Foto Midia Ninja
Vera Lúcia, de Aracaju (SE)

O Partido dos Trabalhadores resolveu fazer uma caravana com o ex-presidente Lula pelo país a começar pelo Nordeste, onde ele tem mais audiência. O objetivo é mantê-lo à frente das pesquisas eleitorais em 2018. Para chegar a isso, o PT busca amenizar os danos causados à imagem de Lula, que está altamente vinculada aos escândalos de corrupção denunciados na imprensa nacional e internacional, à sua condenação e sua possível, ainda pouco provável, prisão.

Os ativistas dos movimentos sindicais, populares e estudantis mais antigos sabem que a vinda de Lula a Sergipe, entre os dias 20 e 22 de agosto, nem de longe provocou o alvoroço de tempos atrás. Por mais que a equipe de marketing do evento tenha se empenhado, e se empenhou, o resultado foi de uma vinda sem entusiasmo por parte dos trabalhadores, dos mais pobres e da juventude.

Nas imagens divulgadas em muitas propagandas na grade de programação das emissoras de TV, principalmente em horários nobres, o que se vê são as imagens abertas do ato no município de Estância. As demais imagens são fechadas nos palanques, porque fora daí tinha pouca coisa para mostrar. Se comparada as vindas de Lula em 89, na década de 90 e no início dos anos 2000, que arrastava multidões em Sergipe, a sua estada por aqui foi um fiasco.

Em Estância, no maior ato, tinham cinco bandeiras da UGT, três cartazes do “Fora Temer”, uma bandeira do PT, que foi aberta no palanque à frente dos filhos e da viúva de Marcelo Déda, Eliane Aquino, vice-prefeita de Aracaju, no momento que foi mencionada a trajetória dele como deputado, prefeito e governador pelo PT. Muitos dos ativistas no ato usavam os bonés de suas entidades. Os mais visíveis eram do MST. De fato, tinha bastante gente.

Em Aracaju, o ato foi em um clube da classe média e de setores burgueses. No passado, os atos eram na praça Fausto Cardoso, no centro de Aracaju, que ficava lotada. As imagens divulgadas, fechadas no palanque, demonstram que Lula, mais que o PT, tem apoio.  Mas nem de longe se assemelha ao passado. E isso tem explicação.

O que Lula disse
Dotado da capacidade de envolver o público com um discurso emotivo e de fácil compreensão, por ter vivido a vida difícil dos mais pobres nordestinos e na condição de operário em São Paulo, Lula arranca aplausos. Fazendo um balanço de seu próprio governo, ele comparou seu exemplo de vida com o de outros trabalhadores que, depois dele presidente, conseguiram uma casa, um emprego e puderam comer picanha, ao invés de acém.

Falou da oportunidade dos jovens que, diferente dele, conseguiram estudar e se formar em uma universidade. Nesse momento, exaltou o PROUNI, como um programa que conseguiu levar os pobres e negros para as universidades e serem doutores; falou dos programas de moradia popular e etc.

Em tom de piada arrancou aplausos e sorrisos quando afirmou que pagou a dívida externa do Brasil. Falou mal de Temer, por querer retirar direitos da aposentadoria e a plateia foi ao delírio gritando “fora Temer”.

Defendendo o seu governo e o da presidente Dilma, reivindicou a lealdade e o companheirismo de Jackson Barreto (PMDB) por se posicionar contra o impeachment de Dilma. Mesmo Jackson Barreto sendo vaiado pelos trabalhadores em todos os atos em que esteve presente.

O que Lula não disse…
No seu discurso inflamado ele não disse que foi com o seu principal programa de inclusão social através da renda, o “Bolsa Família”, e com o trabalho terceirizado, principal tipo de emprego gerado no seu governo, que a maioria dos trabalhadores compraram a picanha, o filé, a máquina de lavar, a geladeira, a TV, roupas, sapatos… tudo no cartão de crédito. Endividados, os trabalhadores, os aposentados e os mais pobres, pagaram as suas dívidas enquanto foi possível. Depois disso, seus nomes ficaram sujos na praça. Mas, os empresários e os banqueiros, tiveram seus lucros garantidos, principalmente os banqueiros.

Lula não disse que a juventude trabalhadora, negra e pobre que entrou nas universidades particulares através do PROUNI e que conseguiu seus diplomas de graduação, mestrado e até doutorado, o futuro é de terceirização, incerteza ou trabalhando em outra função como operadores de telemarketing, atendentes de hotéis, lojas, restaurantes, clínicas justamente porque não encontram trabalho na função em que se formaram. É grande o número dos diplomados desempregados. Ele nem tocou no FIES, que além da pessoa se formar e não conseguir emprego, ainda fica devendo ao governo.

Também não falou que os donos de faculdades e universidades lucraram absurdamente. O PROUNI foi uma festa para os empresários do ensino. Em cada esquina foi aberta uma faculdade para pegar dinheiro do Estado. Enquanto isso, as universidades públicas “vivem à míngua”, fruto da expansão desenfreada e sem garantia de sustentação das universidades. Assim, Lula comemora cinicamente a existência do campus do sertão, ao mesmo tempo em que a UFS pode fechar as portas a partir de outubro, porque a instituição só dispõe de recursos para as despesas básicas até o mês de setembro, segundo o Sintufs (Sindicato dos Trabalhadores Técnico-Administrativos em Educação da UFS).

Foram cortados mais de um milhão para a Assistência Estudantil e a concessão de bolsa para pesquisa e extensão. Podem até alegar que isso é um problema do governo Temer e da crise econômica.  A questão é que nem o governo Lula/Dilma, os governos do passado e do presente têm compromisso com o ensino público. O Estado tem como missão proteger a “santa propriedade privada, incluindo a do ensino”.

Em tom de galhofa, Lula “mente e nem pisca”, quando afirmou que pagou a dívida externa e ainda passou a emprestar dinheiro. Em 2002, quando assumiu o seu primeiro mandato, a dívida externa era de R$ 212 bilhões e a dívida interna de R$ 640 bilhões, ou seja, um total das dívidas externa e interna de 852 bilhões. Em 2008, o governo Lula divulgou que pagou essa dívida, e ainda hoje ele continua repetindo essa mentira.

O que na verdade o governo fez foi uma grande manobra que favoreceu mais uma vez aos banqueiros, da seguinte maneira: o governo captou dinheiro junto aos banqueiros, que compraram os títulos da dívida, ou seja, pagaram ao FMI. Os juros pagos ao Fundo Monetário Internacional eram da ordem de 4% e o Brasil passou a pagar 19,5% ao ano aos bancos. Ou seja, o que houve foi um remanejamento da dívida interna para externa, de maneira altamente vantajosa, mais uma vez para os banqueiros. Nesse mesmo ano a dívida interna chegou a 1,4 trilhão[1]. Em 2017, a dívida pública (interna e externa) está na casa dos R$ 3,35 trilhões.

… e nem dirá
Lula não dirá uma palavra sobre o seu envolvimento e dos principais dirigentes de seu partido e dos seus aliados, como PMDB, PP, etc. nos escândalos de corrupção. Não vai falar sobre uma parcela da direção nacional do PT estar na cadeia. Também não mencionará os lucros exorbitantes das empresas corruptoras envolvidas nos mesmos escândalos que saquearam a Petrobrás, ou gerou o superfaturamento de obras de programas do PAC, Minha Casa Minha Vida, como a Odebrecht, OAS, Camargo Correa, Andrade Gutierrez.

Ele também não explicou como foi que ele e seus companheiros dirigentes do PT, assessorias, filhos e parentes se tornaram milionários. Lula não é inocente. Mesmo que ele não gastasse um centavo do seu salário como presidente da república, não daria para, ao fim do seu segundo mandato como presidente, ter um tríplex na beira da praia, casa de campo e uma reserva de nove milhões para aposentadoria. Assim como não explicou como ele se tornou conselheiro empresarial pago a peso de ouro, e por isso é impossível defender os trabalhadores e os mais pobres.

Outra coisa muito importante que Lula não falou, é que durante o seu governo o capitalismo ainda não estava mergulhado de conjunto, nunca crise profunda. A crise que teve início em 2008 chega com toda a sua carga de destruição no governo Dilma. Por isso ele pôde aplicar a política adotada pelo FMI com sucesso. Dilma também pretendia, mas nenhum governo de colaboração de classes sobrevive iludindo a classe trabalhadora em tempos de crise econômica.

Por uma razão muito simples, Lula não defende trabalhador. Ele não passa de um bajulador dos capitalistas. É um traidor, que se utiliza de forma sórdida do fato de ser nordestino, ter sido pobre, operário e conhecer as vidas, as necessidades e desejos da nossa classe, porque saiu desse meio, da classe trabalhadora e pobre.

A Articulação de Esquerda e a CUT não subiram no palanque
A Articulação de Esquerda (AE) e a CUT-SE, que é dirigida majoritariamente por essa corrente do PT, se retiraram da caravana. O motivo parece coerente, mas não é. Por pressão principalmente de sua maior base, os professores da rede estadual, a AE rompeu com o governador Jackson Barreto (PMDB), tendo na professora Ana Lúcia, deputada estadual e Iran Barbosa, vereador, seus principais dirigentes.

Os motivos da ruptura dos professores e da maioria da classe trabalhadora com o governo Jackson se expressam na pesquisa realizada pelo Instituto França no início de agosto[2]. O índice de rejeição ao governador é de mais de 70%. Os motivos dessa ruptura são óbvios. Os vários ataques desferidos contra os servidores e os trabalhadores, sobretudo os mais pobres, com os cortes contínuos nas despesas com os serviços públicos, privatização, precarização, terceirização do trabalho, tudo para atender aos interesses dos empresários nacionais, internacionais e aos banqueiros. As justificativas dessa política do governo é a crise, mas antes dela a política era a mesma. Inclusive quando Jackson era o vice de Déda.

E por que nem a Articulação de Esquerda nem a CUT-SE são coerentes? Porque alegam os ataques do governo Jackson sobre os servidores pelo simples fato de ser do partido responsável pelo “golpe” no governo Dilma. Se rompeu com Jackson, por que não rompe com Lula e com o PT, que aqui são aliados na prefeitura e no governo? Francisco Gualberto (PT) é o líder do governo na Assembleia Legislativa! O PMDB é um partido nacional. O partido de Jackson é o mesmo de Temer. Temer está no governo após o impeachment da presidente Dilma (PT), porque ele foi eleito na chapa Dilma/Temer. E como se explica golpeados defendendo golpistas?

É público, mesmo que Lula não tenha dito em seus discursos em Sergipe, que ele saiu em defesa de Temer um dia antes da votação do pedido de abertura do processo de corrupção do presidente pela CCJ. Também já disse que, caso seja eleito, em 2018, não revogará as reformas trabalhistas feitas pelo governo Temer. Como defender um candidato desses? Como pertencer a um partido que tem um porta-voz desses? Como um partido desses pode se dizer defensor da classe trabalhadora? Como através de um partido desses pode se pretender defender a classe trabalhadora? Impossível!

Como pode ter havido um golpe e tudo continuar como antes? O regime político é exatamente o mesmo. Todas as instituições estão funcionando a pleno vapor, o executivo, o parlamento, a justiça, a polícia, a imprensa. A democracia está a pleno vapor na defesa dos ricos. É assim na democracia burguesa.

Se houve um golpe, como é que a burguesia permite, como classe dominante, que Lula, um pretenso defensor da classe trabalhadora, saia país a fora para fazer campanha eleitoral antecipada?

Chega de ilusões
Tem razão Nahuel Moreno, quando afirma que os governos de frente popular são governos da máxima ilusão. Mas, a classe trabalhadora já fez a sua experiência com o PT. E acaso vote em seus candidatos é por não ter ainda uma nova direção. Ela pode tapar o nariz e votar em Lula, mas não acredita mais no PT. A classe trabalhadora rompeu com a sua direção histórica. Mesmo que as direções reformistas de ontem e de agora saiam para defender esse cadáver.

Por isso, a passagem de Lula por Sergipe não causou alvoroço entre os trabalhadores e os mais pobres. As pessoas não comentam nas ruas, nas greves. Não houve e não haverá entusiasmo porque os trabalhadores estão cansados de serem enganados. Se a sua revolta não está organizada ainda, isso é outra coisa.

Os trabalhadores hoje, mais que ontem, precisam de emprego, saúde, educação, moradia, saneamento. E isso não se consegue nas eleições porque o sistema capitalista precisa de lucro. Para conseguir qualquer uma dessas coisas, até o fim, vai ser preciso travar uma luta de morte contra os empresários e seus governos. Apertar numa tecla na eleição e eleger quem quer que seja para resolver os problemas dos trabalhadores é vender ilusão.

A classe trabalhadora e os mais pobres precisam se organizar para garantir trabalho, para sobreviver e para se defender da violência do Estado, que mata com a arma, com a falta de assistência à saúde e de fome; que prende e faz leis que tiram direitos e impõe a miséria e a humilhação. Esse estado é assassino e precisa ser destruído, não alimentado.

Os trabalhadores precisam fazer a revolução socialista e para isso precisam de um partido revolucionário. Essa é a sua ferramenta. Essa é a sua tarefa necessária: construir um estado operário e popular, a sua própria democracia. A democracia operária. Para daí, satisfazerem as suas necessidades plenamente.

[1] www.jornaldacidadeonline.com.br

[2] http://www.radioeducadoradefreipaulo.com.br/site/2017/08/exclusivo-valadares-valadares-filho-lula-e-gilmar-carvalho-lideram-pesquisa-em-aracaju/