Desinfecção no Morro da Providência. Foto Comlurb

Geovani Pereira

O surto do novo coronavírus que atingiu o planeta exigiu uma mudança drástica em nosso modo de vida. Como não existe, ainda, uma vacina contra a Covid-19, a orientação de praticamente todos os especialistas sérios e da OMS é que o melhor remédio, neste momento, é o isolamento social.

Nos bairros nobres da cidade, onde mora uma pequena parcela da população, o único incômodo com essa situação é ter de ficar em casa. Não há preocupação com o armário e a geladeira vazia, tem acesso à Internet e a todo tipo de entretenimento em casa. Pode-se pedir comida de distintos restaurantes pelo telefone e aplicativos, além disso alguns podem até “fugir” para uma casa de campo ou de praia. E contam com serviço médicos privados de primeira linha.

Nos bairros e favelas da periferia, as pessoas continuam circulando quase que normalmente. O pequeno comércio continua funcionando. A conclusão é rápida. Não existe isolamento social. E muitos se perguntam por que isso ocorre. Será que a classe trabalhadora e o povo pobre não têm medo do surto do novo coronavírus? Ou eles não respeitam a vida humana?

Uma análise social e econômica marxista ajuda a explicar

Uma parcela da população das periferias é impedida de fazer o isolamento social. São obrigadas a ter de continuar trabalhando, mesmo que a sua ocupação não seja considerada serviço essencial. Por isso, todos os dias, o que vemos são os transportes lotados. E quase sempre não são garantidos a esses trabalhadores equipamentos de segurança.

Uma outra parcela que vive na informalidade, ou seja, trabalha sem carteira assinada para garantir o sustento da família, é obrigada a se arriscar todos os dias. Trabalhos que já eram precários pioraram significativamente nestes últimos dois meses. Os motoristas de aplicativos como Uber, por exemplo, viram sua renda cair drasticamente, 80% da frota de carros comprada para esse fim foi devolvida no ultimo mês (segundo informa o Jornal Hoje, de 01/06/20). Os camelôs que ganham a vida no centro do Rio ou no transporte público também viram a sua rende despencar, e não lhes resta alternativa, a não ser continuar nas ruas para ganhar o seu sustento.

Não existe home office para operário da construção civil;  para os milhares de terceirizados que trabalham na limpeza das empresas publicas e privadas; para empregadas domésticas e diaristas; e tantos outros profissionais que, ao não terem assistência do Estado, são obrigados a conviver com o risco de se infectarem e morrerem todos os dias.

A juventude da periferia, que sempre sofreu por não ter acesso à cultura, lazer e emprego, neste momento, tem sofrido ainda mais. A internet, que poderia ser uma alternativa de acesso à cultura e lazer neste momento, para uma grande parte, ainda é um artigo de luxo. Enquanto nas classes A e B o acesso é de 99%, nas classes C e E o acesso é de 50% segundo o Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br).

O problema não se restringe somente ao acesso à Internet: 1 a cada 4 brasileiros não tem computadores em casa (cetic.br). E se considerarmos, apenas, as classes C e E, o número é muito maior.

Sem considerar essas questões, o governo estadual de Witzel impôs um ensino on-line durante a quarentena, como se essas questões não existissem. A consequência disso é um índice de participação que não chega a 80%, como tem sido relatado por vários profissionais da área da educação.

Como a renda familiar é muito baixa, muitos desses jovens veem-se obrigados a trabalhar para ajudar em casa.  Muitos moram em casebres onde vivem muitas pessoas. Ficar em casa 24 horas por dia, nessas condições, é algo insuportável.

Os pequenos e microempresários, principalmente os da periferia, não receberam nenhuma ajuda dos governos até agora. Enquanto as grandes empresas e os bancos recebem milhões, aqueles estão tendo de se virar. Vide a fala de Paulo Guedes, que se tornou pública com o vídeo da reunião ministerial: “dinheiro vai para as grandes, já que as pequenas não dão retorno”. Para esse setor, não resta alternativa a não ser continuar mantendo as portas abertas, mesmo que isso signifique contrair a Covid-19, colocando a sua vida e a da família em risco. Os poucos que fizeram quarentena, nesse período, não sabem se conseguirão abrir as portas novamente.

Além de toda essa situação, ainda existe uma campanha do Presidente Bolsonaro que minimiza os mais de 1 milhão de infectados e 50 mil mortes no Brasil. Ele faz declarações todos os dias, incentivando as pessoas a irem para as ruas, utiliza-se da estrutura do Estado para difundir notícias falsas, as fake news, e acaba convencendo muitas pessoas que a situação não é tão grave. Bolsonaro apresenta uma falsa discussão entre morrer de fome por não ter emprego, ou morrer pelo vírus. E muitos trabalhadores com medo de perder seus empregos por não ter como sobreviver, por não possuir nenhuma renda, acreditam que esse raciocínio está correto.

A ajuda emergencial de R$ 600 é insuficiente e chegou para poucos. Para conseguir sacá-la, as pessoas foram obrigadas a passar noites em filas, aglomeradas na Caixa Econômica e da Receita Federal, correndo o risco de se contaminarem. Uma verdadeira humilhação para aqueles que mais precisam.  E o que é urgente acaba não cumprindo a sua função por causa da demora.

Os governos estadual e municipal, apesar de, inicialmente, terem um discurso diferente do presidente, na prática, não criaram as condições para que a população, de fato, pudesse fazer a quarentena. Não deram nenhuma ajuda social aos que mais necessitavam. A única intervenção do Estado de verdade foram as ações policiais que assassinaram dezenas de pessoas, incluindo crianças.

Para ter quarentena de verdade é preciso uma saída revolucionária e de classe

Toda essa situação deixou, mais uma vez, evidente que o capitalismo não tem nada a oferecer aos trabalhadores e ao povo pobre da periferia. Já não garantia saúde, educação, emprego, cultura e lazer. Agora, nem a sobrevivência humana, mesmo que precária, é garantida. Por isso, milhões são infectados e morrem todos os dias.

Aqueles que ainda não foram infectados estão lutando por sua sobrevivência. A quantidade de riqueza produzida em nosso planeta é muito superior do que, de fato, necessitamos. Portanto, a única coisa que explica não termos hospitais, assistência para os mais vulneráveis, emprego, em momentos como esse, é o fato de que o sistema em que estamos inseridos é injusto. O Brasil é o segundo país do mundo com maior concentração de renda.  1% dos mais ricos concentram 28,3% da renda total do País. Os dados deixam o Brasil somente atrás do Catar, onde a proporção é de 29%. Nesses dois países, quase um terço da renda está nas mãos dos mais ricos. Já os 10% mais ricos no Brasil concentram 41,9% da renda total. A análise é do Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), da Organização das Nações Unidas (ONU), que foi divulgado em dezembro de 2019.

Nenhuma medida, por mais progressiva que seja, pode se manter em um regime como este. Por isso, os R$ 600 e qualquer outra medida assistencial são insuficientes. Elas ajudam, e seguiremos lutando para que sejam ampliadas, mas com a clareza de que são medidas efêmeras.

Precisamos de um mundo em que a riqueza produzida por nós seja nossa de verdade. Só assim teremos saúde pública, educação decente, emprego para todos. E que a vida seja o mais importante! Só o Socialismo pode nos proporcionar essa condição de vida. Há uma falsa campanha da direita e extrema-direita sobre Socialismo. Tentam vinculá-lo aos regimes ditatoriais da Venezuela, Cuba, China e da ex-União Soviética, para dizer que o Socialismo não presta. Esses Estados, apesar de falarem em Socialismo, na verdade, são Estados capitalistas.  Com burocracias que estão no poder há anos, que governam para suas burguesias ou, até mesmo, para o imperialismo, como é o caso da China de hoje.

Só um regime socialista poderia garantir uma quarentena de verdade. Com saúde, emprego e assistência social para todos

O Brasil não se tornará socialista pelo voto. Aqueles que dizem que melhorarão nossas vidas pelo voto estão mentindo. Isso só acontecerá quando a nossa classe governar. Até aqui, os grandes empresários nunca nos deixaram governar, por isso temos a necessidade de uma revolução. Precisamos subverter a ordem, não podemos continuar em um mundo onde 1% das pessoas concentra toda a riqueza. A construção do Socialismo só será possível se os trabalhadores tomarem o poder político para si. Por isso, só uma revolução pode mandar para o museu da história esse sistema ultrapassado, que é o Capitalismo.