Redação

Rodrigo Barrenechea, do PSTU Santa Maria – RS

O cenário
O rock, no fim dos anos 1960, mostrava sinais tanto de esgotamento quanto de renovação. Ritmo surgido na década anterior principalmente de elementos da música negra, mas com pitadas do folk e da country music americana, isso nos Estados Unidos, teve repercussão mundial com a entrada das bandas inglesas em cena, especialmente Os Beatles e o Rolling Stones. Além das influências musicais, há um elemento técnico que deve ser considerado: a presença marcante, nas composições e arranjos, da guitarra elétrica, instrumento surgido ainda nos anos 1930, a partir do uso de captadores magnéticos e de um corpo de madeira maciço, invenção do músico Les Paul. Fabricantes como a indústria de instrumentos musicais Rickenbacker, o luthier Leo Fender e os sucessores de Orville Gibson, que continuaram a dirigir a empresa que leva seu nome, aperfeiçoaram o instrumento, assim como criaram seu acompanhamento necessário, o amplificador; o mais conhecido deles, entre muitos, criação da inglesa Marshall.

Mas voltando ao que ocorria no rock nesses anos 1960, podemos dizer que há um corte fundamental entre a primeira e a segunda metade da década. A guerra do Vietnã, os movimentos pelos direitos civis e os protestos de 1968, de alguma forma, mataram tanto o rock da primeira metade, mais lúdico – o iê-iê-iê, basicamente feito para dançar – quanto a vertente hippie, que propunha um mundo de paz e amor, num sonho pacifista e transformador. A entrada da juventude mais pobre nos protesto que sacudiram o mundo em 68 transformou o sonho de comunidades e economia solidária (sim, ela surgiu nessa época!) e tirou a razão de ser da estética de bandas como Jefferson Airplane, Grateful Dead e de artistas como Jimi Hendrix e Janis Joplin – neste aspecto, a morte de ambos em 1970 tem um caráter acentuadamente simbólico.

Assim, o que acaba ocorrendo, nesse momento de transição, é o retorno às raízes do rock, a música negra, em especial o soul e o blues. Hendrix e Janis são exemplares nesse aspecto: ao mesmo tempo em que bebem da fonte de grandes músicos do blues e do soul, como Albert King, Big Mama Thorton, Aretha Franklin e Bessie Smith, dão uma nova roupagem, ao inserir novos elementos estilísticos nas composições. Janis era uma mestre nas improvisações vocais. Já Hendrix, apesar de não ser o pioneiro em muitas inovações que o rock apresentou nessa época, é considerado, e com justiça, um inventor genial, não apenas em aspectos técnicos mas na execução da guitarra, o que lhe vale o posto de maior guitarrista de todos os tempos. Podemos dizer, então, que a combinação improvisação + peso + releitura é a equação que pode explicar, grosso modo, o que estava acontecendo na música desse momento.

Os antecedentes

Esse retorno ao blues, agora com mais peso, não foi uma inovação dos músicos do fim dos anos 1960. Desde meados dessa década, bandas como os Stones e o The Who já faziam isso. Mas essa releitura passou a ser mais sistemática com o guitarristas ingleses John Mayall, que tocava acompanhado de sua banda, The Bluesbreakers, e Eric Clapton, fundador do Cream, junto ao baixista Jack Bruce e o baterista Ginger Baker.

Alimentando-se diretamente do blues tanto de Chicago quanto do Delta do Mississipi, Mayall e Clapton introduziram novas harmonias e, em especial, solos mais elaborados e longos, o que destacava suas habilidades como instrumentistas e compositores. Outro músicos dessa vertente, menos conhecidos mas tão habilidosos quanto, são Robin Trower, do Procol Harum, e Rory Gallagher, da banda Taste.

Antes do Cream, Clapton tinha feito parte de outra banda, que havia tido grande influência, os Yardbirds. Adeptos de uma releitura, nas bases que mencionamos, do blues de Chicago, a banda ficou célebre por ter contado com dois outros promissores e habilidosos guitarristas: Jeff Beck e Jimmy Page. Esse contexto, de bandas que uniam o blues com uma pegada mais pesada, é que criou as bases para o surgimento do Led Zeppelin.

Com a saída de Beck, e sob regras de contrato que o obrigavam a fazer shows e gravar, Page reorganiza a banda e funda os New Yardbirds, junto ao baixista John Paul Jones. Ambos ainda muito jovens – eles tinham 24 anos quando gravaram o primeiro disco do Led -, eles haviam sido músicos de estúdio, tendo gravado com vários artistas. Ainda com Jeff Beck, o Yardbirds busca se reformular, e Page chama John Entwistle e Keith Moon, ambos do The Who, para compor a banda. Steve Winwood, depois do Traffic, é chamado aos vocais. O projeto não deslancha. Com a saída de Beck do Yardbirds, Page tenta reorganizar o grupo, inicialmente chamando Terry Reid para os vocais, que não aceita e indica o jovem vocalista da Band of Joy, Robert Plant, de apenas 20 anos. Plant indica seu colega de banda, John Bonham, para a bateria, que se juntaria a Page e ao baxista Chris Dreja. Este abandona a carreira musical mas sua esposa indica o antigo colega de estúdio de Page, Jones. Estava formada aquela que seria uma das bandas mais importantes dos anos 1970 e da história do rock de todos os tempos.

Tendo que cumprir o contrato deixado pelo antigo Yardbirds, o grupo faz uma rápida turnê na Dinamarca e Suécia e entra em estúdio para gravar, ainda sem selo. Nesse meio tempo, conseguem um contrato com a Atlantic Records, gravadora fundada por dois amigos turcos que se radicaram nos EUA e que tinha se especializado em música negra. O contrato era bastante vantajoso para a banda, pois dava tanto liberdade artística aos músicos quanto acesso a estúdios de boa qualidade para as gravações. Assim, com apenas pouco mais de 20 dias de formação, menos de duas semanas de ensaios e apenas alguns shows, o Led entra em estúdio e, em apenas 9 dias e 36 horas de gravações, finaliza do disco. Led Zeppelin, o disco, foi gravado “ao vivo” – ou seja, com os quatro gravando ao mesmo tempo e não um de cada vez, como é a praxe nas gravações de discos – de forma a soar o mais fiel possível às execuções ao vivo.

O disco
Há inúmeras controvérsias sobre a autoria e o caráter das músicas presentes no álbum; uma delas, sobre a autoria de Dazed and Confused, só foi resolvida em 2010 entre Page e o autor original da música, Jack Holmes. Acusações de plágio, de corrupção da raiz blues das canções, e mesmo de mediocridade, foram lançadas. Mas o que resta é uma composição de elementos do blues e folk americanos e de uma pegada muito mais pesada do que havia então no rock da época.

O álbum abre com “Good Times Bad Times”, e logo de cara surgem os acordes da guitarra de Page. Segue-se a voz aguda de Plant, um baixo marcado e audível (coisa pouco comum na época, onde o baixo era realmente apenas acompanhamento e era pouco sonoro) e uma bateria absurdamente pesada. Bonham, hoje considerado se não o melhor, um dos 3 ou 4 melhores bateristas de todos os tempos, era cruel com o instrumento. Batia com força mesmo! Logo de cara, um tapa na cara.

Segue-se “Baby I’m gonna leave you”, onde aos acordes iniciais de violão e a voz de Plant seguem-se de novo todo aquele peso da primeira faixa – mas com violão e bandolim, e não guitarra! “You shook me” é um dos covers assumidos do disco; composição do bluesman Willie Dixon, é relida com o uso de slide guitar (onde o músico usa um cilindro de metal ou vidro e não os dedos para fazer a escala no braço). A próxima faixa, “Dazed and Confused”, uma das mais longas do disco, teve inúmeras versões ao vivo, com o uso por Page de um arco de violino para fazer o solo. Segue-se “Your time is gonna come”, é uma balada onde Jones toca órgão Hammond e o grupo mostra uma veia mais romântica – de fato, muitas das composições do Led falam de amor. “Black Mountain Side” é a única instrumental do disco, com dois violões e Bonham tocando bongô, e é uma das músicas mais calmas do disco. Aí vem um petardo: “Communication Breakdown”, uma pancada que deve ter deixado os cabelos de muitos vovôs em pé. Vocais gritados e um riff poderoso. Um solo curto mas genial. Curtinha mas indispensável. O disco fecha com mais um blues, “I can’t quit you baby”, também de Dixon mas só creditado a ele posteriormente, e outra longa, “How many more times”, onde Page abusa do delay (como se chama o efeito de eco na guitarra) e com uma linha de baixo muito presente.

É um disco com covers, versões, plágios, composições próprias, sim. Mas é um álbum com personalidade, com uma alma. Também é um disco de uma banda que toca ao vivo. Mesmo Page sendo originalmente um músico de estúdio, e que viria utilizar isso em gravações posteriores, com o uso de múltiplas guitarras em discos posteriores, toda música do Led sempre foi pensada em ser tocada no palco.

Outro aspecto é a mescla de folk e blues, vista tanto nas composições quanto nos arranjos, onde da guitarra se passa ao bandolim, do baixo elétrico ao órgão, da voz suave ao grito. Led, o disco, e Led, a banda, são viscerais, fortes, autênticos. Pode-se dizer que, junto ao primeiro disco do Black Sabbath, lançado cerca de um ano depois, e “In Rock”, do Deep Purple, de 1970, e álbum de estreia de Ian Gillan e Roger Glover na banda, estava formado um “trio de ferro” que daria o tom do rock pesado nos anos 1970 e que serviria de principal influência para o Heavy Metal que viria a surgir anos depois.

O legado
O disco seguinte, Led Zeppelin 2, lançado no mesmo ano, segue a mesma tônica. Alternam-se riffs pesados e harmonias suaves, o blues e o folk sempre presentes, a força dos integrantes num entrosamento por assim dizer perfeito. Só com Led 3 que a situação muda; este é um disco bem mais acústico e folk que os anteriores, mesmo tendo uma música que segue o peso das anteriores, “Immigrant Song”, e provavelmente o blues mais forte que a banda tocou, “Since I’ve been lovin’ you”.

Mas em poucos meses, a partir do lançamento de Led 1, a banda torna-se um fenômeno de vendas, não apenas na Inglaterra e nos EUA, principais mercados do rock, mas ao redor do mundo. LP’s e cassetes vendem como água, não na mesma medida dos Beatles, mas de forma bastante surpreendente para uma banda que não foi pensada para tocar em rádios.

Na verdade, raras composições do Led servem para rádio, pois a maioria não tem os 90 segundos comuns na execução radiofônica. Da mesma forma, aparições em TV eram raras, dada a precariedade técnica das emissoras da época. Uma rara exceção é um pequeno show feito para a TV dinamarquesa na época de lançamento do primeiro disco. No entanto, os shows, alguns filmados em película – o mais conhecido deles tornou-se filme, “The Song remains the Same” (aqui no Brasil lançado com o infeliz título “Rock é Rock mesmo”) – eram festas com horas de duração. Em “The Song remains the Same”, a maioria das músicas dura mais de 10 minutos, para deleite dos espectadores. A influência deles é tal que a novidade do mercado rock em 2018, o Greta Van Fleet, vem sendo comparada constantemente ao Led.

Oito discos de estúdio gravados, um ao vivo (a trilha do filme), um de sobras (CODA, lançado após o fim da banda, com a morte de Bonham) e muito material ainda a ser descoberto. O legado do Led não foi apenas muito material, sonoro, gráfico ou visual. Também não foi conceitual – sim, muitas bandas beberam dessa fonte, na época e depois. A principal herança foi sua atualidade. Foi a possibilidade de que quatro rapazes talentosos poderiam sim produzir algo novo e livre, sem as amarras do mercado ou das gravadoras. Em muitas casas, quartos de adolescentes, garagens, estúdios e palcos de bares ao redor do mundo há novos Led surgindo. Porque se eles são pesados, ainda assim foram capazes de voar.