DSEIs, tem manifestado posição favorável ao instituto, uma vez que, dos 34 Conselhos Distritais de Saúde Indígena (CONDISI), 29 são favoráveis e 05 contrários (Alagoas, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Xingu e Litoral Sul). A SESAI informa ter consultado os povos indígenas, em cumprimento à Convenção 169 da OIT. Entretanto, diversas denúncias veiculadas pela imprensa, oriundas, especialmente dos DSEI contrários à criação do INSI, indicam que o processo de consulta aos povos indígenas foi conduzido de forma autoritária e antidemocrática, pressionando os indígenas a serem favoráveis, pois em sendo efetivado o concurso, os indígenas hoje contratados seriam demitidos.

As ameaças de demissão ferem frontalmente o Artigo 20, da Convenção 169 (OIT), donde estabelece que “os governos adotarão, no âmbito das leis e das regulações nacionais e em cooperação com os povos interessados, medidas especiais para garantir uma proteção efetiva a trabalhadores pertencentes a esses povos no seu processo de contratação e condições de emprego, caso não estejam efetivamente protegidos pela legislação aplicável aos trabalhadores em geral”.

Soma-se a esses argumentos, a justificativa de que não é possível a contratação dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e Agentes Indígenas de Saneamento (AISAN), por concurso público, dadas as particularidades de sua inserção profissional. A esse respeito, o Ministério Público Federal (MPF), assinala em nota que, neste caso, aplicar-se-ia o “art. 198, par. 4º, da Constituição, com a redação da Emenda Constitucional n. 51, de acordo com o qual não há necessidade de concurso, apenas de processo seletivo simplificado, entre pessoas da própria comunidade”.

Destaque-se que, o controle social na estrutura do INSI é diretamente atingido e perde força, o que pode ser observado na composição do Conselho Deliberativo que, segundo a proposta, do total de 12 componentes, 6 serão representantes do governo, mais 1 do CONASS e 1 do CONASEMS, 3 representantes dos indígenas e apenas um representante dos trabalhadores. Note-se que os gestores terão 8 membros, enquanto os usuários terão 3, nessa instância de deliberação do INSI.

Em nota pública, editada em 09 de setembro de 2014, o MPF afirma que:

“A saúde indígena tem natureza essencialmente pública, integra o SUS e é dele subsistema (art. 2º e parágrafo único do Decreto 3.156, de 27 de agosto de 1999). De modo que todo o investimento estatal deve ser realizado dentro desse subsistema. O Instituto Nacional de Saúde Indígena está na contramão desses princípios constitucionais, porque transfere a execução da saúde indígena para pessoa jurídica de direito privado, que se constitui sob a forma de serviço social autônomo, não fazendo parte da administração pública, direta ou indireta”.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, o “Prestador de Serviços Sociais”, forma proposta para o INSI, é uma “entidade instituída com o fim de auxiliar o Poder Público, com atuação paralela à do Estado em regime de cooperação, sendo mero auxiliar na execução de função pública”, instituído com a finalidade de auxiliar o Estado a cumprir suas obrigações e não para exercer competência estatal, com estrutura jurídica similar à dos serviços sociais autônomos tradicionais, destacando-se que, não integram a administração pública e observam regras do direito privado.

Diante do exposto, vimos a público afirmar que a criação do INSI aprofunda o processo de privatização em curso na saúde pública brasileira, incrementa a terceirização e precarização da saúde indígena, na medida em que institui entidade de caráter privado, no formato de Serviço Social Autônomo (SSA), abrindo mão da gestão pública da política de atenção à saúde dos povos indígenas no Brasil.

Assinam esta Nota

Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde

ANDES-SN

CFESS- Conselho Federal de Serviço Social