Há mais de um século a estrutura dos partidos operários é motivo de polêmicas: partido social-democrata, eleitoral, legal, composto de filiados ou partido leninista, disciplinado, com militantes ativos, baseado no centralismo democrático?“Para nós, a luta extraparlamentar do proletariado é a decisiva. Só esse princípio nos distingue realmente de todas as variedades da democracia burguesa”. (Lenin, Obras Completas, tomo 15. p. 380)

Nos últimos cinco anos, a América Latina viveu várias revoluções e insurreições em que o poder do Estado esteve ao alcance da classe trabalhadora (Equador, Venezuela, Bolívia, Argentina). No fim, as massas entregaram o poder de volta para a burguesia.

Na Bolívia, as massas derrubaram dois governos, ocuparam o centro de La Paz, com mineiros armados com dinamite, controlaram o acesso ao palácio presidencial e dividiram as forças armadas. Apesar de controlar o país, a COB permitiu que o vice-presidente, Carlos Mesa, cruzasse o piquete armado, para assumir a presidência do país no Parlamento.

Na Venezuela, o imperialismo, em conluio com a burguesia e de olho no petróleo, deu um golpe militar que depôs Chávez. Em dois dias, as massas venezuelanas, armadas, controlaram as principais vias do país e derrotaram o golpe. O imperialismo e a burguesia perderam o controle e viram-se obrigados a trazer Chávez de volta para acalmar a situação.

Em ambos casos, a burguesia usou as organizações de esquerda para recompor o “Estado de Direito”. A inexistência de uma direção revolucionária à frente dessas revoluções levou à retomada do poder pela burguesia.

Tais experiências nos ensinam que, no meio da insurreição, não se pode improvisar uma direção revolucionária. Grandes enfrentamentos revolucionários se aproximam. Cada trabalhador deve ocupar seu posto de luta na organização de um partido revolucionário.

A esquerda mundial rende-se à‘democracia’ burguesa
A intervenção na luta de classes direta caracterizava, até pouco tempo atrás, os partidos de esquerda do mundo. Muitos, agora, dizem querer reformar “por dentro” o sistema e não quebrá-lo. Assim, atuam centralmente nas eleições parlamentares. A tradução organizativa dessa política é a formação de novos partidos e movimentos, cujo centro é tentar reformar o sistema aperfeiçoando o regime democrático-burguês.

Quando as massas na América Latina e de outras parte do mundo se insurgem contra o capitalismo e a democracia burguesa, o grosso da esquerda acomoda-se aos interesses desta falsa democracia e negam-se a acompanhar os trabalhadores na ruptura com o sistema imperialista.

O exemplo do referendo sobre o desarmamento no Brasil é muito atual: as massas deram um Não ao desarmamento refletindo uma insatisfação com o governo Lula e com o regime; a esquerda, exceto o PSTU, chamou a votar pelo Sim. Enquanto a massa desconfia do monopólio das armas das forças armadas, o conjunto da esquerda entrega esse monopólio aos militares, pois acreditam na eternidade do regime “democrático” da burguesia.

Experiência histórica demonstra que partido reformista serve à burguesia
Em fins do século XIX se formaram os grandes partidos socialistas, sua maior conquista foi construir a independência política dos trabalhadores diante dos partidos burgueses.

Esses partidos se formaram numa época de desenvolvimento capitalista acelerado. Foi o período da Revolução Industrial e do crescimento do mercado mundial. Período progressivo do capitalismo, quando predominava a luta pelas reformas do sistema (organização política e sindical, direito de voto, redução da jornada etc.). Essas conquistas criaram a “ilusão” de que se podia, até, chegar ao socialismo pelo voto.
A ilusão acentuou-se pelo crescimento espetacular desses partidos. O Partido Social Democrata alemão possuía um milhão de membros, teve 34,7% dos votos em 1912, elegendo 110 deputados, possuía 90 jornais diários com 1,400 milhão de leitores e dirigia a maioria dos sindicatos.

Fim das ilusões pacíficas
Esse partido se organizou para reformar o capitalismo e participar de eleições, não para fazer a revolução contra a burguesia. Seus membros reuniam-se para escutar oradores, mas não eram militantes ativos, orgânicos. Possuíam grupos e tendências permanentes, cada um com seu “feudo”. Quem determinava tudo no partido eram seus líderes, sem qualquer controle da base. Considerava-se membro do partido qualquer um que aceitasse seus princípios e apoiasse o partido de acordo com suas possibilidades, sem maiores obrigações. Bastava assinar uma filiação partidária.

Essa poderosa organização se espatifou com o primeiro tiro da guerra de 1914. A ilusão “pacífica” caiu por terra: a guerra produziu 20 milhões de mortos. Os partidos socialistas irmãos dividiram-se, cada um se aliou com “sua” burguesia. A estrutura de partido social-democrata, frouxa, de filiados, mostrou-se insuficiente para entrar numa época de guerras e revoluções.

Essa grande traição vai redesenhar todo o mapa das organizações revolucionárias no mundo e faz surgir uma nova direção revolucionária na Rússia.

Um novo tipo de partido revolucionário
A época pacífica de desenvolvimento capitalista ficou para trás, o crescimento das empresas gerou o mercado mundial e uma nova fase do capitalismo, o imperialismo, marcada por enfrentamentos e guerras mundiais para repartir o globo entre os países imperialistas.

Enquanto isso, na Rússia czarista reinava uma terrível ditadura. Era proibida a organização política dos operários, os sindicatos podiam existir sob severas condições. Os partidos revolucionários organizavam-se na clandestinidade.
Nesta situação, ao contrário da Alemanha, se organizou um novo tipo de partido, revolucionário, com uma estrutura para dirigir uma revolução.

Um partido de militantes ativos, que participavam das lutas diárias do povo e da vida política interna do partido, divulgavam a imprensa e contribuíam financeiramente para a sobrevivência do partido. Sua espinha dorsal era composta por militantes profissionais, cuja vida era dedicada à luta revolucionária. Essa seleção rígida dos seus membros obedecia à necessidade de construir uma disciplina combatente para dirigir a luta pelo poder. Por isso, não se aceitava qualquer um para entrar no partido.

Centralismo democrático
O funcionamento interno baseava-se no centralismo democrático. Discutia-se amplamente no interior do partido todas as posições, nos seus organismos (núcleos de base, direções regionais e nacional), aí cada um expressava sua individualidade, defendendo sua posição. Mas, depois que votava por maioria, todos eram obrigados a defender a posição majoritária, inclusive a minoria que se subordinava à maioria.

Este tipo de funcionamento se mostrou, historicamente, como o único que permitiu construir um partido disciplinado ao mesmo tempo em que era superdemocrático. Era a única estrutura que permitia que a base controlasse seus dirigentes, já que tinha um funcionamento regular de toda a vida interna partidária, em que os seus membros, do mais novo ao mais antigo, tinham os mesmos deveres e direitos.

O Partido Bolchevique (leninista), definiu uma linha de transformar a guerra imperialista em guerra civil, as armas dos soldados deveriam voltar-se contra sua própria burguesia e não matar seus companheiros de outros países. Essa orientação revolucionária mudou a face do mundo. De alguns milhares de militantes, o partido bolchevique chegou a ter centenas de milhares, o que permitiu conduzir os trabalhadores ao poder, na Rússia em outubro de 1917.

À diferença do partido social-democrata alemão, em que estavam juntos, no partido, revolucionários e reformistas, na Rússia, o bolchevismo construiu-se numa luta feroz contra todos os reformistas e oportunistas. Não aceitou formar um mesmo partido com os reformistas e rompeu com eles, formando dois partidos (menchevique, minoria, e bolchevique, maioria). A existência desse partido revolucionário deu uma dinâmica oposta à que ocorreu na Alemanha. Aí, os reformistas predominaram e derrotaram a revolução. Na Rússia, os operários conseguiram arrancar o poder da burguesia, destruí-lo e formaram um novo governo revolucionário, apoiado nos Soviets (conselhos de operários, soldados e camponeses), que passaram a governar o país.

Ascenção e queda do PT confirma regra histórica

A chegada de Lula na presidência realizou um “sonho” de milhões de trabalhadores: mudar o Brasil sem uma revolução. Fazer tudo tranqüila e pacificamente, com o apoio dos ricos. Tudo pelo voto, do Lula-lá. Esse sonho (ilusão, na verdade) foi acalentado pela direção do PT nos últimos 25 anos. Entretanto, a crise do mensalão acabou com essas ilusões e levou ao fim do PT como partido operário.

O PT nunca foi um partido revolucionário, marxista, mas cumpriu um papel progressivo ao garantir a independência política da classe trabalhadora brasileira. Nucleou milhares de ativistas da esquerda, cujo centro da ação era a luta direta.

Lula converteu-se em grande figura do PT dirigindo as greves dos metalúrgicos do ABC. O PT surgiu defendendo um governo dos trabalhadores e, quando participava das eleições, atuava com um critério classista: “Trabalhador vota em trabalhador” ou “Vote no 3 que o resto é burguês”.

Em poucos anos, a direção burocrática do PT destroçou todo classismo e democracia que havia nesse partido. Com a eleição de muitos parlamentares, prefeitos, governadores, o PT abandonou as trincheiras da luta de classes para refugiar-se nos gabinetes do Parlamento.

A participação nas eleições converteu-se em estratégia permanente. Surgiram as coligações com partidos burgueses e passou a receber dinheiro dos empresários. Abandonou a luta pelo socialismo e descobriram que a “democracia” burguesa já não era um tipo de Estado que servia à burguesia e sim que tinha um “valor universal”.

Lula se mostrou como o melhor aluno do imperialismo e dos patrões. Este grande giro neoliberal se produziu sem que a base do PT opinasse. Também, o dinheiro que corrompeu a base parlamentar governista foi todo manejado por um punhado de dirigentes do PT, incluído Lula, sem que sua base soubesse o que estava se passando.

Isso demonstra mais uma vez que o tipo de partido de filiados, reformista, é antidemocrático e serve para legitimar a dominação burguesa e sua falsa “democracia”. A aparente democracia, com tendências permanentes, encobre o controle ditatorial desse partido pela cúpula burocrática. Diz-se que todos os filiados têm os mesmos direitos, mas ao não dar uma organicidade à base, sempre quem decide são os caciques e parlamentares.

P-SOL cai no mesmo erro estratégico do PT

A expulsão dos parlamentares petistas poderia ter gerado um amplo processo de reorganização política nacional, construindo um partido marxista revolucionário com milhares dos melhores ativistas da classe trabalhadora brasileira.
Infelizmente tais parlamentares, ao romper as relações com o PSTU, optaram por construir um partido eleitoral em que cada corrente de opinião leva sua linha para o movimento. Criticaram severamente a estrutura leninista de partido.

Muitos companheiros revolucionários, que fazem parte do P-SOL, crêem que é melhor construir um partido amplo, “plural”, com várias correntes internas, cada uma com poder de mando, que reúna revolucionários, reformistas e centristas (promovendo a “unidade das forças revolucionárias existentes”). Crêem assim que farão um partido forte, trabalhando com paciência as diferenças políticas até que haja um convencimento de todos para a saída revolucionária.

Essa é mais uma ilusão que vai se desmoronar nos primeiros choques da luta de classes, fato que já está ocorrendo. Não houve, até agora, nenhum problema importante da luta de classes que o P-SOL respondesse de forma unificada. No movimento sindical, uma parte dos militantes defende romper com a CUT e construir a Conlutas. Outra defende manter-se na CUT e, recentemente, uma parte considerável da Executiva Nacional da CUT filiou-se ao P-SOL. Na eleição da presidência da Câmara, uma parte dos parlamentares votou nulo e outra votou no governista Aldo Rebelo. No referendo sobre o desarmamento, o partido definiu “não fechar posição”, pois havia gente de bem de um lado e do outro. Isso não impediu que a maioria dos parlamentares do P-SOL apoiasse o Sim.

Esses exemplos demonstram que, quando os revolucionários se juntam com reformistas em um mesmo partido, o programa que prevalece é o reformista. Os reformistas jamais aceitaram o programa revolucionário enquanto, invariavelmente, o revolucionário rebaixa seu programa para garantir a “unidade” com os reformistas.

No afã de tornar-se rapidamente um grande partido eleitoral, o P-SOL reproduz os mesmos desvios do PT: estratégia eleitoralista e programa subordinado à democracia burguesa. Reproduz, também, a estrutura do partido reformista: frente de tendências contrapostas, apoiada em filiados, cujo objetivo é eleger parlamentares.

Os revolucionários que estão no P-SOL está desperdiçam uma oportunidade histórica de construir, junto com o PSTU, um forte partido revolucionário leninista, implantado na classe operária, formado por militantes ativos. Essa união em um partido leninista atrairia vários milhares de ativistas, o que multiplicaria a força de tal organização, produto da unidade entre verdadeiros revolucionários.

Post author Nazareno Godeiro, de Contagem (MG)
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