Confira abaixo trechos da reportagem “Entre a fome e o ódio”, publicada em 1996 pelo Correio Internacional de número 67. A matéria foi realizada alguns anos após o inicio da restauração capitalista em Cuba e revela os efeitos sociais desse processo

No Brasil, em muitas mobilizações por melhores salários, contra a exploração dos patrões, estive ao lado de ativistas que têm simpatia pelo castrismo. Fiquei imaginando o que diriam se escutassem este relato feita a mim por uma operária.
“Aqui se ganha de acordo com a tarefa produzida. Se a gente consegue terminar a tarefa determinada pelo administrador para aquele dia, muito bem. Se não conseguir, tem que terminar no dia seguinte. Paga-se pelas tarefas completadas e não por dia de trabalho. Se eu conseguir cumprir todas as tarefas todos os dias, ganho 110 pesos (mais ou menos 3 dólares)”, relatou.

Um médico formado há sete anos me contou: “Eu trabalho neste hospital 70 horas por semana, mas na verdade é um bico, em termos de salário. Ganho 340 pesos (pouco menos de 10 dólares) por mês. Consigo sustentar a família alugando um quarto que tenho, para turistas”, disse. (…)

A saúde sempre foi um dos motivos de orgulho dos cubanos, mas já está em clara decadência. Um cirurgião me falou: “Aqui falta linha de sutura, anestesia e medicamento”. O governo concentra recursos num hospital onde é atendida a fina flor da burocracia, o Hermanos Amexeira, e deixa os outros sem lençóis para camas e sem medicamentos (…).

Nas escolas, outra das conquistas cubanas, falta de tudo, até papel e lápis. Os professores ganham em torno de sete dólares. Estive numa escola onde uma das alunas mais bonitas, de 14 anos, é também a mais bem vestida, porque se prostitui. “Tenho colegas de quinto ano, que estão pra se formar, e também fazem a mesma coisa. A minha professora de Fundamentos Políticos é prostituta também”, relata a estudante que ainda conclui: “Chegamos a um capitalismo corrupto, no qual tenho que depender do meu corpo para sobreviver”.

A restauração está fazendo que Cuba volte a ser um país com uma localização no mercado mundial semelhante à que tinha antes da revolução, baseada no turismo, na produção de rum e cana-de-açúcar e tabaco.

Diante de um ambiente socialmente explosivo como este, perguntei a várias pessoas porque não havia greve e mobilizações. Uma operária me respondeu: “O sindicato é dirigido pelo partido e faz o que o administrador manda. Fazer greve? Não posso. Vem a polícia, e eu seria presa e demitida”, disse.

Post author Ernesto Guerra,
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