No final de julho passado, um projeto de lei que cria vagões exclusivos para as mulheres nos trens e no metrô de São Paulo foi aprovado pela Comissão de Transportes e já foi aprovado em primeira votação na Assembleia Legislativa. Esse projeto prevê vagões exclusivos para mulheres no metrô e trens da CPTM, e inclui ônibus exclusivos circulando nos horários de pico.

Desde 2011 organizamos uma campanha contra o assédio sexual nos transportes públicos que era incitada pelos meios de comunicação, como o programa Zorra Total da Rede Globo. É fundamental que agora nós, metroviárias e metroviários, discutamos o tema do vagão exclusivo e que tomemos uma posição. 

Precisamos discutir se esse projeto de lei atende ou não as necessidades das mulheres. No entanto, devemos deixar clara a nossa posição em defesa de medidas de segurança e de proteção das mulheres trabalhadoras que sofrem diariamente com o assédio dentro do transporte público.

A impunidade aos agressores, a banalização do machismo com piadas e desvalorização das mulheres, a falta de funcionárias e funcionários junto com a superlotação absurda dos horários de pico, são os fatores que contribuem para que esses ataques só aumentem e sejam cada vez mais audaciosos.

O Metrô de São Paulo transporta quase 5 milhões de pessoas por dia, esmagando entre 8 e 11 pessoas por metro quadrado. Essa realidade é péssima para todos os usuários, mas as mulheres são duplamente penalizadas ao serem assediadas sexualmente dentro desse sufoco. Nos ônibus e trens, essa realidade é bastante parecida. Isso demonstra todo o descaso dos governos com as condições em que a população tem que se locomover para o trabalho, para a escola, para médicos, comércio, etc.

Nos últimos 15 anos, os governos e administrações paulistas construíram, em média, 1,2 km de ampliação do metrô ao ano. Nessa velocidade, demoraríamos 120 anos para triplicar a malha metroviária, uma vez que essa triplicação já é necessária para hoje. Precisamos de um investimento de R$ 30 bilhões em 4 anos, mais ou menos R$ 7,5 bilhões ao ano para triplicar a rede de metrô e ampliar em mais 190 km de corredores de ônibus.

Sufoco e assédio
Os casos de assédio têm se tornado cada vez mais freqüentes, audaciosos e violentos. Em 2012, foram 87 ocorrências, em 2013 foram 96 e nesse ano, só nos três primeiros meses, já foram registrados 30 casos somente no metrô, passando de uma média de 7,5 para 10 casos registrados por mês. Na CPTM essa média é parecida. Essas agressões vão desde fotos das partes íntimas tiradas sem consentimento, passando por homens se esfregando ou apalpando as mulheres das formas mais nojentas, ejaculações com o pênis para fora da calça e até estupros. Sabemos, no entanto, que esse número de registros é apenas uma parte do que acontece porque muitas mulheres não denunciam com medo do constrangimento que sofrerão ao denunciar esse tipo de agressão, além de serem culpabilizadas por terem sido vítimas de violência.

As mulheres sofrem com o constrangimento, além de não poderem se limpar para que não seja eliminada a prova do crime. Por isso muitas mulheres não vão à delegacia, preferindo se lavar e tirar aquelas roupas sujas de esperma de agressores.

O vagão exclusivo já existe em algumas cidades. Após a implantação do vagão exclusivo em Brasília houve quem tenha dito: “Não podemos comparar a população feminina de Brasília com lugares como Egito e Índia, onde essa medida realmente é necessária”. Mas o Brasil é o 7° lugar no ranking de assassinatos de mulheres (feminicídio). Temos uma média de 100 estupros por mês só em São Paulo. Casos como o da banda “New Hit” ou festas em universidades tem sido palcos para estupros.Infelizmente a “Índia é aqui”.

O Mapa da Violência mostra que no Brasil aumentou a violência contra as mulheres nos últimos 30 anos. Em 1980 morriam 2,3 mulheres por cada 100 mil mulheres. Em 1996 passou a 4,6 e hoje são 5,3. No 1° ano da Lei Maria da Penha baixou para 4,5 e depois aumentou novamente para 4,8. Aumento de mais de 200% no índice. Em 2011 foram 4297 mortes. Só em São Paulo, foram 663 mulheres assassinadas.Mulheres negras entre 16 a 24 anos têm três vezes mais casos de estupros e violência. Estamos em pleno século XXI e essa realidade revela um comportamento de verdadeira barbárie.

 A esse quadro de violência se soma a falta de políticas públicas e uma política de cortes no Orçamento da Saúde, da Previdência e da Educação, deixando as mulheres trabalhadoras sem creche onde deixarem seus filhos para irem trabalhar. A violência contra as mulheres é institucional, o capitalismo usa essa lógica para segregar as mulheres e, com isso, pagar um menor salário para as mulheres e consequentemente, para toda a classe trabalhadora.

A existência de um vagão exclusivo para mulheres dentro do transporte público em geral, e no metrô em particular ,não é novidade. É uma medida que procura proteger as usuárias contra os casos de assédio sexual. Em Brasília, o vagão exclusivo do metrô começou a funcionar desde o dia 1º de julho de 2013. No Rio de Janeiro ele existe há 7 anos. Além destas cidades brasileiras, o vagão exclusivo está presente no Egito, na Indonésia, no Irã, no México, nas Filipinas, em Dubai, no Japão e na Índia. Uma pesquisa em Nagoya feita em novembro de 2007, apontou que 55% dos entrevistados apoiaram a criação de um vagão exclusivo para mulheres, 28% foram contrários à idéia. Apesar das reclamações dos usuários masculinos, 42% das pessoas afirmaram que o vagão exclusivo para mulheres não constitui discriminação sexual.

O combate ao assédio e violência sexual dentro do transporte público é emergencial e exige uma ação imediata para que possamos preservar a vida e a segurança das mulheres. Não podemos tratar essa medida como “segregação”. Quem segrega é o racismo e o machismo que divide a nossa classe e é utilizado pelo capitalismo de forma muito eficiente para desqualificar, segregar, humilhar e maltratar as mulheres trabalhadoras. Nesse caso como em qualquer caso que envolva a questão do machismo e da violência contra as mulheres, precisamos de investimento em infraestrutura e de medidas de educação, de punição aos agressores e de proteção das mulheres, pois aqui se trata de preservar a integridade física e psicológica da mulher.

Diante da proposta de vagão exclusivo para mulheres, muita gente se levantou contra. Óbvio que nós lutamos por uma sociedade socialista, que pressupõe a igualdade de direitos para mulheres e homens, bem como para outros grupos sociais que foram oprimidos historicamente. Ações afirmativas como esta não substituem (e nem podem) a necessidade da luta por uma educação não sexista, que ensine os homens a não estuprar, ou da luta por uma sociedade sem exploração.

No entanto, a sociedade em que vivemos ainda não é assim. Se fosse, não precisaríamos da existência da Lei Maria da Penha, cotas para negros e negras nas universidades, luta por trabalho igual e salário igual. Todas lutas democráticas, mas que o capitalismo é incapaz de cumprir até o fim. Porque o direito básico da classe trabalhadora não é cumprido. Porque a maioria dos homens ainda acredita ter poder de posse sobre as mulheres. Porque o sistema capitalista transforma as diferenças em desigualdades e se utiliza disso para melhor explorar.

Segundo dados da ONU, 1 em cada 4 mulheres do mundo foi ou será estuprada ao longo de sua vida. Significa que ainda há um longo caminho de lutas a percorrer, e neste caminho, todas as medidas paliativas que ajudem a preservar a integridade física e psicológica da mulher tem lugar em nossa política.

Há quem argumente que a mulher que optar por não ir no vagão preferencial estará ainda mais sujeita, e em muitos casos conscientemente, à violência, pois o carro teria maioria masculina. Essa é a mesma lógica de que a mulher que usa um shortinho ou um decote está “provocando o homem”, ou seja a lógica da culpabilização daquela que sofreu agressão.

Nossa política, em primeiro lugar, é apontar a obrigação do estado de investimento no transporte público de alta e média capacidade, tornando o transporte público um direito da população como está em nossa Constituição, e não como uma forma das empresas privadas lucrarem com o sofrimento da população. Em segundo lugar, é obrigação do Estado também uma campanha contra a violência às mulheres em geral e em específico contra o assédio dentro do transporte público. Em terceiro lugar, punir os agressores com base na Lei Maria da Penha, e para isso é preciso ampliar as delegacias de mulheres com atendimento 24h e o atendimento às vítimas. E em quarto lugar, ampliar as medidas de proteção e de segurança das mulheres que inclua a questão do vagão exclusivo.

Nesse sentido, nossa política deve abranger vários aspectos necessários para o combate à violência contra as mulheres no transporte público. Por isso, o vagão exclusivo faz parte de uma política de proteção das mulheres e deve ser discutida junto com um conjunto de medidas que devem ser tomadas. Não é uma solução para o assédio, mas uma forma de proteger as mulheres da verdadeira barbárie no que diz respeito à violência machista que vivemos todos os dias. E mostrar que é extremamente urgente e necessária a luta por uma sociedade sem exploração, sem racismo, sem homofobia e sem machismo!

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