A repressão à juventude negra em Salvador aumenta a cada dia. Essa parcela da população é a mais vitimada por chacinas e execuções sumárias promovidas pela força policial. Ser jovem, negro e da periferia, em Salvador, é veredicto para ser assassinado.

Segundo dados do Programa das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), entre 1979 e 2003, mais de 550 mil pessoas morreram no Brasil vítimas de disparos de algum tipo de arma de fogo. Das 550 mil mortes, 205.722, ou seja, 44,1%, foram de jovens na faixa de 15 a 24 anos. Essas vítimas são, na grande maioria, do sexo masculino, negros e pobres.

Esses dados mostram ainda que entre os jovens negros de 12 a 17 anos, morrem 14 por dia. Entre 1993 e 2002, o número de homicídios de jovens de 15 a 24 anos aumentou em 88%. Só em 2003, mais de 16 mil brasileiros nessa faixa etária foram assassinados. Além disso, a taxa de homicídios de afrodescendentes é 14% maior do que a média de brancos da mesma idade, e a arma de fogo já constitui a principal causa de morte entre os jovens.

Em Salvador, as causas de homicídios também são ascendentes. Entre 1998 e 2004, foram assassinadas 6.308 pessoas. Dessas, 5.852 eram negras ou não-brancas. Em 2007, de acordo com o Centro de Documentação e Estatística Policial (Cedep), publicados no jornal A Tarde, foram registrados 1.337 assassinatos: 370 a mais do que em 2006 (967 mortes).

Só no início desse ano, a Central de Telecomunicações das Polícias Militar e Civil (Centel) registrou, entre os dias 5 e 6 de janeiro, 12 assassinatos; 11 foram por arma de fogo na Região Metropolitana de Salvador. Todas as vítimas eram homens, com idade entre 18 e 29 anos.

Polícia mata, governo consente
Grande parte dos assassinatos está ligada à ação de grupos de extermínio chefiados por militares. Muitas das mortes praticadas por policiais em serviço não são registradas como homicídio. Ao contrário, são registradas como resistência seguida de morte. Esse procedimento é utilizado para acobertar casos de execução sumária. Quando esses policiais se encontram fora de serviço, formam “grupos de extermínio” ou “esquadrões da morte”, engrossando os casos de execução.

O governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), mostrou o seu total descaso em relação aos assassinatos dos jovens em Salvador. Declarou à imprensa, logo após a virada do ano, que para atenuar o problema vai investir na área de segurança pública com a contratação de 3.200 mil policiais militares, construção de presídios e locação de dez delegacias.

Contudo, Wagner esqueceu de informar que boa parte dos casos de homicídios por arma de fogo é de responsabilidade do aparato policial. Essa ação é respaldada por uma política persistente do Estado brasileiro de eliminação física dos trabalhadores e trabalhadoras negros e da juventude que compõe a grande massa de desempregados.

É notável, também, o grande descaso da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e das Mulheres do Estado da Bahia (Sepromi), cujo secretário é o deputado federal Luiz Alberto (PT-BA), e da Secretaria Municipal de Reparação (Semur). Elas não se pronunciaram frente aos assassinatos cometidos por policiais em Salvador e nem a respeito das declarações do governador Jaques Wagner que persiste em sustentar a mesma força policial da época do Carlismo, chefiada pelo secretário de Segurança Pública do Estado, Paulo Bezerra.

A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Sepir) também não se posicionou. Essa secretaria que tem status de ministério e que acaba de perder a sua ministra (Matilde Ribeiro) se cala a todos os assassinatos promovidos por policiais em todo o país a mando dos governos federal e estadual.

Um verdadeiro genocídio
As mortes dos jovens Djair Santana de Jesus, 16 anos, e Ricardo Matos dos Santos, 21, evidenciam o duro retrato da impunidade nas comunidades pobres de Salvador. Eles foram brutalmente assassinados por policiais que estavam em serviço. Djair foi assassinado por cinco policiais no Alto da Esperança (antiga invasão do Péla Porco). Já Ricardo, acrobata do Circo Picolino, foi executado com oito tiros quando jogava bola com os amigos na comunidade do Bate Facho. Nenhum dos jovens possuía antecedentes criminais.

O método mais utilizado pelas forças militares ao invadirem as favelas, os bairros periféricos e os “guetos”, sob o argumento de acabar com a criminalidade e a violência, é atirar primeiro para depois perguntar. Eles sentenciam os supostos “criminosos” com a morte. As ações da polícia com a invasão nas favelas do Complexo do Alemão (RJ), que matou 50 pessoas e deixou mais de 70 feridos em 2007, com a chacina ocorrida no Parque Bristol, Zona Sul de São Paulo, ou com a chacina no bairro do Calabetão, em Salvador, são também exemplos da repressão policial.

Devido aos muitos assassinatos cometidos por policiais na Bahia, entidades de defesa dos Direitos Humanos se uniram e prometem processar o Estado. Exigiram também do governador Jaques Wagner e do prefeito João Henrique (ex-PDT e agora PMDB) “uma intervenção frente às ações violentas da polícia e resposta às mortes dos últimos dez anos” (Fala Bahia).

Entretanto, uma grande parte do movimento negro ainda tem ilusões no governo Wagner, que é o atual responsável pelo massacre da juventude negra em Salvador. O enfrentamento com o aparato policial-estatal nos ensina que temos de apostar todas as nossas fichas na mobilização e independência do movimento negro contra todos os ataques racistas que sofremos.

O modelo de “combate” à violência através de medidas de repressão à população faz parte da política de higienização nas grandes capitais, respaldadas e apoiadas pelo governo Lula. Esse mesmo governo anunciou que essas medidas fazem parte de um pacote nacional de ações do PAC da Segurança que prevê a ocupação de comunidades pela Força Nacional. Algo parecido com que já é implementado no Haiti pelas tropas brasileiras.

Por um novo movimento negro
Frente a tudo isso, não podemos nos calar. É necessário que o governo Wagner apure, com acompanhamento do movimento negro, os casos de assassinatos cometidos pelos policiais em Salvador. Exigimos a demissão imediata do secretário de Segurança Pública e dos altos comandos da PM baiana.

Somos contra toda criminalização à população negra e dizemos não ao PAC da Segurança. É fundamental a mobilização permanente dos negros e negras que são explorados e oprimidos dentro da sociedade capitalista.

O movimento negro precisa manter a sua independência frente aos governos para construir uma verdadeira alternativa de mobilização que de fato possa travar uma luta conseqüente por suas bandeiras históricas e contra aos duros ataques que a população negra tem sofrido. Hoje, o Grupo de Trabalho de Negros e Negras da Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas) é vanguarda nesse processo, pois teve, felizmente, a ousadia de fazer um grande chamado à construção de uma alternativa de direção, classista e socialista, para o movimento negro no primeiro Encontro de Negros e Negras da Conlutas.