Faixa da Comissão Pró-homossexuais no ABC. Foto James Green
PSTU-SP

No dia 28 de junho fazem 50 anos da Revolta de Stonewall, movimento muito importante para a luta das LGBTs ao redor do mundo! Ao longo desse mês, o PSTU vai publicar diversos artigos relacionados à luta das LGBTs trabalhadoras no Brasil e no mundo. Venha com a gente descobrir essa história de resistência e venha lutar com a gente!

A., Gabi Vas, M. e Vitor Jambo

Hoje, a Parada do Orgulho LGBT de São Paulo é referência no mundo inteiro da visibilidade LGBT, principalmente pela quantidade de pessoas que a ela comparecem – tendo até contado com celebridades internacionais – e pela quantidade de dinheiro que é movimentado por sua causa. O que era, anos atrás, um dia de luta virou uma espécie de festa e comemoração. Para este ano, a direção da parada escolheu o tema “50 anos de Stonewall”, que deveria tratar justamente do resgate do caráter classista e de luta da parada, mas divulga em conjunto um texto que explica por que o tema foi escolhido, deixando de fora parte da herança histórica do movimento LGBT e suas lições. A Parada LGBT como é hoje, sua relação com o governo e com as empresas privadas, bem como seu caráter somente de festa, fazem perder um pouco o cunho e a história de lutas das LGBTs trabalhadoras no Brasil e no mundo.

A verdadeira história do movimento LGBT
A direção da parada defende que a história do movimento LGBT se inicia na década de 60, apagando a história anterior. O que insistem em esquecer é que, pouco mais de 50 anos antes da rebelião de Stonewall, a classe trabalhadora tinha assumido o controle da economia russa, após revolução de outubro, e trouxe avanços sem precedentes na libertação das mulheres e LGBTs. A Rússia, que atualmente ganha destaque pela perseguição e criminalização das LGBTs, se tornava o primeiro país do mundo a descriminalizar a homossexualidade. A antiga União Soviética foi o primeiro estado industrializado a reconhecer o casamento homossexual; a URSS, ao lado da República de Weimar (onde o médico Magnus Hirschfeld defendia os direitos dos LGBTs), brevemente liderou o mundo em cirurgia corretiva de gênero, e médicos especialistas soviéticos, trabalhando junto com pessoas transgênero, começaram a explorar a ideia de que o gênero não seria um simples binário homem-mulher, mas, em vez disso, um espectro.

Somente com a consolidação de Stalin no poder no final da década de 1920, e a consequente burocratização do estado operário soviético, começa a haver um recuo nos direitos, um avanço do conservadorismo e a perseguição das LGBTs. Nesse período, a União Soviética e a classe trabalhadora começam a ter todas as suas conquistas e avanços minados pelo stalinismo, incluindo as LGBTs.

Somos SÓ LGBTs?
Cinco décadas depois, nos EUA, coração do capitalismo, as LGBTs eram perseguidas e criminalizadas. Poucos eram os lugares que recebiam as LGBTs pobres, que ainda suportavam frequentes batidas policiais. Um deles era o bar Stonewall Inn. Mas na madrugada do dia 28 de junho de 1969, mais de 200 resistiram à revista policial. A revolta se ampliou e se espalhou pela região: LGBTs pobres e marginalizados se uniam e resistiram com toda força contra a violência homofóbica do estado americano. Um ano depois, a organização de LGBTs impulsionada a partir da Revolta fez a primeira parada nos EUA, que contou com mais de 10 mil pessoas.

Stonewall é mais uma demonstração de que a luta LGBT é parte inseparável da luta da classe trabalhadora.

Existe hoje uma ideologia de que nossos inimigos, ou seja, aqueles que se utilizam de nosso sofrimento para lucrar, se resumem à homofobia e/ou ao conservadorismo. Mas isso não dá nome à classe que usa a LGBTfobia a seu favor: a burguesia. A burguesia se utiliza da opressão às LGBTs para lucrar mais, deixando-nos com os piores postos de trabalho e reduzindo a média salarial dos trabalhadores. Ela também utiliza a opressão para dividir nossa classe, fazendo a gente concorrer com outros trabalhadores, e para dividir nossas lutas, espalhando o ódio entre os trabalhadores. Por isso não existe, nem nunca existirá, um capitalismo em que não exista opressão. A ideologia de que o inimigo é somente o conservadorismo e a homofobia, e não o governo e a burguesia é usada no movimento de negros, mulheres, LGBTs e na política em geral como meio de levar a revolta dos trabalhadores e dos oprimidos para uma via que não mude as coisas para nós de fato, como a via eleitoral ou o empoderamento individual.

Nossa luta, portanto, é das LGBTs trabalhadoras, unidas com o resto da classe por direitos LGBTs e rumo à uma sociedade socialista, que rompa com o capitalismo através de uma revolução que tire a burguesia do poder.

Qual a nossa história no Brasil?
O movimento LGBT no Brasil começa a tomar corpo com a criação do Grupo Somos – Grupo de Afirmação Homossexual, em 1978. Entre os anos 60 e fim dos 70 há um grande atraso que se dá principalmente pela ditadura e pela cultura machista e homofóbica. O SOMOS era formado por operários, artistas, estudantes e intelectuais da época e buscava trazer diálogo e visibilidade LGBT na cidade de São Paulo.

Desde o início do grupo, havia duas posturas divergentes. Uma enfatizava a necessidade de diferenciar a luta homossexual da luta da classe trabalhadora. A outra correspondia àqueles gays e lésbicas que aspiravam unificar as lutas particulares dentro da luta maior, contra o capitalismo.

Um dos temas que mais acendeu a polêmica foi a proposta de participação nos atos do 1º de Maio, apoiando a greve metalúrgica do ABC (SP). Sem o apoio de todo o grupo, aqueles que queriam unificar as lutas decidiram participar do protesto com cartazes que diziam “Comissão de homossexuais pró 1º de Maio” e, ao entrar no estádio de São Bernardo do Campo, foram aplaudidos pelos grevistas.

Essa é outra parte da história que a direção da parada não conta. O movimento LGBT no Brasil não ficou “morno” até os anos 90. É com muito orgulho que dizemos que participamos do Grupo Somos, em que militantes da antiga Convergência Socialista batalharam por formar um movimento LGBT com a consciência de que, além de LGBTs, somos trabalhadores, participando ativamente da luta contra a ditadura civil-militar.

História das mulheres lésbicas: uma história de resistência
No Brasil, as mulheres lésbicas também foram protagonistas da luta pela visibilidade e contra a repressão policial. Na década de 80, elas sofreram repressão no Ferro’s Bar, em São Paulo, por venderem seu jornal “Chanacomchana”. A luta explodiu, fazendo com que o bar fosse ocupado por diversos ativistas e que as mulheres obtivessem uma vitória, voltando a vender o jornal no local. É por isso que dia 19 de agosto é o dia do orgulho lésbico.

O que realmente aconteceu depois da primeira Parada?
A primeira parada no Brasil aconteceu em São Paulo e reuniu cerca de 2 mil pessoas em torno da luta pelos direitos LGBTs e contra a violência LGBTfóbica. Era um ato político das LGBTs inspirado na Parada do Orgulho iniciada nos EUA um ano após a Revolta de Stonewall.

Mas, nos anos 90, o movimento LGBT como um todo, diferente do que a direção da parada diz, sofre uma grande pressão pela cooptação: governos, prefeituras empresas públicas e privadas, passam a patrocinar e até mesmo organizar marchas e paradas com finalidade publicitária e de turismo, transformando os atos em verdadeiros carnavais fora de época.

Por isso, a ONG que é a direção da Parada vende o evento até hoje por “lotes”: propagandas, trios elétricos, tudo o que puder ser comercializado. Há um caráter político na direção da parada, como por exemplo a ideologia do empoderamento individual, para dar a ilusão de que um cargo mais alto acabará com a opressão e exploração que sofremos, ou de que o dinheiro compraria algo do tipo. Essa ideologia procura dividir os trabalhadores e retirar o caráter da luta de classes que o movimento apoiou durante muitos anos, e ainda abre brechas para a venda de produtos “a favor da causa” pelas grandes empresas, criando o chamado “Pink Money”: a burguesia tenta se apropriar do movimento LGBT. É necessária uma volta às origens de Stonewall e da Comissão de Homossexuais Pró-1º de Maio, exigindo que a direção da parada, em conjunto com a prefeitura e com as empresas, pare de se utilizar da parada para lucrar. Devemos fazer com que a Parada do Orgulho LGBT seja um dia de luta das LGBTs trabalhadoras contra sua opressão e exploração!