Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST) afirmou aos trabalhadores que tanto o chavismo quanto a oposição golpista não representam alternativaConfusão e atrasos marcaram as eleições para governadores, prefeitos e vereadores na Venezuela no último domingo. Os setores mais pobres da população, que garantiram a resistência ao golpe de 2002 e que costumam dar grandes votações ao presidente Hugo Chávez, até o início da tarde ainda registravam altos índices de abstenção. Isso teria motivado um esforço do PSUV na reta final, para levar as pessoas a votar. Justificado pelos atrasos, o final da votação foi prorrogado em cinco horas. No plebiscito de 2007, um amplo setor da população mais carente deixou de ir às urnas, num primeiro grande sinal de desgaste do chavismo.

No final da tarde desta segunda-feira, foram divulgados os primeiros resultados oficiais que confirmam a maioria dos governos para o PSUV. A oposição burguesa, contudo, levou a prefeitura da capital Caracas e outras importantes como Zulia e Nova Esparta. A direita golpista ganhou também o governo do estado de Miranda, reduto de Diosdado Cabello, representante da boliburguesia.

A Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST), seção venezuelana da LIT-QI, divulgou uma nota antes das eleições chamando o voto nulo na maioria das cidades, por entender que nem a burguesia golpista nem o PSUV representam os trabalhadores e o povo do país. Abaixo, publicamos a íntegra do texto.

DECLARAÇÃO SOBRE AS ELEIÇÕES DE 23 DE NOVEMBRO NA VENEZUELA

Aproximam-se as eleições de 23 de novembro. Enquanto o PSUV e a oposição burguesa brigam para eleger governadores, deputados estaduais, prefeitos e conselheiros municipais, os trabalhadores e o povo sentem na própria carne a piora de suas condições de vida e de trabalho: a inflação galopante come os salários, o desemprego e o trabalho precário proliferam-se como uma praga, a falta de moradia continua sendo uma realidade e a saúde e a educação públicas pioram a cada dia.

Não votar na oposição burguesa
Antes de mais nada, a Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST) afirma a todos os trabalhadores decepcionados com o governo Chávez e suas promessas não cumpridas que votar nos candidatos dos partidos da burguesia golpista e pró-imperialista – como Pimeira Justiça, Um Novo Tempo, Projeto Venezuela, Ação Democrática, Copei e outros pequenos partidos burgueses de oposição – não representa nenhuma alternativa. Pelo contrário, só serviria para ressuscitar a velha oligarquia e o regime de Ponto Fixo mascarado e renovado.

Podemos, MAS, Causa R e Bandeira Vermelha tampouco representam uma opção para os trabalhadores, não passando de variantes diretamente burguesas e de conciliação de classes. Castigar o governo nacional votando nestes partidos seria um castigo que voltaria, mais cedo ou mais tarde, como um bumerangue contra os próprios trabalhadores.

Qual seria, então, a alternativa nas eleições de 23 de novembro? Para responder a esta pergunta, é necessário fazer primeiro uma análise destes dez anos de chavismo.

Socialismo do século 21 ou capitalismo?
Chávez diz que está construindo na Venezuela o socialismo do século 21. Em seus discursos, o presidente da República vocifera contra o capitalismo, o imperialismo e a burguesia esquálida. Mas socialismo não é somente um discurso radical. A propaganda pura não enche a barriga de ninguém. Como nos ensinou Marx, o critério da verdade é a prática.

Socialismo é, sobretudo, a produção e a distribuição da riqueza social de acordo com os interesses e as necessidades dos verdadeiros produtores, os trabalhadores. é a expropriação sem indenização da burguesia e o controle operários das fábricas, do comércio, dos bancos e da terra. Ou seja, no socialismo, os trabalhadores e o povo deveriam ser os senhores do destino do país e de seus próprios destinos, comer e viver melhor. Porém não é nada disto que acontece hoje na Venezuela.

Depois de dez anos de chavismo, os trabalhadores e o povo venezuelano não obtiveram nenhuma conquista econômica e social significativa. Pelo contrário, nos últimos dois anos começaram a sentir uma dura piora de suas condições de vida. Hoje, o salário mínimo está em 799,23 bolívares fortes. Não chega nem sequer para a cesta básica oficial do Instituto Nacional de Estatística (INE) que se encontra em 802,50 bolívares fortes.

Tampouco se conseguiu o pleno emprego: a taxa de desemprego oficial segue em torno de 7%. A terceirização e a subcontratação através de cooperativas e o trabalho informal são uma realidade inquestionável para a metade dos trabalhadores. Inclusive na administração pública e nas empresas estatais, a subcontratação é uma realidade vivida por milhares de empregados e operários, o que desnuda a própria hipocrisia de um governo que promete acabar com a terceirização e com o trabalho precário nas empresas privadas.

Enquanto foram publicadas nos últimos anos inúmeras leis, a redução da jornada de trabalho para 36 horas foi, uma vez mais, deixada para um futuro indefinido e uma Lei de Segurança Nacional que garanta o reconhecimento das doenças do trabalho e o direito a uma aposentadoria digna a todos, financiada pelo Estado, não passa de ficção literária.

Por outro lado, a grande vitrine das políticas sociais do governo, as missões, em vez de serem utilizadas como um mecanismo gerador de empregos e políticas públicas estruturais, são, de fato, uma política de subsídios que se limita cada vez mais a medidas esmoleiras e clientelistas para os setores mais pobres da população, não deixando nada a dever para as políticas sociais compensatórias do neoliberalismo ao limitar-se, principalmente, a subsidiar a compra e a distribuição de alimentos, através de Mercal e Pdval, e repartir somas que oscilam em torno de meio salário mínimo. Entretanto, o pleno emprego, o fim do absurdo déficit de moradias, a universalização da saúde e da educação públicas, gratuitas e de qualidade continuam sendo um sonho para os venezuelanos.

Enquanto os trabalhadores vivem pior, a burguesia chora de barriga cheia
Não é verdade que todos perdem com a inflação. A burguesia venezuelana está ganhando muito, tanto com a inflação quanto com a generosa política econômica do governo. Senão vejamos.

O Índice de Preços ao Consumidor de Caracas (IPC) foi de 39% entre agosto de 2007 e o mesmo mês de 2008. a população mais pobre é a mais afetada. Para essa, os preços subiram 36,6%, enquanto para a classe média a inflação foi de 35,5% e para os mais ricos foi somente de 32,8%. Esta situação se deve, sobretudo, à alta dos preços dos alimentos.

Em um ano, o próprio governo autorizou aumento de preços dos alimentos em mais de trinta vezes e decidiu excluir do controle de preços produtos como farinha de trigo, leite longa vida, ovos, bisteca e pernil de porco, atum, mortadela, aveia e sal.

Ao mesmo tempo, a burguesia foi agasalhada com um generoso plano de subsídios e investimentos do Estado. Com o “Revigoramento Produtivo”, foi acelerada a entrega de dólares para a importação de alimentos pelo sistema de pagamento a vista, do qual já participam importadores de trigo, oleaginosas, lácteos, carne de gado e o setor avícola. E se decidiu liberar do pagamento de impostos as empresas importadoras, assim como libera-las da obrigação de apresentar ante o Cadivi os certificados de não produção ou de produção insuficiente. Também se liberou estas empresas de solicitar as solvências de organismos públicos, como o Instituto Venezuelano de Seguros Sociais e a regularidade com a contribuição ao Regime de Prestações de Moradia e Habitação.

“Austeridade e economia” para enfrentar a crise mundial ou para fazer com que os trabalhadores paguem pela crise?
A grave crise da economia mundial, que já pôs em recessão Estados Unidos e Europa e derrubou os preços do petróleo abaixo de 60 dólares. Enquanto há afirmações contundentes de que esta não vai nos atingir com força, que temos um colchão de segurança com as reservas internacionais do país de 38 milhões de dólares, o próprio governo nacional anuncia cortes no orçamento de 2009 que afetarão todas as áreas.

O Comitê Central de Planificação do governo, reunido em 18 de setembro, nas palavras de Ramón Carrizález, vice-presidente da República, definiu que o Orçamento Nacional 2009 terá como linha principal a austeridade. O mesmo assinalou, segundo o jornal Últimas Noticias de 19 de setembro: “todos os organismos e instituições do Estado deverão apegar-se a esta medida de austeridade e economia” para “enfrentar a crise mundial”.

O que significará austeridade e economia para enfrentar a crise mundial? Significará cortes de verbas nas áreas sociais, mais aumento de preços e arrocho salarial para manter as reservas em dólares do país, controlas o dólar paralelo através do aumento da dívida pública e socorrer a bolsa em caso de quebra iminente. Neste marco, tanto o governo quanto a burguiesia esquálida têm um grande acordo: aprofundar as medidas do chamado “Revigoramento Produtivo” para que os trabalhadores paguem o preço da crise.

Os trabalhadores devem rechaçar as leis e medidas autoritárias do governo
A presidência da República anunciou em 31 de julho a publicação de 26 novas leis. Ao contrário do que disse a burguesia golpista, não há nestas lei nenhum ataque à propriedade privada. Esta continua sendo respeitada, inclusive quando se nacionaliza um banco, como o Banco da Venezuela, ou empresas, como Sidor e Cemex, pois a nacionalização vem acompanhada de uma gorda indenização.

Se o objetivo fundamental das leis não é atacar a propriedade privada, qual seria, então, o eixo das 26 leis?

Em primeiro lugar, Chávez precisa de uma retaguarda institucional de conteúdo bonapartista, ou seja, que fortaleça seu poder pessoal como centro de decisões do governo e limite as liberdades democráticas, para não para enfrentar uma nova tentativa de golpe ou um atentado, mas para prevenir-se de um grande ascenso de lutas operárias que tome o país e desestabilize seu governo. Isto era, inclusive, o conteúdo da reforma constitucional derrotada no referendo de 2 de dezembro de 2007. vejamos, então, se é assim ou não.

A lei sobre o Acesso a bens e serviços é um grave ataque à liberdade de manifestação e ao direito de greve. Esta lei, em seu artigo 139, afirma: “quem, conjunta ou separadamente, desenvolver o levar a cabo ações que incorram em omissões, que impeçam, de maneira direta ou indireta a produção, fabricação, importação, coleta, transporte, distribuição e comercialização de bem declarados de primeira necessidade, serão sancionados com prisão de seis (6) a dez (10) anos”. No artigo 147 da mesma lei, se lê: “Serão aumentadas em dobro as penas estabelecidas para as condutas tipificadas no presente capítulo quando estas tiverem por objeto a segurança integral da nação, desestabilizar as instituições democráticas ou gerarem alarmes que ameacem a paz social”.

As medidas acima mencionadas não são simplesmente para reprimir a direita golpista e suas conspirações. Nada garante que as mesmas não possam ser utilizadas contra o movimento de massas se este, ao lançar-se à luta em defesa de suas condições de vida e trabalho, ameace a “paz social”.

Com a lei da Força Armada Nacional, fica cada vez mais claro o caráter bonapartista do governo, na medida em que pese a sua retórica socialista, a principal instituição do regime político chavista não é nem o parlamento, muito menos as organizações operárias e populares, mas as Forças Armadas de um Estado burguês.

Vale destacar aqui, ainda, a questão da milícia. A milícia não será simplesmente uma instituição militar a mais, mas a instituição designada para controlar os conselhos comunais e os movimentos populares, inclusive com a utilização da inteligência militar.

Por último, a Lei da Administração Pública permite que a presidência da República possa interferir de forma direta ou governar sobre os governadores e prefeitos, designando autoridades com plenos poderes outorgados pelo Executivo central.

A UST não confunde a necessária repressão contra a burguesia golpista com a limitação das liberdades democráticas dos trabalhadores e do povo. Os trabalhadores, da mesma maneira que estiveram na vanguarda da heróica mobilização que derrotou o golpe de 11 de abril e a greve dos patrões do petróleo, não podem deixar-se enganar por estas leis. É necessário denuncias seu conteúdo e exigir, através dos sindicatos e organizações populares, sua revogação.

Não votar nos candidatos do PSUV
O PSUV não tem nada a ver com um partido socialista de trabalhadores. Trata-se de um partido burguês, dirigido e controlado por uma burocracia alheia às esperanças do povo, que impede seus militantes de base de definir, na prática, a política e os candidatos do partido. Este aparato eleitoral tem como único objetivo controlar, paralisar e desmoralizar as lutas e organizações independentes dos trabalhadores.

A burocracia que dirige o PSUV ocupa postos chave no governo e está envolvida em negócios de importações com setores da velha oligarquia e com a concessão da exploração do petróleo venezuelano por empresas transnacionais. Ela está se transformando numa nova burguesia a partir do controle das instituições estatais, da corrupção e de negócios multimilionários.

Da mesma forma, Pátria Para Todos e o Partido “Comunista”, ainda que tenham apresentado candidaturas próprias em alguns estados e municípios, seguem subordinados ao governo e ao aparato do PSUV, tampouco merecem confiança.

Muitos trabalhadores descontentes com o governo Chávez, apesar de sua decepção, afirmam que votar nos candidatos do chavismo significa votar no mal menor, considerando que o triunfo e retorno dos partidos e candidatos da burguesia golpista seriam o mal maior. Nestas eleições, não existe o mal menor. A vitória do PSUV também representará a aplicação de uma política econômica e social que só servirá para aprofundar os problemas estruturais do país e jogar nas costas dos trabalhadores o peso da crise.

Por tudo isso, nas eleições de 23 de novembro, o único voto de classe, independente do governo e dos partidos burgueses de oposição é o voto nulo. Esta é a melhor forma de castigar o chavismo por suas promessas não-cumpridas, suas medidas pró-capitalistas e antidemocráticas e castigar a oposição burguesa por ter submetido durante décadas os trabalhadores venezuelanos a uma situação de miséria e exclusão.

Em defesa da autonomia sindical e da unificação das lutas dos trabalhadores
A classe trabalhadora venezuelana se destaca por ser uma das mais lutadoras do mundo. Nestes últimos anos, conseguiu derrotar através de sua ação direta um golpe pró-imperialista e um locaute impulsionado por esta mesma burguesia golpista. Entretanto, depois da capitulação da velha Central de Trabalhadores Venezuelanos à burguesia golpista, até hoje não se conseguiu construir uma nova central sindical capaz de manter-se completamente independente da burguesia e do governo.

A União Nacional de Trabalhadores, que poderia ter sido esta alternativa, ficou paralisada depois do boicote de 2002-2003 devido à intervenção dos agentes do governo em seu interior. Se, por um lado, é verdade que o governo não conseguiu transformar a Unete numa central oficialista, por outro lado, a colocou numa profunda crise. Agora, as correntes mais governistas no interior da Unete resolveram romper e fundar a Central Socialista de Trabalhadores, numa nova tentativa de controlar o movimento operário.

O único modo de evitar que a Unete siga paralisada e fragmentada e para que esta se ponha à vanguarda da reunificação do movimento operário venezuelano é através da convocação imediata de um congresso nacional precedido por congressos regionais baseados nos princípios da independência de classe e da democracia operária.

Estes congressos devem traçar um plano nacional de luta unificado que priorize a ação direta (atos, marchas, greves, entre outros) para defender os direitos trabalhistas e sociais e alcançar novas conquistas. Do mesmo modo, devem rechaçar a conciliação com os exploradores, manifestar a mais completa independência frente ao governo Chávez e afirmar a estratégia da revolução operária e socialista.

Estas ou quaisquer outras decisões não podem ser tomadas pelas cúpulas das correntes que agora constituem a Unete. Os congressos não podem ser jogos de cartas marcadas. Para estes congressos, devem eleger-se delegados de base em cada fábrica e local de trabalho numa proporção que permita a mais ampla participação desde as grandes empresas privadas e estatais até as mais pequenas. As bases e não as cúpulas devem decidir os rumos da Unete.

Por um partido dos trabalhadores: independente, revolucionário e socialista
Desde que Chávez chegou à presidência da República, as mais importantes organizações políticas que dizem representar os interesses dos trabalhadores, a revolução operária e o socialismo capitularam ao chavismo, se transformaram em seus apêndices, dentro ou fora do PSUV. Outras organizações que se diziam operárias e socialistas, ao colocarem-se na oposição, acabaram aliando-se à burguesia golpista e seus partidos em nome das “liberdades democráticas”.

Se a libertação dos trabalhadores será obra dos trabalhadores próprios e não de nenhum burguês “progressista”, comandante “socialista” ou burocrata sindical de “esquerda”, a grande conclusão que os trabalhadores venezuelanos devem tirar da falta de alternativa destas eleições é a necessidade de construir um partido de trabalhadores revolucionário e socialista, que seja independente da burguesia golpista e do governo Chávez. Um partido que seja capaz de colocar-se à frente das lutas, que não vacile em colocar as reivindicações da classe operária, contra os patrões privados ou públicos, e tenha como estratégia a luta por um governo dos trabalhadores e do povo, sem burgueses, sem burocratas e sem corruptos.

  • Nem votar na oposição burguesa, nem votar nos candidatos do PSUV.
  • Votar nulo!
  • Contra o aumento do custo de vida, em defesa do emprego, do salário e da independência de classe dos trabalhadores.

    Unidade Socialista dos Trabalhadores (UST), seção venezuelana da LIT-QI
    Caracas, novembro de 2008