Na última manhã de domingo, caminhava por uma feira próxima de casa e decidi levar um pé de alface. O feirante, com o tino comercial próprio da profissão, ofereceu ainda um pé de espinafre e meia dúzia de cenouras. Após a tradicional pechincha, levei tudo por R$ 5.

Neste momento, em Brasília, uma outra transação comercial acontece, mas as cifras são bastante diferentes. O governo Temer negocia desesperadamente a aprovação da reforma da Previdência e, para obter o apoio dos deputados, abre os cofres públicos. De acordo com a seção Painel da Folha de S. Paulo desse dia 12 de dezembro, Temer pediu aos ministros da Saúde, Cidades e da Integração Nacional que separassem dos orçamentos de suas respectivas pastas R$ 3,6 bilhões para emendas parlamentares.

Já o jornal Estado de S. Paulo fez um levantamento mostrando que o governo já comprometeu R$ 43,2 bilhões nas negociações com os parlamentares para a aprovação da reforma. Entram nessa conta a renegociação de dívidas com empresas, ruralistas, além de repasses para estados e municípios, abastecendo os cofres dos prefeitos e governadores aliados dos deputados que Temer quer que apertem o “sim” no dia da votação.

Do ponto de vista meramente econômico, trata-se de uma transação comercial, como numa feira. A diferença é que, enquanto compramos frutas e legumes, Temer está comprando no Congresso Nacional o nosso direito à aposentadoria. Se do ponto de vista político e jurídico analistas e jornalistas podem divergir se isso é corrupção ou não, embora para qualquer pessoal essa dúvida não exista, é inegável que se trata de uma operação de compra e venda. O produto negociado é o voto, e a moeda são as emendas, repasses, renegociações de dívidas e isenções, tudo na casa dos bilhões para empresários, banqueiros e ruralistas.

Estranhamente, ou não, a imprensa lança mão de um verdadeiro arsenal de eufemismos para tratar essa compra de votos. Dizem, por exemplo, que o governo faz um “esforço” para a aprovação da reforma. Da mesma forma podemos encontrar os seguintes termos: “articulação”, “negociação”, “tratativas”. Ora, ninguém diria que eu fiz um “esforço” ou uma “articulação” para a compra um pé de alface do seu Zé da feira.

Hipocrisia
Essa verdadeira hipocrisia da imprensa acontece porque praticamente todos os grandes veículos de comunicação do país estão perfilados na defesa intransigente da reforma da Previdência. E para isso vale tudo, principalmente mentir, desinformar, distorcer tanto os fatos que passa a ser o seu contrário.

A campanha governista que diz cinicamente que a reforma combate privilégios é reproduzida acriticamente dia e noite. O servidor público é criminalizado em pleno Jornal Nacional. Em absolutamente nenhum lugar da imprensa burguesa se diz que o trabalhador privado vai perder boa parte de seu salário caso consiga se aposentar com as novas regras que o governo quer aprovar. De Miriam Leitão, Sardenberg, Roberto Kennedy, até os jornalistas de menor expressão, o discurso é único e sem espaço para questionamento: sem a reforma o país quebra, a reforma combate privilégio, não atinge os pobres, e todas as mentiras propagadas na campanha publicitária de R$ 100 milhões de Temer.

E nisso, a corrupção, a compra de votos deslavada, a barganha mais descarada protagonizada por gente da estirpe de um Carlos Marun, são relativizadas, para não dizer omitidas.

Felizmente, há limites para a manipulação. E a população não parece disposta a abrir mão da aposentadoria, e das compras na feira, em nome de um punhado de corruptos, eles sim, privilegiados.