O Instituto Brasileiro de Direito da Família e o deputado federal Luiz Bussuma (PT), presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e Contra o Aborto, apresentarão, em março, um projeto de lei que regulamenta o parto anônimo. Essa lei deverá assegurar à mulher o direito de deixar o filho em postos de saúde ou hospitais logo após o nascimento. A criança, então, deverá aguardar por 30 dias a possibilidade de a mãe reivindicá-la caso mude de idéia. Um detalhe interessante é que em nenhum momento a minuta menciona a palavra pai, tratando a gravidez como um problema “naturalmente” feminino.

Essa lei tem o objetivo declarado de evitar o abandono trágico de bebês. Entretanto, faz parte de uma estratégia de combate à legalização do aborto no Brasil. Para além de uma discussão moral, essa tentativa de solução do problema da gravidez não desejada não responde à pergunta da sociedade brasileira que não quer calar: por que uma mãe abandona seu bebê? Pode haver inúmeras respostas. Entretanto, há duas motivações mais comuns: o estado puerperal (pós-parto) e a impossibilidade material e psicológica de criar esse filho não desejado.

A primeira hipótese refere-se a um problema médico que deveria ser tratado pelo sistema público de saúde. Mas num país em que a trabalhadora pobre, por vezes, dá a luz com a ajuda de técnicas em obstetrícia, parteiras práticas ou de um obstetra que aparece na última hora, nos hospitais públicos, jamais poderá haver o “luxo” de um tratamento para a depressão pós-parto.

Quanto ao segundo problema, duas são as soluções: a imediata é a legalização do aborto e a mediata é a redução das jornadas de trabalho e elevação dos salários.

Ora, a burguesia e a Igreja moralistas não querem a legalização do aborto, zelosos pelo cumprimento do código penal, mas estão fazendo a lição de casa. Primeiro, criminalizam o abandono material no Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, mediante a impossibilidade de resolver esse problema sem abrir mão do lucro, querem criar outra lei para legalizar esse abandono.

A sociedade brasileira quer delegar à mulher a decisão sobre abandonar ou não seu filho recém-nascido, mas não lhe delega o direito de decidir se ela deseja ou não uma gravidez. Tudo isso em nome de que? Do “direito de nascer”? Claro que não! O capital não pode prescindir da reprodução da classe trabalhadora, pois ela é a única possibilidade de criação de valor e de obtenção de lucro.

O capital só abre mão dessa força de trabalho em potencial em duas circunstâncias: quando o indivíduo se torna um perigo iminente à ordem – daí a legalização da pena de morte em tantos países – ou está incapacitado para o trabalho, como os doentes graves da classe trabalhadora, abandonados nos hospitais públicos, aguardando a própria morte.

Os reacionários apelam à comoção ao apresentem um problema tão sério como um drama mexicano, mas a classe trabalhadora sabe bem o que quer: o direito de planejar sua família.