Publicação da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT-QI) – Nova época – Junho de 2003Em abril, três homens que haviam seqüestrado em Havana um rebocador, com 40 passageiros que se dirigiam aos EUA, foram detidos, julgados e fuzilados em tempo recorde. A sentença de morte dos três acusados abriu uma grande polêmica em todo o mundo. Por um lado, foi utilizada pelo imperialismo ianque e sua hipócrita campanha pela “democratização” do regime cubano. Por outro, foi apoiada incondicionalmente por quem afirma que esta foi uma medida legítima de defesa da revolução.

O cinismo dos assassinos imperialistas

O cinismo do assassino governo de Bush não tem limites: pretendem dar lições de defesa da democracia e dos direitos humanos, quando são os maiores carrascos dos povos de todo o mundo, e quando matam famílias inteiras com desculpas indefensáveis, como na guerra do Iraque. O mesmo podemos dizer do imperialismo Europeu. A União Européia, através de sua comissão executiva, se apressou a “condenar a pena de morte” em Cuba em nome dos “direitos humanos”, quase ao mesmo tempo em que autorizava o governo dos EUA a manter a ocupação do Iraque e autorizava a ONU a usar o petróleo iraquiano à vontade. Por isso, quando esta gente enche a boca falando da “defesa do direito à vida”, não pode causar outro sentimento que indignação.

Mas a justa indignação contra a utilização destas sentenças de morte pela máquina de propaganda do imperialismo assassino não pode impedir que nenhum revolucionário se pergunte sobre a correção das sentenças de morte em Cuba e, mais ainda, se é correto o critério com que a direção do Estado cubano utiliza a pena de morte.

A pena de morte

Nós, trotskistas da LIT, nos opomos à aplicação da pena de morte nos países capitalistas. A razão de nossa oposição é simples: estamos contra deixar a decisão sobre a vida e a morte nas mãos dos donos do poder nestes Estados. Temos o exemplo dos EUA, onde a pena de morte é usada para reprimir os setores mais explorados dos trabalhadores e responsabilizá-los pelas misérias do capitalismo.

Mas também estamos contra que os setores burocráticos usem essa mesma pena para reprimir os que se levantam contra seus privilégios e atropelos. Por isso, quando Stalin e seus sucessores a utilizavam contra os dissidentes, ou simplesmente contra os trabalhadores, na URSS ou nos outros Estados burocratizados, os marxistas revolucionários os denunciavam e faziam campanhas contra os julgamentos e execuções de opositores. Assim, ocorreu quando a direção stalinista executou a quase totalidade dos ex-dirigentes do Partido Bolchevique e muitos oficiais do Exército Vermelho, entre 1935 e 38, alegando falsamente que haviam passado a ser “agentes da Gestapo e do imperialismo”.

O problema de fundo é que não podemos deixar o direito de decidir a vida ou a morte de pessoas a setores privilegiados porque eles vão utilizar esse direito a serviço de seus interesses. Em nome da “defesa do socialismo”, Stalin caluniou e executou todos os seus opositores e chegou até mesmo a debilitar a defesa do país contra Hitler, para garantir o controle absoluto do aparato do Estado.

Era uma ‘questão de vida ou morte’?

Em uma entrevista a um jornal argentino, Fidel Castro disse que a decisão dos fuzilamentos foi tomada em um “momento destes que se qualificam de vida ou morte”. Fidel fez uma comparação com os dias de abril de 1961, quando foi derrotada a invasão mercenária apoiada pelos EUA, na praia Girón. Em seguida, comparou os fuzilamentos com a chamada “Crise dos Mísseis”, em outubro de 1962.

Os defensores da medida adotada assinalam que era necessário tomar uma ação exemplar para “cortar radicalmente” a intromissão imperialista. Por isso, afirmam que quem critica os fuzilamentos “não entende que a revolução para defender-se tem às vezes que tomar medidas dolorosas como esta” e, em última instância (quem está contra os fuzilamentos) acaba por “fazer o jogo do imperialismo”.

Não nos parece que os fatos atuais indicam que a política imperialista seja realizar uma intervenção iminente. No entanto, ninguém pode deixar de observar que a doutrina norte-americana da “guerra preventiva” que já se demonstrou no Iraque, não livra nenhum país do mundo de ser invadido e menos ainda Cuba. Se esta fosse a realidade, ou seja, que o país estivesse frente à um grave perigo de ataque do imperialismo, as coisas seriam diferentes.

Ainda que sustentemos uma posição sobre o Estado cubano distinta da maioria da esquerda. Afirmamos que o capitalismo foi restaurado em Cuba e a própria direção cubana é a responsável pela introdução das misérias do capitalismo na ilha, enquanto maioria da esquerda considera Cuba como um “modelo do socialismo”.
Mas, não ignoramos a possibilidade de ataques do imperialista Bush e a pressão política sustentada pelos contras residentes em Miami. Neste caso, não temos a menor dúvida em afirmar que a defesa incondicional de Cuba frente a qualquer intervenção imperialista é um dever de todo militante. Se chegarmos a esta situação, não temos dúvidas de que seremos parte dos voluntários do mundo que irão defender Cuba.

E, neste marco, reconhecemos o direito de um Estado agredido defender-se dos agressores externos e de seus agentes, com duras penas e, no caso de necessidade extrema, até o fuzilamento. Foi o caso da direção bolchevique após a Revolução Russa contra os “exércitos brancos” pagos pelo imperialismo, entre 1918 e 1921. Ou dos revolucionários espanhóis frente aos assassinos fascistas, durante a guerra civil de 1936-1939.

Mas os próprios exemplos citados mostram que somente em casos excepcionais, nos quais a revolução está em jogo ou o país está sendo invadido pelo imperialismo, se pode justificar a aplicação da pena de morte. Inclusive um Estado Operário atacado, somente deve utilizá-la em última instância. Os bolcheviques não aplicaram a pena de morte contra os ministros burgueses quando tomaram o poder e somente a empregaram quando os contra-revolucionários desataram a guerra civil.

Não podemos nos esquecer da utilização da pena de morte e de longas penas que, em nome da defesa do socialismo, fizeram os stalinistas contra os opositores comunistas e socialistas nos processos de 1952-1956 na Hungria e no Leste europeu, em 1968 na Checoslováquia ou, anteriormente, na guerra civil espanhola contra os que não aceitavam as diretrizes de Moscou. Por isso, não se pode aceitar, de maneira leviana, qualquer justificativa sem uma base sólida.

‘Funcionários pagos’

Na mesma linha de raciocínio de Castro, quem defende as sentenças de morte e outras medidas adotadas pelo regime, enfatizam que em Cuba existe uma oposição alimentada e integrada por “funcionários pagos pelo governo dos EUA”. Inclusive foi denunciado que James Cason, chefe do “Escritório de Interesses” dos EUA em Havana é o responsável pelo pagamento.

Mas se o que se quer é enfrentar a intromissão imperialista, por que o governo cubano não prende James Cason e não o leva a julgamento? Por que nem sequer não o expulsa de Cuba? Com disse o escritor português Saramago: “Não se entende como, se houve conspiração, o encarregado do escritório de interesses dos EUA em Havana ainda não tenha sido expulso”.

Os argumentos do governo cubano não fazem o menor sentido. Se existe uma clara conspiração paga pelo imperialismo; se o chefe da conspiração tem nome e sobrenome, se o momento é tão crítico que se devem tomar medidas de “vida ou morte”, essas medidas consistem em fuzilar a três seqüestradores de um barco que sequer teve vítimas? Em outras palavras, as medidas contra o imperialismo consistem em condenar a duríssimas penas aos funcionários pagos por Cason, mas este continua operando livremente em Havana?

Qual o problema real?

Acreditamos que os problemas reais por detrás dos fuzilamentos são outros. Nos parece que a questão reside em impedir que setores empobrecidos e desesperados da população cubana fujam para os EUA.

No início da década de 90 (o chamado “período especial em tempos de paz”) a crise econômica levou a uma ruptura social e o mal estar tomou conta da população de Cuba. Em Julho de 1994, quarenta e uma pessoas morreram afogadas, quando o governo cubano afundou um rebocador que havia sido seqüestrado com o objetivo de chegar até à Flórida. Um mês depois, no meio da chamada “crise dos balseiros”, milhares de cubanos se reuniram no “Malecon” de Havana, avenida situada á beira-mar, num claro desafio às autoridades. O governo cubano mobilizou as Brigadas de Ação Rápida e a polícia à paisana e reprimiu o protesto. As cifras oficiais dão conta de 35 feridos e 700 presos. Depois das detenções e expulsões no interior do partido, da juventude comunista e da polícia, foi restituída a “normalidade”.

Essas fugas ocorrem por uma razão fundamental. A política do governo cubano é fazer cada vez mais concessões econômicas ao imperialismo, aumentando os investimentos estrangeiros, enquanto realiza duros ataques ás conquistas dos trabalhadores e das massas. Isto vem agravando as penúrias da maioria dos cubanos e aumentando as desigualdades sociais, entre as pessoas comuns e os funcionários do regime.

Neste marco, emigrar para a metrópole imperialista e enviar dólares para as famílias, como fazem os milhões de imigrantes de outros países do mundo, se converteu em uma saída para um número cada vez maior de famílias cubanas. E qualquer trabalhador que tenha nascido em um país colonial ou semicolonial, sabe perfeitamente que para emigrar deve burlar as normas, tanto de seu país como das metrópoles imperialistas. Talvez não seja não seja a melhor forma de lutar pela subsistência, mas é uma forma possível encontrada por milhões de trabalhadores.
Do nosso ponto de vista, tanto as execuções com as detenções são um castigo exemplar e um aviso frente ao descontentamento social originado pela crescente desigualdade social derivada da restauração capitalista. Este descontentamento ameaça o regime. Trata-se de lançar uma clara mensagem ao povo cubano para evitar os acontecimentos de 94.

Podemos estar equivocados. Mas, a falta de qualquer abertura para uma investigação independente, dos processos e das supostas provas, inclusive, para quem simpatiza com o regime, impede que qualquer outra visão possa ser verificada, para ver de que lado está a verdade.

Façamos um debate sério sobre a situação atual de Cuba

Alguns intelectuais saíram atacando ferozmente os que honestamente se pronunciaram contra os fuzilamentos. Muitos deles se recusam a falar ou reclamar por “liberdades democráticas” em Cuba. Alegam e denunciam a falsidade da democracia burguesa, algo com que estamos plenamente de acordo. Mas ainda supondo que tenham razão os que dizem que não se restaurou o capitalismo em Cuba, a história recente do Leste Europeu é suficiente para demonstrar que, uma ditadura burocrática, seja na Europa Oriental ou na América Latina, não é alternativa. Ao contrário, depõe contra a causa socialista, e tem como resultado a repressão para os que defendem a revolução.

No fim das contas, a burocratização acaba preparando o caminho para a restauração capitalista.

Temos de discutir o que está ocorrendo em Cuba, e também o que se pode fazer dentro da ilha. As medidas econômicas do governo cubano fortalecem o socialismo ou a restauração capitalista? São necessárias essas medidas? Existem outras possibilidades? A desigualdade social está aumentando em Cuba, ou esta afirmação é uma mentira?

Desgraçadamente, hoje é impossível fazer esta discussão dentro de Cuba.
Sabemos que entre os que respaldam as sentenças de morte existem muitos companheiros que querem defender honestamente as conquistas da revolução cubana. No entanto, estas conquistas se basearam no fato de que os meios de produção, as fábricas e a terra deixaram de ser propriedades da burguesia e passaram para as mãos do Estado, além da planificação central da economia.

Mas o que vemos hoje é que já não existe a economia planificada nem o monopólio do comércio exterior e a economia estatizada é cada vez menor. E isso não é outra coisa que a restauração do capitalismo. Uma restauração que não está sendo feita a partir de nenhuma invasão da burguesia “gusana”, e sim, a partir da política e das leis do próprio governo cubano.

As medidas repressivas do regime cubano merecem o repúdio, porque não são mais que medidas dirigidas a amordaçar os trabalhadores e o povo, enquanto as medidas econômicas abrem as portas do país ao imperialismo europeu.

Por isso é completamente equivocado e totalmente fora da realidade justificar os fuzilamentos e a onda repressiva do governo cubano, acreditando que são parte da luta antiimperialista ou da defesa da revolução e suas conquistas.
Mas queremos chamar a uma reflexão, inclusive, aqueles que acreditam que o regime de Castro é defensor das conquistas da revolução de 59.

Por que foi necessário fuzilar de forma rápida ou condenar a duras penas tantos cubanos? Não estaríamos uma vez mais diante de julgamentos feitos para encontrar bodes expiatórios e dar uma lição de intimidação, com se fez antes com Arnaldo Uchoa e outros ex-dirigentes, alguns deles heróis do Partido?

Até quando se aceitará tudo o que faça a direção cubana, em nome de uma suposta “defesa do socialismo”?

Devemos aprender da experiência do Leste Europeu, devemos dizer claramente que os socialistas não se confundem com o regime repressivo de Castro. Esta é a verdadeira defesa da revolução e de suas conquistas.

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