LUIZA DAMÉ
Brasília

Quase 100% das 10,1 milhões de pessoas que votaram no plebiscito nacional da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) condenaram a participação do Brasil no bloco econômico liderado pelos EUA. A grande maioria quer que o governo, inclusive, abandone as negociações da Alca.

O resultado foi divulgado ontem pelos organizadores do plebiscito – CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), sindicatos de trabalhadores, entidades do movimento social e de estudantes, MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) e partidos políticos. Eles querem convencer o Congresso a aprovar a realização de consulta popular ou oficializar o plebiscito.

Num ato de cerca de 400 manifestantes, os organizadores usaram as palavras “neocolonialismo“, “recolonização“ e “imperialismo“ para condenar a adesão.

O plebiscito foi realizado entre os dias 1º e 7 deste mês em 3.894 municípios. Participaram da votação 10.149.542 pessoas -o equivalente a 8,8% do eleitorado brasileiro e a 5,9% da população.

“O importante é que milhares de brasileiros tomaram conhecimento da Alca, que as elites tentavam esconder“, disse o líder dos sem-terra João Pedro Stedile, da organização do plebiscito.

Desse total, segundo os organizadores, 98,33% disseram que o governo não deve assinar o acordo da Alca e 95,94%, que o país não deve mais nem participar das negociações do bloco econômico. Os votantes também se manifestaram contra o acordo dos governos de Brasil e EUA que permite o uso da Base de Alcântara (MA) por militares norte-americanos. 98,59% são contra o acordo.

Embora ainda faltem ser apuradas algumas urnas, o resultado foi entregue ao primeiro-secretário da Câmara, Severino Cavalcanti (PPB-PE). “Estou solidário com o movimento“, disse o deputado.

Protocolo
Uma cópia do resultado e do manifesto -que prega a soberania nacional- foi protocolada no Senado, porque o presidente da Casa, senador Ramez Tebet (PMDB-MS), não recebeu os organizadores do plebiscito.

À tarde, estiveram no Planalto, mas o encontro que teriam com o ministro Euclides Scalco (Secretaria Geral) foi cancelado. O presidenciável José Maria de Almeida (PSTU) disse que o Fernando Henrique Cardoso desrespeita as entidades que representam o povo. “Esta é uma comissão representando 10 milhões de pessoas. Se fosse um funcionário do FMI de quinto escalão estariam aqui o presidente e todo seu staff.“

O subsecretário-geral José Reinaldo pediu desculpas. A assessoria de imprensa da Presidência não se manifestou sobre o caso.

Comando minimiza ausência do PT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A organização do plebiscito da Alca minimizou ontem a ausência do PT no comando da consulta popular. Falando pelos organizadores do plebiscito, na entrevista para divulgar os resultados, em Brasília, o líder dos sem-terra João Pedro Stedile afirmou que militantes petistas e de outros partidos de oposição ajudaram na campanha, independentemente de decisões da cúpula.
“Eu sou filiado ao PT em Cachoeirinha [região metropolitana de Porto Alegre]. Os partidos nos ajudaram na base, houve integração das militâncias.“ Dos partidos de oposição, somente o PCO e o PSTU apoiaram formalmente o plebiscito, inclusive com propaganda no horário eleitoral.
Para Stedile, a “grande imprensa“ deu destaque à decisão do PT, que se afastou do comando do plebiscito em junho, quando foi decidido que seria incluída a pergunta sobre a Base de Alcântara.
Único presidenciável presente à divulgação do resultado, José Maria Almeida (PSTU) criticou a decisão petista: “Lamento a atitude titubeante da direção do PT em relação a qualquer coisa que se confronte com o império“.
Embora o PT não apóie o plebiscito, o deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (SP) foi à divulgação do resultado, criticou a decisão do partido e a ausência de congressistas. Somente Greenhalgh e Agnelo Queiroz (PC do B-DF), que chegou no final, foram ao ato.
“Considero um erro [o PT não participar]. Erro também é, de 513 deputados, só estarem dois aqui.“

Folha de São Paulo – 18/09/2002