O governo Chávez (e todos seus apoiadores) sofreu uma dura derrota no plebiscito do último dia 2. O povo venezuelano recusou o projeto de reforma da constituição. Pela primeira vez em nove anos de governo, Chávez amargou uma derrota eleitoral. Pouco mais de 50% do eleitorado votou pelo “não”. Houve alto índice de abstenção. Os motivos dessa derrota serão discutidos por muito tempo. Queremos dar nossa primeira contribuição a esse debate.

Nada de “socializante”
Tanto os chavistas quanto a oposição de direita dizem que foi derrotada uma reforma “socializante”. Isso nunca existiu.

Para esclarecer isso, é preciso primeiro definir o que é o governo Chávez em termos sociais. A esquerda que o apóia se recusa a fazer esta análise, escondendo-se em posturas como “não se pode ser esquemático”, “é preciso uma avaliação dinâmica”. Mas o marxismo parte de uma avaliação das classes sociais, sem a qual é impossível avaliar os processos.

Chávez não é um governo pequeno-burguês, como dizem muitos setores da esquerda, só porque o presidente tem origem na pequena burguesia (oficialidade do exército). Não existem no capitalismo governos pequeno-burgueses, porque este setor social não tem nenhuma condição de hegemonizar a sociedade. Em tempos de grandes monopólios e oligopólios, não se pode retroceder o conjunto da sociedade de volta para a pequena propriedade urbana ou rural. O poder ou serve ao proletariado ou à burguesia.

Chávez não é um governo operário por motivos óbvios: seu programa e sua prática não expressam os interesses do proletariado. A Venezuela segue sendo capitalista, com grandes empresas multinacionais controlando a produção de petróleo (agora pagando mais impostos ao governo chavista). Não existem, no regime e governo chavistas, instituições da classe operária, mas um parlamento (aliás, tão ou mais corrupto que o brasileiro), forças armadas burguesas e um governo centralizado ao redor da figura de Chávez.

O governo Chávez é burguês, com uma característica política nacionalista burguesa, ou seja, semelhante a outros governos do passado latino-americano, como Perón (Argentina), Cárdenas (México) e Velasco Alvarado (Peru). Um governo burguês como o de Chávez não poderia estar apostando num caminho real para o socialismo. A reforma constitucional não tinha nada de “socializante”. O projeto defendia a manutenção da propriedade privada das grandes empresas. Chávez incluiu algumas concessões mínimas aos trabalhadores como a redução da jornada para seis horas. Mas, longe de serem “socialistas”, essas medidas tinham como objetivo manter a propriedade privada e adocicar o conjunto do pacote.

Uma reforma explicitamente autoritária
Por mais que o governo venezuelano tenha tentado, não conseguiu esconder seu objetivo verdadeiro com a reforma: a possibilidade de reeleição indefinida. Essa medida tem um conteúdo autoritário, bonapartista, porque buscava utilizar o aparato estatal para se perpetuar no poder.

O imperialismo e a oposição de direita, cinicamente, se opuseram a isso, ao mesmo tempo em que apóiam ditaduras que não promovem nenhuma eleição (como Pinochet no passado ou as atuais monarquias petroleiras do Oriente Médio). Mas o cinismo do governo Bush ou da oposição burguesa não pode esconder que a proposta chavista era parte de um giro autoritário, antidemocrático.

Como todo nacionalismo burguês, Chávez quer disciplinar as massas e a burguesia. A reforma é parte de um giro autoritário que inclui o ataque explícito à autonomia sindical, a criação do PSUV (como partido “único” do socialismo) e o fechamento da RCTV.

E esse giro autoritário foi percebido pelas massas venezuelanas. O resultado do “não” é muito superior ao peso da oposição de direita. A alta abstenção (44% da população) incluiu setores amplos de trabalhadores que continuam sendo chavistas, mas se negaram a dar apoio a uma medida autoritária.

Situação dos trabalhadores é cada vez pior
O resultado da votação indica que prevaleceu um sentimento democrático e que está crescendo um descontentamento social. O “socialismo do século 21” é uma farsa. A vida dos trabalhadores venezuelanos não mudou. Os salários continuam os mesmos de sempre. As condições de vida nos morros de Caracas são muito semelhantes às das favelas brasileiras.

Chávez busca remediar isso com um recurso bem conhecido no Brasil, parecido com o Bolsa Família. As “missões” são programas sociais compensatórios de saúde, educação que estão presentes nos bairros pobres do país.

Junto com isso, a ostentação da “boliburguesia” e dos altos burocratas se choca com a miséria reinante. Essa nova burguesia foi gerada por dentro do Estado, a partir de todos os negócios do petróleo. A maior expressão é Diosdado Cabello, governador de Miranda e um dos principais chefes do PSUV. Os altos funcionários adoram jeeps como os Hummers, vendidos em grande escala na Venezuela.

Tudo indica que começa a existir cada vez mais insatisfação com a continuidade da miséria do povo e o enriquecimento corrupto da boliburguesia e da alta burocracia.

Post author da redação
Publication Date