Na segunda-feira, 2 de fevereiro, as redes de televisão abriram espaço para mostrar cenas geralmente associadas às comunidades carentes e favelas do Rio de Janeiro ou às regiões de guerra, como a Faixa de Gaza: veículos blindados atropelando barricadas montadas com carros em chamas, casas e lojas destruídas, tiros e gente desesperada correndo para todos os lados.

Mas as cenas chamaram mais atenção do que o “normal” porque se passavam em Paraisópolis, a segunda maior favela de São Paulo (com cerca de 80 mil moradores). A comunidade fica dentro de um dos bairros mais luxuosos de São Paulo, o Morumbi, residência de estrelas televisivas, políticos endinheirados e de uma razoável parcela da burguesia que ainda não migrou para os condomínios fechados localizados fora da cidade.

Seja pela violência inesperada, seja pela localização, o fato tomou proporções nacionais e não demorou um segundo para que a imprensa usasse e abusasse de seu preconceito de classe para qualificar o episódio como uma explosão de “vandalismo”, impulsionada por “arruaceiros” e “delinqüentes”. Todos, muito provavelmente, atuando a mando da bandidagem local.

O fato é que a violência policial foi enorme e a repressão continua. Vários foram feridos com balas de borracha, nove pessoas (apenas uma delas “fichada”) foram presas, um toque de recolher foi imposto ao bairro e, desde então, cerca de 300 policiais fortemente armados tomaram a região.

Vivendo no inferno…
A versão da polícia e da maioria da imprensa é “simples”. A enorme violência empregada foi necessária porque todos os moradores envolvidos teriam agido de acordo com uma ordem do Primeiro Comando da Capital, o PCC, em resposta à morte, no final de semana anterior, de um foragido da cadeia e à prisão de Antonio Galdino, cunhado do líder local do Comando.

Já os residentes de Paraisópolis, inclusive o presidente da Associação de Moradores, Gilson Rodrigues, apontaram outros motivos para a revolta. Muitos falam na inocência de um dos mortos. Outros apontam o ódio da população contra a atuação da polícia na região, particularmente de dois policiais conhecidos como “Zóio Roxo” e “Raio”, que se dizem “os donos da favela”. Um fato que tem motivado, há mais de quatro meses, a mobilização da comunidade que, sem sucesso, tenta tirar os dois das ruas.

Do nosso ponto de vista, assim como não há “motivos” que justifiquem a ação repressiva da polícia contra a população pobre, sobram razões para a comunidade se revolte. Particularmente em locais como Paraisópolis.

Na região, uma das mais pobres de São Paulo, seis em cada dez moradores têm menos de 25 anos de idade e o índice oficial de desemprego é de 25%.

Uma situação criada pela mesma burguesia que, hoje, teme seus vizinhos incômodos. Habitada desde os anos 1920 por trabalhadores da construção civil, Paraisópolis cresceu nos anos 1950, quando a alta burguesia paulista começou a se deslocar para o local e precisava de mão-de-obra para construir e manter suas gigantescas mansões.

Como conseqüência, 78% dos trabalhadores que têm emprego fixo trabalham para os milionários que os cercam. A grande maioria é de garçons, babás e empregadas domésticas, trabalhos para lá de dignos, mas que fazem com que a média salarial seja pouco maior que R$ 600 e 47% dos moradores ganhem até dois salários mínimos.

Além disso, metade dos moradores só têm o ensino fundamental. Dados de ONGs instaladas na comunidade indicam que 5 mil crianças estão fora da escola e 15 mil moradores não sabem ler ou escrever. Se isso não bastasse, apenas um quinto das ruas tem esgoto, mais de metade delas é de terra batida e a energia só chega através de “gatos”.

Enquanto isso, apenas para se ter uma idéia do abismo que separa esses moradores de seus vizinhos, basta dizer que a média de uma mensalidade escolar numa escola “razoável” do Morumbi não sai por menos de R$ 1.300.

…cercados pelo inferno
Num quadro como esse, não causa surpresa uma explosão de violência, mais cedo ou mais tarde. E não foram poucos que fizeram essa comparação com o Rio de Janeiro, onde na mesma semana a polícia assassinou dez moradores em três diferentes comunidades.

De fato, há semelhanças com o Rio. Diferentemente da maioria das favelas paulistanas, localizadas na periferia e longe dos olhos da classe média, Paraisópolis, assim como as comunidades cariocas da Rocinha, do Cantagalo e da Dona Marta, está encravada no meio de um dos bairros mais “chiques” da cidade.

A repressão em Paraisópolis mostra que a burguesia de São Paulo também adotou a nova política de segurança pública aplicada pelo governo do Rio de Janeiro e pelo governo federal. O PAC da Segurança é baseado no aumento da repressão policial, na criminalização da pobreza e dos movimentos sociais. Foi declarada uma verdadeira “guerra” contra as populações mais carentes.

Paraisópolis, Rocinha, Cantagalo têm em comum serem lugares com “vista privilegiada” para o gigantesco abismo social que permite a vida escandalosamente luxuosa de um punhado de “bacanas” às custas da exploração e opressão de milhões de jovens e trabalhadores. Que, ainda por cima, têm que viver em meio à criminalidade e toda a violência que a acompanha.

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