Um erro escandaloso. A LER-QI (Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional) divulgou um artigo “Nenhum apoio ao repressor Sérgio Cabral nem ao motim dos bombeiros”, no qual assume uma postura de neutralidade no conflito. Em um conflito dessa magnitude, perante a repressão do governo do Rio de Janeiro contra a mobilização dos bombeiros, não existe neutralidade. Isso só reforça a posição das classes dominantes e sua repressão.

Existe nesse momento um forte movimento de solidariedade e de unificação da mobilização do funcionalismo (começando com os professores) com os bombeiros. Ocorreu uma passeata no domingo passado que reuniu cerca de 50 mil pessoas, comovendo a cidade. A população começou a usar vermelho em fitas e camisas para mostrar seu apoio à luta dos bombeiros.

Todo esse apoio e a unificação das lutas desgastaram enormemente o governo Cabral e o colocaram na defensiva. Isso não é resultado somente de um processo espontâneo. É produto também de uma política das forças de esquerda que atuam entre os professores e da CSP Conlutas que rodearam de solidariedade os bombeiros e unificaram as lutas. O resultado dessa mobilização pode fortalecer o movimento de massas como um todo. Ou pode haver uma derrota, que enfraquecerá o movimento.

A LER se lança contra essa solidariedade e a unificação, dividindo as forças do movimento e fortalecendo Sérgio Cabral. Se essa seita dirigisse o movimento de massas no Rio, os bombeiros ficariam isolados, sendo presa fácil para o governo Sergio Cabral.

Um debate estratégico
O debate com a LER não se resume a conjuntura atual. Essa organização se opõe ao apoio às greves de policiais militares ou civis, assim como à dos bombeiros. A discussão com eles está presente em todos os fóruns em que a LER exista.

Segundo a LER, os bombeiros são definidos como forças auxiliares do Exército e isso por si só já define qual posição ter: “Mas a verdade é que como policiais e forças auxiliares do Exército são preparados para serem utilizados em momentos de enfrentamento social, luta de classes e crises revolucionárias.”

Em outro texto definem sua posição contra as greves de policiais como um todo. Segundo eles as greves são reacionárias porque: “Ao pedirem melhorias na situação do policial e da policia em geral, as greves e sindicatos policias desenvolvem uma política de ‘valorização’ do policial. Seu sentido geral não é o de enfraquecer o aparato repressivo, mas sim de fortalecê-lo.” (Um movimento em defesa da “segurança pública?”, site LER)

Ao contrário do que fala a LER, a greve dos bombeiros está colocando em crise a hierarquia militar no Rio de Janeiro e não só entre os bombeiros. Existem soldados do batalhão de Choque usando as fitas vermelhas de apoio aos bombeiros. Isso está ocorrendo em diversas corporações de bombeiros em todo ao país. Ao invés de fortalecer o aparato repressivo, o está colocando em crise.

Além disso, a mobilização abre espaço para a defesa de um programa contrário à estrutura militar atual, com a proposta de direito de sindicalização dos bombeiros , assim como da desmilitarização de toda a estrutura policial.

A discussão tem um conteúdo claramente estratégico. As forças armadas são o esteio do Estado burguês. Caso não se consiga a divisão das forças armadas burguesas, a revolução será derrotada. Quando o Brasil estiver vivendo uma situação revolucionária, com um grande ascenso das massas, essa questão estará colocada de forma explícita e dura.

A estratégia da III Internacional
O partido bolchevique sempre defendeu uma estratégia de luta pelo poder que incluía uma faceta militar que começava com o objetivo de dividir as forças armadas burguesas antes da insurreição. Essa tarefa preparatória é fundamental para que no momento da crise revolucionária a vitória militar seja possível.

Segundo Trotsky: “Não se pode conceber o mecanismo da Revolução de Outubro sem termos perfeitamente claro o fato de que a tarefa da insurreição de Petrogrado – tarefa mais importante e mais difícil de ser calculada antecipadamente – já se encontrava em essência resolvida antes do início da luta armada.

Isso não significa que a insurreição tenha-se demonstrado como supérflua. Do lado dos trabalhadores, encontrava-se, em verdade, a maioria esmagadora da guarnição. Uma minoria estava, porém, contra os trabalhadores, contra a revolução, contra os bolcheviques.

Essa pequena minoria era composta de elementos qualificados das Forças Armadas : oficiais, cadetes militares, militares da tropa de choque e, talvez, também cossacos. Esses elementos não podiam ser conquistados politicamente: era necessário derrotá-los. (A Arte da insurreição proletário-socialista: Revolução, insurreição, Conspiração)”

A III Internacional tinha essa política de trabalho sobre as forças armadas da burguesia como uma das condições para a admissão de um partido na internacional: “4- O dever de propagar as idéias comunistas implica a necessidade absoluta de conduzir uma propaganda e uma agitação sistemática e perseverante entre as tropas”. (Condições de admissão dos partidos na Internacional Comunista, Resoluções II Congresso da III Internacional)

Nas instruções da III existiam propostas concretas de como desenvolver esse tipo de trabalho que incluíam:

“Reivindicações a serem levadas no domínio dos direitos e condições materiais dos soldados: 1) Elevação dos soldos; 2) Melhoria da alimentação; 3)Comissoes de orçamento do pessoal; 4)Abolição das penas disciplinares…”
(O trabalho militar revolucionário sobre as forças armadas da burguesia, IOSSIF S. UNSCHLICHT).

A visão da LER é oposta à da III Iternacional, de Lenin e Trotsky. A LER não está a favor de dividir as forças armadas da burguesia. Eles acham que isso não é necessário, embora não digam qual deveria ser a estratégia. Estranha omissão: qual é a estratégia da LER?

Surgem duas hipóteses: a primeira seria a espontaneísta, que deixaria para o momento da insurreição a derrota das forças armadas da burguesia. Essa, na verdade é uma postura aventureira, condenada pelso bolcheviques e pela III Internacional. Foi assim que foram derrotadas inúmeras revoluções. A segunda seria uma postura pacifista, bem ao gosto de setores de classe média e oposta a toda estratégia revolucionária.

Pequenas manobras, equívocos estratégicos
Em alguns textos, a LER tenta escapar dessa discussão estratégica, apelando para algumas manobras.

A primeira é que, como os policiais não são trabalhadores, é errado apoiar suas greves.Evidentemente os policiais não são partes do proletariado, e trabalham em uma instituição repressora do Estado burguês, uma superestrutura a serviço da classe dominante. Entretanto, essa é só uma parte da realidade. A outra parte é que, por serem recrutados no proletariado, os policiais também vendem sua força de trabalho e sofrem com a péssima qualidade de vida como qualquer outro trabalhador, pois recebem baixos salários, pegam ônibus e metrôs lotados, moram nas periferias.

Essa contradição gera enfrentamentos dos policiais com o próprio governo em diversas ocasiões. Suas mobilizações desgastam o governo burguês e criam crises no seio do Estado, nas Forças Armadas. Quando estas mobilizações acontecem, a divisão de classes na hierarquia das polícias, entre policiais e oficias de alta patente, vem à tona.

A segunda manobra é afirmar que as polícias militares não seriam parte das forças armadas: “Tampouco são como a base do exército, já que cumprem o papel de resguardar as fronteiras nacionais – ainda mais no Brasil que mantém o serviço militar obrigatório -, e que em situações revolucionárias com a classe operária em armas, se dividem e um setor aponta os fuzis contra a burguesia.( “A posição escandalosa do PSTU em defesa da polícia”, site da LER)”

Ou seja, segundo a LER as polícias militares não têm uma composição social como a base do exército, e por isso não seria correto apoiar suas greves nem buscar dividi-los. Em relação ao exército, basta esperar uma situação revolucionária, que automaticamente o dividiria.

Aqui se confirma a postura espontaneísta na estratégia em relação às forças armadas, severamente condenada pela III. A LER aqui defende não se fazer um trabalho prévio de divisão das forças armadas, deixando para a própria revolução a tarefa de dividi-la.

O outro equívoco completo é atribuir às polícias militares uma composição social diferente das Forças Armadas. A LER esboça uma avaliação de que se pode dividir o Exército porque inclui soldados não profissionais, pelo serviço militar obrigatório. Isso é um erro grave. Existem dois tipos de forças armadas profissionais. Um tipo inclui tropas altamente remuneradas e privilegiadas, que formam exércitos praticamente impossíveis de dividir. A Guarda Nacional de Somoza era um exemplo disso assim como a Brigada Khamis, dirigida pelo filho de Khadafi. Outro tipo, completamente diferente, é o das forças armadas de salários baixos oriundos da classe trabalhadora, que podem ser divididas pela luta de classes.

As PMs no Brasil têm em seu efetivo por volta de 400 mil soldados, bem maior que os 288 mil das Forças Armadas. Imaginar a revolução brasileira sem uma crise e divisão também nas polícias é iludir-se.

Além disso, seus soldados têm a mesma origem social das bases do exército, oriundos da classe trabalhadora, recebem salários baixos e são usados cotidianamente na repressão ao movimento de massas. Claramente as polícias militares são partes deste outro tipo, que podem se dividir, e se dividem. Não é por acaso que ocorrem greves de policiais.

Essa distinção entre os tipos de forças armadas se esboçou também no Rio, com o BOPE (cujos soldados ganham salários bem maiores) se encarregando da repressão aos bombeiros, o que nem o Batalhão de Choque da PM conseguiu fazer.

Mas, na verdade, essa é apenas mais uma manobra da LER para evitar discutir com clareza sua estratégia. Tanto é assim que em relação aos bombeiros do Rio, o argumento é completamente diferente. Não é que eles não são partes das Forças Armadas. É exatamente o oposto: como são partes das forças armadas, não merecem apoio em suas lutas.

Não existe nenhuma seriedade nem coerência nas posições da LER. Só uma idéia permanece de pé: não é correto tentar dividir as forças militares da burguesia antes da revolução. Basta esperar a insurreição que tudo sairá bem.

Felizmente as forças da LER são muito pequenas. Mas dá para ver como seria desastroso para o movimento se essa corrente ganhasse peso. Não só porque governos ultra-reacionários como o de Sérgio Cabral agradeceriam. Pior que isso, a burguesia poderia ficar tranqüila, porque o futuro de possível uma revolução já estaria traçado, acumulando mais uma derrota para o proletariado.

Uma seita com uma metodologia stalinista
Essa não é uma posição incomum nessa organização. A LER é uma pequena seita. Essa definição não implica em nenhum preconceito contra grupos pequenos da esquerda. A polêmica não é ser grande ou pequeno, mas ser ou não uma seita. A legitimidade de uma organização se dá por seu programa e política, não por seu tamanho. Quando falamos de uma seita, queremos dizer uma organização sectária, distante do movimento de massas e com métodos parasitários em relação às correntes revolucionárias.

Os inimigos principais da LER nunca são o imperialismo, a burguesia, o governo, a burocracia sindical da CUT. São sempre as correntes mais a esquerda do movimento, muitas vezes utilizando a metodologia stalinista das calúnias.

O artigo que estamos debatendo, por exemplo, está repleto de calúnias. Em uma delas, afirma sobre a CSP Conlutas: “Uma central sindical que se diz combativa e classista que se “comove” e mobiliza em defesa das forças policiais não tem tido a mesma atitude para defender os terceirizados, os precarizados, os pobres e os homossexuais que são agredidos e assassinados.”

Os ativistas honestos do Brasil, tenham ou não acordo conosco sabem que isso é uma mentira completa. Mas, essa calúnia é utilizada amplamente fora do país, onde os ativistas não podem saber do que se passa no Brasil. É assim que agem todos os caluniadores, esse é o método stalinista. A verdade não importa, vale tudo para tentar agredir um adversário.

Muitas vezes, a LER tem posições ultraesquerdistas, exigindo greves quando não existem condições para tanto. Mas nem sempre é assim. Por vezes tem posições claramente oportunistas, como foi sua posição contrária a fundação da Conlutas, em defesa da CUT “para não dividir os sindicatos”. Nesse artigo sobre a luta dos bombeiros, mais uma vez a LER assumiu uma posição de direita, mesmo com uma retórica de esquerda. Trata-se de um erro escandaloso.

(Artigo modificado às 14:58)