Polêmica: Prefeitura Erundina investiu na desorganização dos trabalhadores

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Redação

Vitor Scagliusi, ex-coordenador das comissões de garagem da CMTC

“Erundina voltou”. Com esse chamada, vários ativistas fazem campanha para a chapa Boulos-Erundina (PSOL) para fazer frente às candidaturas da direita.

No entanto, por trás da propaganda de “melhor prefeita da história” existe a história real. Prefeita de 1989 a 1992, Erundina investiu na desorganização da classe trabalhadora, atacou as greves e governou a serviço dos capitalistas.

Isso se torna transparente na gestão do transporte público na cidade. Eleita com a proposta de estatizar o transporte, ela investiu na privatização do sistema, fortalecendo a máfia do setor, com subsídios milionários, esvaziando a Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC) e atacando seu maior obstáculo: a greve dos condutores organizados em comissões de garagem.

Denominado de “municipalização”, esse projeto abriu o caminho para o fim da CMTC e a total privatização dos transportes pelo governo Maluf, em 1994.

Auto-organização dos trabalhadores em comissões de garagem

Em 1989, surgiu, dentro da CMTC e depois nas empresas privadas, um novo organismo de luta dos trabalhadores em transporte: as comissões de garagem.

Essas comissões eram eleitas em cada local de trabalho. Diferente dos sindicatos, os membros das comissões continuavam no dia a dia de suas unidades, trabalhavam normalmente, submetidos aos mesmos problemas do conjunto dos trabalhadores, e, principalmente, eram independentes do sindicato.

As comissões de garagem começaram a ter um papel predominante dentro da luta sindical e na estruturação do cotidiano dos locais de trabalho. Logo, elas ultrapassaram as funções puramente reivindicatórias e começaram a influir, sob o ponto de vista dos trabalhadores, na rotina das garagens, resolvendo desde problemas de escala e mudanças de horários até a ordem de manutenção dos ônibus. Ao ponto de que houve um momento que, sem o acordo da comissão e dos trabalhadores da unidade, as ordens da gerência simplesmente não eram cumpridas.

As comissões também começaram a cumprir o papel de denunciar a corrupção, como foi o caso do “escândalo das arruelas”, uma compra superfaturada, denunciada pelos trabalhadores, que se tornou famosa. Essa posição dos trabalhadores entrava em choque com a diretoria e gerências da empresa, cujo papel não diferia de governos anteriores.

Mudança de rumo: da estatização à “municipalização” 

Em 1991, a prefeita Erundina rasgou a promessa de estatizar o transporte e apresentou a proposta de “municipalização”, alterando a forma de remuneração das empresas privadas.

A CMTC, então, operava as linhas que as empresas privadas não queriam. Com subsídios milionários, os empresários, divididos basicamente em dois grandes grupos (Ruas e o grupo Constantino), passaram a ter interesse por todas as linhas para ampliar seus lucros.

Havia, também, a proposta de tarifa zero, que tinha grande apelo popular, a ser subsidiada com o aumento do IPTU. Mas, no geral, o projeto favorecia os interesses da máfia dos transportes, aumentava a taxa de remuneração paga pela prefeitura, com o aumento do IPTU. O projeto foi aprovado em junho de 1991, mas sem o aumento do IPTU e, portanto, sem tarifa zero.

A medida preparou o terreno para a total privatização da CMTC e colocou a máfia dos transportes na rota de subsídios milionários, que vigora até os dias de hoje. O subsídio deve atingir, neste ano de 2020, a marca de R$ 4 bilhões.

O último obstáculo

A defesa da CMTC e a estatização do transporte eram algumas das principais bandeiras das comissões de garagem. Em 1992, houve a greve do transportes, durante nove dias, a maior de São Paulo. Nos primeiros sete dias, a organização era tão grande que os piquetes eram apenas formais: os trabalhadores não iam trabalhar. As comissões se organizaram de tal forma que a adesão surpreendeu a direção da CUT e parte da direção do sindicato.

Após o julgamento da ilegalidade da greve, Erundina decidiu esmagar a greve com repressão policial e demissões por justa causa.

Erundina foi à televisão atacar a greve e iniciou a contratação de condutores e cobradores em pleno Estádio do Pacaembu. A PM e o batalhão de choque ocuparam as garagens, reprimindo violentamente os piquetes. Listas de demissões eram afixadas nas portas das garagens, o que fazia com que os trabalhadores se dirigirem ao local de trabalho e pressionassem pela volta. Mas, apesar da repressão, a greve durou mais três dias.

A greve conquistou uma vitória econômica, mas não conseguiu o principal: a garantia de emprego, para barrar uma possível venda da CMTC,  e a readmissão dos 475 demitidos.

Para os trabalhadores e sua vanguarda, uma lição foi aprendida: para gerir o capital, é sempre necessário explorar e reprimir os trabalhadores, não importa qual governo esteja de plantão.

Erundina de volta?

Ao contrário da propaganda de Boulos, Erundina foi uma gestão burguesa que não enfrentou a máfia dos transportes. Ela se aliou a ela para esmagar a greve e privatizar os transportes.

Erundina nunca fez  autocrítica alguma de sua gestão. Ao contrário, após a prefeitura, ela virou ministra do governo burguês de Itamar Franco.

Boulos afirma que vai enfrentar a máfia dos transportes, mas ao mesmo tempo não defende a estatização e promete repetir a administração Erundina, que foi desastrosa para os trabalhadores.