Chegou a hora deste governante que, empenhado em entregar o Peru ao imperialismo e aos exploradores, manda reprimir e matar o povoUma gigantesca mobilização percorreu o país inteiro na quinta-feira, 11 de junho, em resposta ao chamado à solidariedade com a luta indígena e em repúdio ao governo de Alan García responsável pelas mortes que ocorreram em Bagua, região amazônica do nordeste peruano.

A imponente mobilização foi acompanhada de greves em Yurimaguas, Tacna, Pucallpa, Iquitos, Apurimac e outras localidades, e envolveu a amplos setores camponeses e populares, sobretudo da juventude universitária, comovidos pelo massacre perpetrado por García contra os indefesos indígenas que protestavam há 60 dias contra os dez decretos que afetam a soberania sobre suas terras e seu meio ambiente.

Em Lima, a maré humana tentou chegar ao Palácio do Governo, mas foi impedida por um verdadeiro exército policial que praticamente fechou o centro da cidade e repeliu com uma chuva de bombas de gás lacrimogêneo resultando em feridos e prisões. Estes acontecimentos só podem ser comparados a grande marcha dos “Cuatro Suyos” (em alusão as quatro regiões em que se dividiu administrativamente o antigo império inca) que em julho de 2000 enfrentou a re- reeleição do ditador Fujimori iniciando com ela o fim de seu regime.

Enquanto o povo desafogava sua indignação nas ruas, no Palácio o governo recompunha seu gabinete no afã de mostrar que estava tudo sobre controle e, no Congresso a espúria maioria de direita: Apra, Fujimorismo e Unidade Nacional votavam a suspensão por 120 dias de sete congressistas opositores do partido nacionalista que protestavam contra a decisão não menos arbitrária, de declarar em “suspenso”, e não revogar, os decretos questionados pelos indígenas.

García retrocede, mas mantém a mesma política
O massacre de Bagua despertou a indignação popular, indignação já acumulada pelas 200 mil demissões que ocorreram desde o início da crise, o congelamento dos soldos e salários que estão entre os piores do continente, a privatização dos portos, a privatização da água e a violação – também com o mesmo propósito de entregar às multinacionais – das terras das comunidades camponesas. Bagua foi a gota d’água na paciência de um povo cansado de tanta violência e impunidade, de um povo mestiço e originário que sentiu em sua própria carne a dor e sofrimento impingido contra seus irmãos da Amazônia.

Diante destes acontecimentos a Cúpula Amazônica declarou a greve por tempo indeterminado a partir de 11 de junho e, a “Frente pela Soberania e a Vida”, formado – por todos os organismos sindicais e populares – em solidariedade com a luta amazônica convocou para a mesma data uma jornada nacional de luta. Anunciava-se uma onda de lutas que ameaçava ultrapassar o controle das direções e das próprias forças repressivas, pondo em risco a estabilidade e continuidade do governo.

Para evitá-lo, o governo viu-se obrigado a dar um passo atrás. Nas horas seguintes ao massacre de Bagua o governo desencadeou uma ampla campanha denunciando os indígenas como “selvagens” e “criminosos”, e desatou uma caça as bruxas, entre elas contra o dirigente indígena Alberto Pizango – quem teve que asilar-se uma vez que corria risco de vida – e, dispôs uma maior exibição repressiva tencionando mais a situação. Para isso, inclusive, se valeu de propaganda paga – onde sem se importar com a sensibilidade humana – mostrava os restos dos policiais mortos, a fim de justificar o massacre dos indígenas e de colocar à opinião pública contra eles. Mas já ninguém escutava a um governo prepotente e abusivo.

Diante da inevitabilidade de uma convulsão social, as associações patronais e seus partidos de direita pressionaram o governo a retroceder organizadamente. Deste modo mostrou a cara da verdadeira aliança que governa o país: o APRA, o Fujimorismo e a direita Unidade Nacional. A tríplice aliança se aproveitou da sua espúria maioria parlamentar para decidir novamente pelas costas do povo, pela “suspensão” dos decretos em questão, e para abrir o “diálogo” com os representantes indígenas através de mediadores da Defensoria do Povo e a Igreja Católica.

Na verdade a “suspensão” mantém pendente, como uma espada na garganta, as normas que atentam contra os direitos da Amazônia. Além do que, os questionados decretos que são produtos do autoritarismo, deixaram como ônus 33 vidas humanas e dezenas de feridos.

A medida não satisfez a ninguém e foi vista como um deboche do governo e, exacerbou mais os indígenas em greve e os setores populares, que saíram a se manifestar com mais raiva no dia seguinte.

As razões de fundo
Na realidade o governo deu um passo atrás, mas manteve a mesma política. Continuou com as ameaças repressivas, a intimidação contra dirigentes e Bagua está sitiada por tropas do exército. O eixo do discurso oficial é acusar os indígenas de responsáveis pelo banho de sangue, como inimigos do diálogo, como ignorantes. Alan García disse recentemente – reiterando uma vez mais sua visão particular excludente do mundo indígena e popular – “eles se julgam cidadãos de primeira classe?”.

A essência da sua política de arrematar o país inteiro e seus recursos naturais está sintetizada em três artigos de sua autoria (“A síndrome do Cão de Hortelano”) onde baseando no conceito de que – “…cometemos um erro ao entregar pequenos lotes de terreno às famílias pobres que não têm um centavo para investir, então à parte da terra, vão solicitar do Estado fertilizantes, sementes, tecnologia de irrigação e ademais proteção nos preços” – propicia a entrega da Amazônia às multinacionais do petróleo e do gás; o corte em grande escala dos bosques, e propicia a concessão de territórios amazônicos para a indústria do etanol, o negócio do século.

O governo se orgulha de ter loteado e dado concessões em cerca de 70% do território amazônico, o chamado pulmão do mundo, para estas lucrativas atividades, num momento em que a humanidade atravessa a mais grave crise ambiental de sua história. E não para por ai, enquanto as comunidades indígenas – iguais aos operários e a população das grandes cidades – continuam vivendo na miséria no dia a dia.

O que está em jogo, então, é a derrota desta política a serviço das multinacionais do petróleo, do gás e também da mineração, e seus planos de continuar saqueando nossos recursos naturais ainda a expensas da destruição do meio ambiente, cujos interesses encarnam e defende o governo aprista e seus aliados da direita. Este é um governo subordinado às multinacionais, cujo servilismo ficou claro no recente caso da Doe Run – uma importante metalúrgica – que encerrou suas atividades e colocou na rua 3.500 trabalhadores, simplesmente como chantagem para que o governo lhe permita postergar (uma vez mais) a solução para os danos ambientais causados pelas suas operações na cidade da Oroya, a quinta cidade mais contaminada do planeta.

Esta política desnuda a essência autoritária e repressiva do regime quando tem que lidar ou responder à resistência operária e popular. García, denunciado pela Comissão da Verdade por cometer genocídio durante seu primeiro governo, não treme a mão em ordenar a atirar para matar contra a população que luta. Para isso promulgou um decreto que ao pé da letra garante impunidade para seus autores diretos: “encontra-se isento de responsabilidade penal o contingente das Forças Armadas e da Polícia Nacional que no cumprimento de seu dever e no uso de suas armas, na forma regulamentar, cause lesões ou morte.” (D.L. 982).

O que aconteceu em Bagua?
Relatórios de todo tipo se entrelaçam com respeito ao que aconteceu em Bagua na fatídica sexta-feira, 5 de junho. Primeiro correu a denúncia de dezenas de mortos indígenas cujos corpos flutuavam no rio Marañón e de outros tantos cujos restos jaziam nas matas, e de importantes baixas na polícia. Após dias de averiguação, hoje várias fontes coincidem em assinalar como saldo: 23 policiais mortos e um desaparecido e, nove mortos entre nativos e civis, além de dezenas de feridos de bala e desaparecidos. O “saldo” é apresentado pelo governo como a “prova” de que as verdadeiras vítimas foram as forças da ordem – e não a população como foi denunciando ante a consternação do mundo – para desacreditar na luta amazônica.

No entanto, teriam que explicar como uma população que só dispunha para se defender de paus e pedras pode causar tantas baixas a um corpo especial da polícia e armado até os dentes? É “normal” que as baixas sempre se dêem de um só lado, no lado dos que lutam, e não no lado das forças repressivas, e muito menos na magnitude que ocorreram. Fala-se de terrorismo e até de narcotráfico, mas são mentiras grosseiras.

Mas antes há outra pergunta: Quem ordenou a repressão? Alan García em pessoa, desesperado porque não conseguia acabar com a greve e ante o advento de outros conflitos. E que aconteceu? Matança, tiroteio e a perseguição das centenas que ocupavam a Curva do Diabo. Aí estão os mortos e os feridos, o sentimento de impotência e o desespero que ainda sente à população de Bagua. Os indígenas tinham retidos 38 policiais na estação Nº 6 do Oleoduto de Petroperú localizada a dez minutos do lugar dos acontecimentos, há várias semanas. E o governo sabia. Ao ordenar a repressão, de fato, ele entregou aqueles policiais como carne de canhão aos nativos que, ao se inteirar da matança de seus irmãos, agiram com vingança. Alguns setores acusam o governo de absoluta ineficiência neste episódio, nós pensamos que esta foi a maneira que acharam para justificar a matança dos indígenas. Em qualquer caso o que salta à vista é que o único responsável por estas mortes que também causam luto as humildes famílias dos policiais configurando uma carnificina fratricida, é o governo de García.

Para onde vamos?
Abriu-se no país uma situação de extrema polarização política e social. O governo dá meio passo atrás para se esquivar da demanda dos indígenas e manter sua ofensiva contra os setores operários e populares. O movimento operário e popular, por sua vez, além de exigir a revogação dos dez decretos da selva, hoje faz eco à exigência que García vá embora.

Crescem as condições para uma greve geral que leve à derrota definitiva e destituição de García. O problema é que a direção do movimento de massas, a Coordenação Política Social (CPS) que é uma aliança da burocracia sindical que dirige a CGTP e os velhos partidos de esquerda (PC e Pátria Vermelha) com o partido de Ollanta Humala, fazem todos os esforços para desmontar a mobilização e buscar um acordo com o governo.

A CGTP, por exemplo, durante os 60 dias deixou a sua sorte a greve indígena e só reagiram após os acontecimentos de Bagua. E agora que o governo responde ofensivamente, sua orientação é influenciar a luta e seus objetivos. Na jornada do dia 11, por exemplo, chamaram a atenção pela ausência dos emblemáticos sindicatos que dirigem: a Construção Civil e o SUTEP (professores), e agora estão chamando a Greve Nacional, mas para o dia 8 de julho, quando a luta está em ascensão e que a poderosa Federação Mineira anunciou o início de uma nova greve geral para o próximo dia 15 de junho. Seus pretextos de sempre: “não há condições” e “há que acumular forças” só serve para encobrir sua política conciliadora que vai à contramão da disposição de luta e a aspiração de amplos setores populares.

Coerentes com esta política a CPS, Mario Huamán e Ollanta Humala pedem: “Que renuncie o premier Yehude Simon”, a quem apoiaram e saudaram com efusividade desde o primeiro dia que foi nomeado por seu passado esquerdista. Simon é apenas uma pobre figura sacrificada em nome de García, que é o genocida, além de ladrão, e o responsável pela barbárie à que está sendo empurrado o país.

Paz? Com certeza. Os trabalhadores, os camponeses e a juventude desejam paz e tranqüilidade. Os violentos estão no Palácio que são os que ordenam disparar contra o povo, os que oprimem, exploram e impõem uma pobreza extrema a milhões de peruanos para encher os bolsos de punhado de capitalistas e depredadores. Queremos paz, mas não haverá paz enquanto o genocida García continue no poder. Todos sabem que assim como ontem ordenaram o massacre a Bagua amanhã farão o mesmo com os que saiam a lutar. Por isso a demanda geral é que Garcia vá embora. A posição da CPS e de Ollanta Humala só se explica porque não querem ficar “mal na fita” diante da burguesia e das multinacionais com cujo consentimento aspiram chegar ao governo, respeitando o calendário eleitoral de 2011 ainda que seja à custa de um maior derramamento de sangue.

Hoje tudo depende do curso da greve indígena. Si continua forte é possível que a atual onda de mobilizações continue crescendo. Os ativistas e lutadores têm o dever de estender o apoio a esta luta formando comitês unitários de solidariedade, como as que se formaram em várias universidades, para manter a mobilização. Os organismos regionais devem seguir o exemplo da heróica Frente de Defesa do Alto Amazonas, declarado em greve por tempo indeterminado em apoio a seus irmãos indígenas. As bases do magistério e os setores operários de Lima devem realizar assembléias de base e decidir estender o apoio. E no mundo, chamamos às organizações sindicais e populares a manter e estender a solidariedade que começou a se desenvolver em muitos países para isolar completamente o governo de García.

Mas, sobretudo significa que a Frente Pela Soberania e a Vida e em particular a CGTP – a quem cabe a principal responsabilidade – trabalhem de maneira decidida por um plano de luta que amplie a atual mobilização na perspectiva de fazer do dia 8 de Julho uma verdadeira greve geral que definitivamente ponha fim ao nefasto governo de Alan García.

Se continuar o discurso paralisante da burocracia sobre a ausência de condições, definitivamente não avançaremos nesse caminho senão que daremos oxigênio ao governo e se impedirá que a luta atual – que deve ter como objetivo fundamental “Fora García, ladrão e genocida!”- abra o caminho para a vitória das reivindicações operárias e populares.

Partido Socialista dos Trabalhadores – PST
PERU, Lima, 12 de Junho de 2009