A criminalização dos movimentos sociais no Paraguai se agrava com a recente ordem de prisão do dirigente social e político, Tomas Zayas, um conselheiro municipal e três camponeses, indiciados por “tentativa de homicídio e associação criminosa”. Essas denúncias se devem ao conflito que se desenvolve há três anos pelas intensas fumigações com agrotóxicos que sofre a comunidade Leopoldo Perrier, de San Cristóbal, no Alto Paraná, Paraguai. Tomas Zayas é dirigente da Asagrapa (Associação de Agricultores do Alto Paraná), da CNOCIP (Central Nacional de Organizações Camponesas, Indígenas e Populares) e, além disso, é candidato a senador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) nas eleições de 20 de abril próximo.

A Asagrapa é uma organização camponesa que atua numa das principais zonas de produção de soja transgênica do Paraguai. As comunidades camponesas dessas zonas vivem rodeadas de imensas plantações de soja e estão altamente expostas às fumigações intensivas com agrotóxicos aplicados nas monoculturas de grande escala. Asagrapa é uma das principais organizações da região e acompanha a luta pela terra, a reivindicação da reforma agrária integral e os direitos das comunidades camponesas. Nesse contexto, lançou a campanha “Parem de fumigar, em defesa das comunidades e da vida”, iniciada em dezembro de 2007.

Na comunidade camponesa Leopoldo Perrier, a contaminação da população com agrotóxicos chegou a um ponto crítico quando, em agosto de 2007, morreu o menino Jesús Jiménez, de três anos, depois de intensas fumigações. A população e os pais do menino denunciaram a falta de diagnóstico no momento de sua morte (jornal La Nación, 18/10/2007). Como a intoxicação com agrotóxicos foi negada pelos produtores de soja, as organizações conseguiram impulsionar uma ordem judicial para a axumação do corpo para necropsia e a realização de um diagnóstico socioambiental da comunidade por parte de três instituições estatais. A necropsia demonstrou que havia altos níveis de agrotóxicos no corpo.

Em fevereiro deste ano, em pleno ciclo de cultivo e fumigação , a população afetada resistiu, mobilizando-se de forma pacífica. Por causa desta mobilização, os fiscais indiciaram, recentemente, quatro pessoas. Três delas são parentes do menino, sócios da Asagrapa, e o dirigente da entidade, Tomas Zayas. A fiscalização chegou a alegar que os mesmos conformaram uma associação criminosa e fizeram uma tentativa de homicídio, por suposto disparo de arma de fogo para cima. Os moradores indicaram que Zayas nem esteve presente na mobilização e que não houve disparos de arma de fogo.

O ocorrido ao menino Jesús Jiménez não é um fato isolado. Em diversas ocasiões, foi denunciado como as fumigações causam graves problemas nas comunidades. Informes da imprensa local indicam que na comunidade Leopoldo Perrier os produtores de soja “não respeitam as faixas de cultivo estabelecidas por lei com relação aos assentamentos humanos, instituições de ensino e cursos de água” (jornal ABC Color, 1º/11/2007).

Outros informes da imprensa dão conta que “as aulas podem ser suspensas nos dias de fumigação a vinte metros porque as crianças desmaiam com a inalação. Também estão acontecendo abortos espontâneos (…), morrem peixes, porcos e outros animais”(La Nación, 18/10/2007).

As denúncias dos impactos na população gerados pela monocultura de soja chegaram no nível internacional. O Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas assinalou entre suas observações que “a expansão do cultivo de soja trouxe consigo o uso indiscriminado de agrotóxicos, contaminação da água, desaparecimento de ecossistemas e afetação aos recursos tradicionais alimentícios das comunidades” (Observações finais do CDESC, Conselho Econômico e Social, 2007).

Uma investigação realizada mo mesmo ano nos quatro departamentos de maior produção de soja revelou que nas comunidades estudadas 78% das famílias apresentavam algum problema de saúde ocasionado pelas freqüentes fumigações nas plantações, 63% devido à contaminação da água (Palau et al., 2007).

Na comunidade Leopoldo Perrier, depois das denúncias realizadas, os moradores vivem recebendo constantes ameaças e, inclusive, o intendente municipal intimidou verbalmente a população por causa de sua organização. No entanto, o que aconteceu nessa comunidade está num processo de maior envergadura.

A pressão que as organizações camponesas sofrem por causa da perseguição do Estado, se reflete no informe da observação internacional no Paraguai, que indica como o Executivo concentrou o poder “que com as forças públicas nas mãos, a fiscalização como aliada e a Corte Suprema como garantia de impunidade, impulsionou uma campanha de repressão massiva ao setor camponês, de modo a facilitar e garantir a ampliação da fronteira de soja transgênica” (Missão Internacional de Observação ao Paraguai, Informe 2006). Esta estratégia, que já conta com mais de dois mil dirigentes camponeses indiciados, se baseia em quatro causas para a perseguição [1]:

“1. Vincula-los com a delinqüência comum;
2. a criminalização de seus protestos, prejudicando os conflitos e abrindo causas contra os manifestantes;
3. vincular os camponeses a casos de seqüestros;
4. vincular os camponeses a uma suposta atividade guerrilheira incipiente relacionada principalmente com guerrilhas de longa data, como as colombianas”
(Missão Internacional de Observação ao Paraguai, Informe 2006).

Neste contexto, cabe mencionar os fatos ocorridos no último mês, a prisão de três candidatos da Aliança Patriótica Socialista por terem visitado uma ocupação camponesa, o assassinato em circunstâncias não explicadas de um dirigente político do Movimento Popular Tekojoja, a publicação em vários meios sobre os supostos focos guerrilheiros que estariam aliados a organização camponesas, que, casualmente, também propõem candidaturas para as eleições deste ano.

O governo e os grupos de poder vêm utilizando a fiscalização e todas as ferramentas a sua disposição, atentando contra os direitos políticos e de organização das pessoas. Quanto mais se aproximam as eleições nacionais, mais fatos de violência e criminalização se generalizam contra os setores críticos e de oposição.

Claudia Russer, da Associação de Produtores de Soja, Cereais e Oleaginosas (APS), manifestou, numa entrevista em 2007, que “dirigentes como Tomás Zayas propiciam enfrentamentos contra gente que trabalha. Supostamente, estão contra o uso dos agroquímicos, mas ao que parece querem iniciar uma guerra civil” (ABC Color, 31/10/2007).

A resposta de Zayas nos meios de comunicação foi direta: “a guerra que ela (Claudia Russer) menciona, eles mesmos começaram há tempos, mas é uma guerra química contra nosso povo, e o povo tem o direito de se defender” (ABC Color, 1/11/2007).

NOTA:
1.
Desde 1989, año en que cayó la dictadura de Stroessner, han sido asesinados más de 100 dirigentes campesinos, de los cuales sólo un caso fue investigado y su autor material condenado; los demás permanecen en la impunidad. La criminalización de la protesta es asimismo muy grave; en el 2004 las organizaciones campesinas llegaron a registrar 1.156 detenciones, cifra similar al número de imputaciones, procesamiento de trabajadores rurales (Rulli, J. 2007).