“Todos financiam a repressão policial da ditadura, pagam os carrascos da OBAN (Operação Bandeirantes) e dão prêmios de milhões de cruzeiros por cada guerrilheiro assassinado” (ALN na quinta edição de seu jornal “Venceremos”)

A atuação e a colaboração de várias empresas na repressão política durante a ditadura militar continuam a ser investigadas pela Comissão da Verdade do Estado de São Paulo “Rubens Paiva”, coordenada pelo deputado Adriano Diogo (PT), em parceria com o Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação.

A Comissão realizou, na sexta-feira, 27 de fevereiro, e segunda, 2 de março, audiências públicas que demonstraram a participação de direções de empresas como Volkswagen, antiga Cobrasma (Companhia Brasileira de Materiais Ferroviários) e do Metrô de São Paulo na colaboração com a repressão na época da ditadura.

Repressão à greve da Cobrasma
Durante a Audiência Pública, antigos trabalhadores da Cobrasma disseram que a empresa colaborou com o regime militar, principalmente durante a repressão à greve de julho de 1968, em Osasco (SP). Houve prisões e tortura dos líderes do movimento e de trabalhadores grevistas. O Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região (Sindmetal) sofreu várias e fortes intervenções. Pouco depois da greve, 600 foram presos por participação no movimento.

Dirigentes da empresa forneceram aos agentes do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), os nomes das pessoas que organizaram ou participaram da greve.

Volkswagen: Tradição de colaboração com ditaduras
Na Volks, os trabalhadores ouvidos durante a audiência disseram que parte da diretoria da empresa era composta por militares. A montadora mantinha também uma lista com nomes de trabalhadores sindicalizados, que repassava aos agentes da ditadura. Documentos com a identificação dos empregados, os endereços pessoais (que só eram conhecidos pela empresa) e até o setor em que trabalhavam foram encontrados nos arquivos do Dops.

Os trabalhadores demitidos da Volks não conseguiam outro emprego porque seus nomes constavam destas listas. Além disso, a empresa fazia parte de um centro de controle em que trocava informações sobre os trabalhadores com outras empresas, do ABC e do Vale do Paraíba.

Lucio Bellentani, que trabalhou como ferramenteiro da Volks e militava no PCB, disse que foi preso e torturado dentro da empresa. “Cerca de 22 prisões foram feitas, todas efetuadas dentro da Volks, com auxílio da segurança da Volks. E todos os que chegavam lá iam para acareação e para sessões de tortura”, relata.

Metrô de São Paulo passava informações para o DOPS
Na segunda- feira, 2 de março, Alexandre Carvalho Leme, da Secretaria de Relações Intersindicais do PSTU, apresentou um levantamento histórico da situação da repressão aos trabalhadores do Metrô, onde demonstrou a prática da empresa na repressão mais recente aos trabalhadores do Metrô e sua colaboração com os aparatos de repressão da época da ditadura.

Documentos do DOPS demonstram que este vigiou constantemente as atividades dos metroviários com informações partiam de dentro da companhia “Queremos saber quem passou estas informações e por quê“, disse. “A impunidade é um dos principais elementos da arbitrariedade, ela é a base para a direção do Metrô continuar com a repressão ao direito de organização e luta dos metroviários até hoje”, concluiu. O ex-dirigente do sindicato, Wagner Gomes, contou como ocorreu a intervenção na entidade na greve de 83 e concluiu: “Não tenho dúvidas de que pessoas ligadas à repressão continuam em estatais até hoje“.

Paulo Roberto Guardia Soler, dirigente da greve de 1983, contou que foi demitido juntamente com outros 357 funcionários.

Fundo para reparação aos danos causados pela ditadura
O Fórum de Trabalhadores e Trabalhadoras por Verdade, Justiça e Reparação apresentaram a reivindicação de que, entre outras coisas, os empresários e empresas privadas e estatais sejam investigados, denunciados e punidos por colaboração com a ditadura militar. E que seja instituído um fundo, mantido com multas e punições a essas empresas e empresários, para reparação dos danos provocados aos trabalhadores e organizações sindicais na época.

O documento foi entregue a Rosa Cardoso, ex-membro da Comissão Nacional da Verdade, que ficou de se mobilizar para encaminhar essas reivindicações ao governo, mesmo após o fim dos trabalhos da CNV.

Expropriação das grandes empresas que financiaram a ditadura
No Brasil, nenhum torturador da época da ditadura foi punido. Mas não somente eles, as empresas, principalmente as multinacionais, que lucraram rios de dinheiro durante a ditadura, literalmente sobre as lágrimas, suor e sangue da classe trabalhadora, continuam ganhando muito dinheiro até hoje envolvidas em escândalos de corrupção.

Empresas como: Siemens, que teve uma “expansão frenética” durante o “milagre econômico”, e continua envolvida em grandes escândalos de corrupção, como com o governo de São Paulo, de Geraldo Alckmin (PSDB). O Grupo Ultra, que teve a frente Henning Albert Boilesen, o empresário-torturador, hoje é um dos maiores grupos empresariais do Brasil. Multinacionais como a Volkswagen, Ford, Mercedes-Benz e General Motors, que estiveram também diretamente envolvidas no patrocínio da sangrenta OBAN são beneficiadas com isenções de impostos.

Empreiteiras como a OAS, ligada a Antônio Carlos Magalhães, político símbolo da ditadura na Bahia; Camargo Correia, “a maior empreiteira do regime militar, a mais vinculada com o projeto da ditadura” ; e Odebrecht ajudada pelos ditadores Médici e Geisel “Quando Geisel assume a presidência da Petrobras, ainda no Governo Médici, ele passa a contratar sistematicamente a Odebrecht; quando assume a residência do país [1974-1979], a empresa dá um salto” (Como mostra a tese de Pós-Graduação da Universidade Federal Fluminense, “A Ditadura dos Empreiteiros – as empresas nacionais da construção pesada, suas formas associativas e o Estado ditatorial brasileiro 1964-1985″ de Pedro Henrique Campos), envolvidas atualmente nos escândalos denunciados pela Operação Lava Jato; e as Organizações Globo que tiveram um “empurrãozinho” do ditador marechal  Castelo Branco que permitiu a venda ilegal (vedada pela constituição) das ações da empresa de Roberto Marinho para a corporação americana Time-Life por 6 milhões de dólares, dinheiro destinado à compra de equipamentos.

O governo brasileiro deveria punir as empresas que financiaram e lucraram com a ditadura. Empresas que, além de financiar a repressão, delatavam às autoridades o operário que ousasse organizar uma greve ou que se insurgia contra a repressão.

Com o confisco parcial dos bens das empresas que lucraram e enriqueceram com a ditadura, através de multas e punições pecuniárias, este capital pode ser utilizadas para fazer um Fundo de Indenizações, que serviria para subsidiar as reparações financeiras dos anistiados políticos (livrando o Estado deste ônus) e as reparações materiais que fossem necessárias.

Na Alemanha, se instituíram vários fundos de reparação as vítimas no nazismo. Entre eles: o Holocaust Victims Compensation Fund para vítimas judias do nazismo que fugiram dos nazistas; o Fund for Victims of Medical Experiments and Other Injuries Application, para as vítimas das experiências médicas e outras lesões; mas também o Hardship Fund, que visa a reparação para vítimas judias do nazismo que emigraram de países do bloco soviético; e o Program for Former Slave and Forced Laborers para as pessoas obrigadas a realizar o trabalho num campo de concentração ou em um gueto, ou um lugar semelhante de encarceramento em condições comparáveis.

Hugo Boss, filiado ao partido nazista, o estilista preferido de Hitler que confeccionou os uniformes negros das SS (Schutzstaffel) e de outras agremiações nazistas, utilizou-se de mão-de-obra escrava durante guerra, a maioria mulheres que trabalhavam 12 horas por dia. Após o término da guerra, foi multado em 80 mil marcos e condenado a indenizar as famílias dos trabalhadores forçados e privado de seus direitos civis.

No Brasil podíamos seguir o exemplo alemão e instituir fundos de reparação montados pelas grandes multinacionais que lucraram com a ditadura instaurada em 1964, para reparar e indenizar trabalhadores e operários que foram demitidos, presos ou torturados pelos agentes do Estado.

Estas empresas ganharam muito durante a ditadura e continuam ganhando muito até hoje. Para se fazer Justiça é muito importante restabelecer a memória, mas também é necessário punição e reparação, tanto dos agentes do Estado que cometeram crimes, mas também das empresas que patrocinaram e financiaram o golpe e a ditadura que se instalou no país.