É, esse negócio de prender gente rica no Brasil não dá certo mesmo. Cadeia é feita para pobre. Quem está aprendendo esta lição agora são alguns delegados e investigadores da Polícia Federal e juízes de primeira instância.

Em 8 de julho deste ano, a chamada “Operação Satiagraha” da Polícia Federal levou à prisão o banqueiro Daniel Dantas, o especulador Naji Nahas, o ex-prefeito Celso Pitta e mais 14 acusados de corrupção, evasão de divisas, crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro. A primeira ordem de prisão partiu do juiz Fausto Martin de Sanctis, da Vara Criminal Federal especializada em processo sobre crimes financeiros e de colarinho-branco. Ele acolheu pedido feito pelo delegado Protógenes Queiroz.

No mesmo dia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, atacou com duras críticas os métodos para a prisão dos acusados, condenando o uso de algemas e a exposição à mídia. No dia 10, Mendes concedeu habeas corpus a Dantas, que foi solto, mas retornou à carceragem dez horas depois, dessa vez com prisão preventiva por suborno decretada por Sanctis. O banqueiro teria oferecido, através de Humberto José da Rocha Braz, que também foi preso, R$ 1 milhão para corromper um delegado federal em troca do arquivamento de inquérito sobre as atividades de seu grupo.

O presidente do Supremo reagiu com novo habeas corpus, colocando Dantas definitivamente em liberdade. Ele ainda acusou Sanctis de desobediência. Mendes ironizou: “Estava imbuído das melhores intenções porque de fato estava convencido de que ‘vi Deus´ e que a minha missão é prender as pessoas. Abrigue-se numa igreja, porque o Estado de Direito é para os homens”.

Quase uma semana depois, no dia 16 de julho, o delegado Protógenes foi afastado da Satiagraha. Supostamente, por ter usado agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na operação.

Os sem-algemas
Em meados de agosto, fruto destas prisões, o STF editou uma súmula vinculante restringindo o uso de algemas em operações da polícia. Diga-se de passagem, uma prática que já foi abolida nas periferias das grandes cidades onde jovens negros são mortos sem algemas.

Agora, no dia 5 de novembro, mandados judiciais de busca e apreensão foram realizados pela Polícia Federal no apartamento do delegado Protógenes Queiroz, no quarto do hotel em que costuma hospedar-se, em São Paulo, e no apartamento de seu filho, no Rio de Janeiro. Os policiais levaram um notebook, o telefone celular e um rádio.
No mesmo dia, o delegado Paulo Lacerda, apontado como o comandante informal da Operação Satiagraha, teve seu afastamento da direção da Abin renovado. Assim como o diretor-adjunto, José Milton Campana, e do chefe do Departamento de Contra-Inteligência, Paulo Maurício Fortunato Pinto.

E para finalizar, no mesmo dia, o STF validou o habeas corpus concedido pelo presidente do tribunal, ministro Gilmar Mendes, a Daniel Dantas. O juiz Fausto de Sanctis foi desqualificado neste julgamento. O ministro Celso de Mello afirmou que Sanctis cometeu um ato “insolente, insólito e ilícito”. “Essa Corte não pode tolerar abusos”, disse. Realmente, é um abuso prender um banqueiro.

Final da história: os bandidos do colarinho branco (Dantas, Naji e Pitta) estão livres. O delegado da PF, investigado. E o juiz que o prendeu desqualificado. Esta é a justiça burguesa.

Pobre banqueiro
Mas, também, querem prender logo o Dantas? Vejam só a vida do pobre banqueiro que eles tentam incriminar.

Dantas voltou à cena nacional durante a privatização do sistema Telebrás, em 1998. Liderou o bloco que arrematou a Brasil Telecom, participou da negociata com o Opportunity Fund criado nas Ilhas Cayman, tendo como diretores, além dele, Pérsio Arida e a irmã Verônica Dantas. Arida foi presidente do BNDES e do Banco Central e ajudou a montar o programa de desestatização.

Com fortes amigos no PSDB e no governo FHC, valeu-se de sua influência, teve informações privilegiadas e conseguiu do governo autorização para administrar os bilionários recursos dos fundos de pensão (cerca de US$1 bilhão, à época).

Em 2004, a Brasil Telecom foi acusada de contratar a Kroll para espionar a Telecom Itália. Violou sigilos telefônicos de empresas e pessoas para facilitar os esquemas de compra, venda, recompra e tudo o que se possa imaginar em termos de “negócios” no setor de telefonia. Foi destituído do controle da empresa em 2005.

A filha de Serra, Verônica Serra, sócia do pai, foi também sócia de Verônica Dantas, em uma empresa localizada em Miami, usada para a lavagem de dinheiro de campanha do PSDB, fechada em 2002. José Serra entregou a CESP para Najas e Dantas privatizá-las, afinal eles tinham experiência no tema.

Após a posse do presidente Lula em 2003, Dantas permaneceu onde sempre esteve, junto ao poder. Para se ter uma idéia José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil, era visto como o elo entre Dantas e o governo.

Um de seus principais parceiro no governo é Mangabeira Unger, Ministro da Secretaria de Planejamento a Longo Prazo. Antes de assumir o cargo no governo, Unger era “trustee” (procurador) da Brasil Telecom que estava sob o controle de Dantas.

Mangabeira foi figura fundamental nos projetos de mineração e agronegócio, centro de investimentos do Opportunity na região Amazônica, principalmente no Pará. A empresa adquiriu nos últimos três anos, 600 mil hectares de terras e cerca de meio milhão de cabeças de gado.

Sobre isso, o relatório da PF afirma: “ao que tudo indica, Mangabeira estrategicamente favorecia a política de expansão do Norte do país buscada por Dantas”. Como fonte privilegiada de “informações estratégicas” no governo federal.

A ficha de Daniel Dantas tem conspiração, infiltração policial, retaliações, pressões empresariais, espionagem, ameaças, corrupção de agentes públicos, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e fraudes fiscais. Talvez o delegado Protógenes esteja aprendendo, da pior forma possível, que o Estado burguês nunca fará justiça e punirá os grandes bandidos de colarinho branco.
Post author Asdrubal Barboza, de São Paulo (SP)
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