É muito comum ouvir, quando se fala da necessidade de uma revolução no Brasil, a objeção de que “isso nunca vai ocorrer aqui, porque o povo brasileiro é manso demais”. Variam os adjetivos, mas a culpa sempre é atribuída ao povo brasileiro.

Isso é uma ideologia, uma falsa idéia, muito comum em épocas como as atuais, em que não existem ainda grandes mobilizações. Este tipo de avaliação, por exemplo, era muito comum na Argentina, pouco antes da insurreição de 2001, que derrubou o governo De La Rua. Mesmo no Brasil, durante as grandes greves da década de 80 ou nas mobilizações do “Fora Collor”, o povo não se julgava “manso demais”.

Na verdade, o problema é outro. Evidentemente, hoje não existe uma situação revolucionária no país, pelo nível de mobilização e organização dos trabalhadores.

Mas, isso pode ocorrer em alguns anos, como já está ocorrendo em outros países latino-americanos. E aí vamos ver o verdadeiro problema: as direções do movimento de massas (dos partidos e dos sindicatos), que estão do lado da burguesia. Quando se instalar no país uma grande crise, que possa escapar ao controle da burguesia, esses dirigentes vão tentar evitar que as mobilizações saiam do controle e apontem para uma revolução.

O verdadeiro problema é a direção
Basta ver os exemplos recentes dos países da América Latina, para comprovar como isso de dá. No Equador, em 2000, uma insurreição ocupou o Congresso, o palácio do presidente, a Corte Suprema. A mobilização foi tão forte que rachou as Forças Armadas (com um setor do Exército passando para o lado da revolta) e chegou a tomar o poder por oito horas. A direção da insurreição, no entanto, entregou de volta o poder ao Chefe da Suprema Corte e aos comandantes das Forças Armadas e a luta acabou derrotada.

Na Bolívia, por duas vezes em pouco mais de um ano, os trabalhadores da cidade e do campo protagonizaram insurreições que derrubaram os governos de turno. Em ambas as ocasiões, era possível que o movimento avançasse para uma revolução socialista. Mas não foi assim. Na primeira, as direções do movimento de massas entregaram o governo para o vice-presidente. Agora, neste ano, uma nova insurreição derrubou esse vice-presidente, mas as direções se encarregaram, ao invés de avançar para uma revolução, de chamar novas eleições, que não vão resolver nada.

Sim, uma revolução socialista no Brasil não só é necessária, como possível. Para chegarmos até lá, será preciso avançar muito na mobilização, e na organização dos trabalhadores e da juventude. E será necessário construir uma nova direção, revolucionária, para o movimento de massas, uma alternativa ao PT e à CUT.

Para fazer uma revolução,é preciso um partido revolucionário

Uma parte dos ativistas, por rejeitar o PT ou o PCdoB, assume a defesa da “independência”, ou ainda uma simpatia difusa pelo anarquismo. É muito progressivo que esses setores rompam com esses partidos reformistas por tudo aquilo que fizeram. Mas, inconscientemente, tanto o “independentismo” como o anarquismo terminam por reforçar de novo o PT, assim como os partidos burgueses.
A rejeição ao regime, às eleições e aos partidos eleitorais não pode se confundir com a rejeição a todos os partidos. Achar que “todos os partidos são iguais” é um erro tão grande como achar que “todas homens ou mulheres são iguais” depois de uma desilusão amorosa.

Existem várias diferenças fundamentais entre os partidos, mas uma em particular merece atenção: nem todos os partidos têm como objetivo fundamental ganhar votos. Nem todos os partidos são essencialmente eleitorais.

Partido é só para ganhar votos?
A burguesia, para manter sua dominação, coloca na cabeça dos trabalhadores e da juventude uma série de mentiras, de ideologias. Muitas são bem conhecidas como “só quem não trabalha duro não melhora de vida”. Outra define que as únicas formas de lutas são as eleitorais (e para isso existem os partidos) e as sindicais (para as quais existem os sindicatos).

Por essa ideologia, amplamente disseminada, os partidos só servem para as eleições, o que não é verdade. Existem lutas políticas todos os dias, contra o poder da burguesia, contra o governo e o regime democrático burguês. Isso se manifesta, por exemplo, nas mobilizações concretas por salários, emprego, terra, etc. Nelas, os trabalhadores entram em choque com as instituições do Estado e do regime, como o governo, a Justiça, os partidos, a polícia. Isso significa que toda luta sindical também tem um conteúdo político e a ação da vanguarda (o que inclui os ativistas independentes, os partidos políticos, as direções dos sindicatos, etc) é parte importante dessa luta política.

Essa luta política existe, quer se queira ou não. Hoje, por exemplo, tanto o PT como o PCdoB buscam conter as greves e, no caso de que elas saiam, evitar que se enfrentem com o governo Lula, que eles apóiam. Os partidos burgueses são contra todas as lutas que se enfrentem com a burguesia. O PSTU, ao contrário, apóia todas as mobilizações, e luta diretamente contra o governo e o regime.

Os independentes, queiram ou não, terão de optar de qual lado dessa luta política estarão. Não basta negar a luta política, inevitavelmente terão de participar dela, de um lado ou de outro.

Partido e luta pelo poder
A luta política aponta para uma determinada estratégia. Pode-se até mesmo fazer uma luta local e ganhar, embora seja cada vez mais difícil. Mas, fazer uma revolução é impossível sem uma organização revolucionária. Nunca existiu na história a vitória de uma revolução que não tivesse à sua frente uma organização revolucionária. A defesa da “independência”, serve involuntariamente para o reforço da ideologia dominante da burguesia. O movimento de massas, sem organização, se torna presa fácil da burguesia, sempre muito organizada para defender seus interesses.

Existem muitos pontos de contato entre anarquistas, ativistas de ONGs e independentistas ao redor das teses do professor John Holloway, que se consideram anticapitalistas, mas não defendem o socialismo. Defendem que é possível “mudar o mundo sem tomar o poder”. Afirmam que a luta contra o capitalismo não pode ter nenhum fim, nenhuma estratégia a alcançar e que a ação é tudo.

Como deixam de lado a luta pelo poder, os ativistas que seguem essa ideologia se engajam em uma série de iniciativas de ONGs e na organização de pequenas empresas, cooperativas, que nunca poderão modificar o controle da economia pelas grandes empresas. Com isso, se desvia a vanguarda da luta pelo poder político, a única forma de mudar realmente o mundo.

Para evitar a burocratização, que já ocorreu com o stalinismo (ou com a corrupção do PT), a receita então é não tomar o poder. Ou seja, deixemos tudo como está. Da mesma forma, se poderia argumentar que como a burocracia sindical traiu uma greve, nunca mais devemos fazer nenhuma greve. Com essa lógica, pode-se justificar a impotência, o abandono da luta pelo poder e da necessidade de construção de um partido revolucionário.

O PSTU tem uma estratégia revolucionária, que é muito mais ampla que as lutas sindicais imediatas (embora tenha seu centro nas lutas diretas dos trabalhadores e da juventude) e não tem nada a ver com as eleições (embora participe delas, não tendo aí seu eixo). Por isso, não nos enquadramos nas limitações da ideologia burguesa de que partido é para buscar votos. Lutamos no passado contra a burocratização do stalinismo, assim como contra a adaptação do PT ao Estado burguês. Por isso achamos que é possível e necessário construir um partido com a estratégia de fazer uma revolução socialista e um novo tipo de Estado no país e no mundo.

O reformismo do PSOL

Em meio a uma das maiores crises institucionais da história do país, a direção do PSOL defende uma saída “por dentro” do regime democrático, com a antecipações das eleições. Caso fosse aplicada a proposta do PSOL, a oposição burguesa ou mesmo o PT ganhariam essas eleições antecipadas, e um “novo” governo, agora legitimado pelo voto, manteria a mesma política econômica e a mesma corrupção.

Isso se dá porque o PSOL é um partido reformista eleitoral. Não é por acaso que o PSOL já nasceu ao redor da estratégia da candidatura de Heloísa Helena para as eleições de 2006. Não é por acaso que não existe nenhuma menção no programa do PSOL sobre a necessidade da revolução socialista.

Esse projeto reformista eleitoral é uma repetição do PT, antes de chegar ao governo federal. Não do PT da época de sua fundação, mas sim desse partido já nos anos 90, completamente adaptado à democracia dos ricos. Por isso, o PSOL é dirigido por parlamentares.

O que fazer pela revolução?

Um dos ataques mais freqüentes dos reformistas a nós, revolucionários, é dizer que estamos vendo uma revolução “amanhã”. Evidentemente não achamos isso.

Não é fácil fazer uma revolução, porque a burguesia tem a seu favor os maiores partidos, o Congresso, a Justiça, a grande imprensa, as universidades. Todos empenhados em mostrar como a única solução para o mundo é o capitalismo e o resto é utopia; que o socialismo é igual ao stalinismo e morreu junto com as ditaduras burocráticas do leste. As direções majoritárias do movimento de massas (PT e PCdoB) dizem as mesmas coisas. Além disso, caso seja necessário, sempre existe a alternativa das forças armadas para defender o capital.

Não vivemos ainda um momento de grandes lutas revolucionárias dos trabalhadores, os reformistas ainda têm apoio no movimento de massas e vamos ter eleições no ano que vem. Apesar do desgaste da democracia dos ricos, é provável que a burguesia, mais uma vez canalize a crise através das eleições. É necessário um longo percurso para fazer avançar o nível de mobilização, consciência e organização dos trabalhadores para que cheguemos a uma revolução no país.

Mobilização, consciência e organização
Mas a discussão não pára aí. A revolução não virá amanhã, mas é necessário começar a prepará-la hoje, ou ela nunca virá. Pode ser que se abra uma situação revolucionária no Brasil daqui a alguns anos, como ocorreu na Bolívia, Equador e Argentina. Quando vier uma situação assim, mesmo com grandes lutas, se não existirem direções revolucionárias com peso nas massas, não haverá revolução.

Então, para que algum dia possamos ter uma revolução no país, é necessário fazer avançar o nível de mobilização, consciência e organização dos trabalhadores.

O nível de mobilização pode progredir se os ativistas e os partidos revolucionários estiverem dedicados centralmente à ação direta e não às eleições. Apoiando e buscando a unificação das lutas dos trabalhadores da cidade e do campo, assim como da juventude.

O nível de consciência pode avançar na medida em que os trabalhadores forem tirando conclusões políticas de suas próprias experiências concretas. Isso significa que os ativistas e os partidos revolucionários devem intervir na disputa com os partidos reformistas e burgueses sobre os acontecimentos da luta de classes, para que os trabalhadores rompam com a burguesia, seu governo, seu regime, com os partidos burgueses e reformistas. Por exemplo, agora, enquanto o PT e a oposição burguesa costuram um acordão para sair da crise política, o PSTU defende o “Fora Todos”, para que os trabalhadores rompam com os dois blocos (o governista e a oposição burguesa) e com o regime.

Construir alternativa
O nível de organização pode também avançar, caso consigamos construir uma alternativa dos trabalhadores perante a falência da CUT, da UNE e do PT. No caso da CUT e da UNE, tivemos uma grande vitória com a consolidação da Conlutas e da Conlute, que realizaram as marchas do dia 16 de junho do ano passado e 17 de agosto deste ano, em Brasília. Agora, temos uma grande tarefa, a preparação do congresso da Conlutas em abril de 2006.

Em relação à construção de uma alternativa ao PT, existe uma grande disputa, com duas alternativas. Uma delas é o PSOL, que quer reeditar um partido reformista eleitoral, como o PT de antes da posse no governo federal. A outra é o PSTU, um partido revolucionário, estruturado nos principais setores do movimento de massas e impulsionador da Conlutas.

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