28 de setembro foi o Dia de Luta pela Descriminalização do Aborto na América Latina e Caribe. Além dos riscos à saúde, mulheres que fizeram aborto estão sendo perseguidas no BrasilCerca de um milhão de mulheres brasileiras fazem aborto todos os anos. Mesmo nesse universo gigantesco, há um padrão, uma espécie de identidade entre as mulheres que fazem aborto. Em geral, ela tem entre 20 e 29 anos, trabalha e tem pelo menos um filho. Trabalha, mas ganha pouco. Como doméstica, manicure ou cabeleireira, não chega aos três salários mínimos.

Esse é o perfil da mulher brasileira que aborta, segundo pesquisadores da Universidade de Brasília (UnB) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Eles chegaram até esse perfil analisando os resultados de mais de duas mil pesquisas sobre o aborto no Brasil, elaboradas nos últimos 20 anos.

Mas a maior parte das informações veio de mulheres que procuraram os hospitais e postos de saúde da rede pública das grandes cidades, depois de induzir o aborto em casa. O levantamento também mostra que o principal método abortivo usado no país é o Cytotec, um remédio para gastrite que também é abortivo.

Direito de decidir
Há muitos motivos para uma mulher recorrer ao aborto. Muitas vezes, há os obstáculos econômicos, como desemprego, salário baixo, falta de comida na mesa. Ou a mulher não se sente em condições físicas e psicológicas para ter e criar a criança. Nisso, há também o papel do machismo, que enxerga a mulher como única responsável pela criação dos filhos. Na lógica machista, cabe a ela manter os filhos limpos, alimentados e saudáveis, sendo dela a responsabilidade e a enorme pressão de manter os filhos estudando, longe das drogas, enfim, formar o seu caráter.
Seja qual for a razão para uma mulher não querer levar adiante uma gravidez, é ela quem tem de decidir. Esse direito democrático de decidir sobre seu próprio corpo e a sua vida deve ser garantido pelo Estado.

O que vemos, porém, depois de quase oito anos de governo Lula, é que as mulheres não conseguiram conquistar nem mesmo o direito ao aborto que já está legalizado. A maioria dos hospitais não atende os casos previstos em lei, como risco de morte da mulher ou quando a gravidez é resultado de um estupro.

Essa hipocrisia dá hemorragia…
O aborto no país já é uma prática legalizada para as mulheres ricas, sem perigo de morte ou sequelas, ou de serem presas e condenadas. Para elas, há toda uma rede de atendimento médico funcionando, que garante que ela possa decidir sobre seu corpo, sem correr risco de vida.

Mas esse atendimento custa caro. Para as mulheres trabalhadoras e pobres, sobra a opção de tentar o aborto em casa, com saídas como os remédios. São elas as que procuram o atendimento médico da rede pública, já com sinais de hemorragia.

Além do enorme risco de morrer ou ficar com graves sequelas, ainda podem ser presas e condenadas, como é o caso da clínica em Mato Grosso invadida pela polícia, com fichas médicas de cerca de dez mil mulheres foram abertas.

Destas, quase duas mil mulheres estão sendo investigadas e já há casos de algumas que foram obrigadas a prestar penas alternativas.

Protesto em São Paulo condena Igreja Católica

Da redação

A pesquisa realizada por especialistas da UnB e da Uerj também mostrou que a maioria das mulheres que abortam são católicas. Ou seja, além de enfrentar os riscos à saúde e a perseguição do Estado, ainda têm de conviver com a hipocrisia da Igreja à qual dedicam sua fé.

“Se o papa fosse mulher, o aborto seria legal”. Com essa palavra de ordem, teve início o protesto na Praça da Sé, em frente à Catedral, nesta segunda-feira, dia 28. Após um rápido ato, cerca de 150 pessoas fizeram uma caminhada pelas ruas do centro velho de São Paulo, exigindo a legalização do aborto.

A passeata, convocada pela Frente Contra a Criminalização das Mulheres e pela Legalização do Aborto, reuniu a Marcha Mundial de Mulheres, as Católicas Pelo Direito de Decidir e o Movimento Mulheres em Luta, da Conlutas, entre outros. Havia representantes de vários partidos políticos, como PT, PCdoB, PSOL, PSTU e de organizações como LER-QI.

Com faixas e cartazes, elas afirmaram que “nenhuma mulher deve ser impedida de ser mãe. E nenhuma mulher pode ser obrigada a ser mãe!”.

O Movimento Mulheres em Luta, da Conlutas, que faz parte da frente, lançou um manifesto. No texto, afirma que “quem de fato nega o direito a maternidade às mulheres trabalhadoras hoje é o Estado, que não garante as mínimas condições necessárias para as mulheres que querem ter filhos, como emprego, salário igual para trabalho igual, moradia, creches, licença-maternidade de no mínimo seis meses obrigatória, assistência médica e educação de qualidade. É esse mesmo Estado que se coloca no direito de criminalizar as mulheres que optam por interromper a gravidez”.
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