Para pagar pequena parte da dívida ilegítima!
Este artigo foi publicado, originalmente, no portal Auditoria Cidadã da Dívida. Abaixo, publicamos parte do texto e disponibilizamos o arquivo para download com a íntegra do artigo.
A maior justificativa para a venda das empresas estatais – o pagamento da dívida – de fato se efetivou, embora os recursos obtidos tenham respondido por apenas parte do que era exigido pelos credores. Durante o Plano Real, Fernando Henrique Cardoso obteve as divisas (moeda estrangeira) necessárias para a manutenção do pagamento da dívida através das privatizações, uma vez que o saldo comercial (tradicional fornecedor de dólares para os credores externos) havia se transformado num grande déficit.

Este déficit foi resultado da abertura indiscriminada às importações e também às privatizações, uma vez que as multinacionais compradoras das estatais passaram a importar seus insumos, equipamentos e tecnologia. Também prejudicou as contas externas o aumento das remessas de lucros, provocado pelo próprio processo de privatizações. Podemos verificar este movimento no gráfico acima. Enquanto o saldo comercial se torna negativo, o investimento estrangeiro direto explode, principalmente devido às privatizações. Ou seja: vendeu-se o país para pagar a dívida externa, cumprindo fielmente a vontade de Margaret Tatcher. Mas o resultado final foi a perda do patrimônio nacional e o aumento da própria dívida.

O gráfico anterior, por sua vez, mostra o destino dos recursos provenientes das privatizações, em moeda nacional. Verifica-se que 80% dos recursos obtidos nos anos de 1995 a 1999 (período no qual foram privatizadas a Vale do Rio Doce, as teles e as elétricas) foram destinados ao pagamento das dívidas externa e interna. Logo após a venda da Vale, o Ministério da Fazenda divulgou nota oficial justificando a venda da empresa pelo fato de a economia de juros ocasionada pela privatização ser maior do que os lucros que a companhia repassava ao Tesouro:

“Ao longo dos próximos doze meses o Tesouro Nacional deixará de gastar cerca de R$ 534 milhões com o pagamento de juros sobre a dívida pública mobiliária em decorrência da privatização da CVRD. (…) Os dividendos que vinham sendo pagos anualmente pela Vale à União equivalem a uma média inferior a R$ 100 milhões por ano, segundo o secretário” (Nota oficial do Ministério da Fazenda, 13/05/1997).

Porém o crescimento da dívida foi tão assustador que superou em muitas vezes as receitas das privatizações, como se vê no gráfico a seguir.

Estimando o valor do patrimônio da CVRD em R$ 92 bilhões, e aplicando o percentual de 45% (referente à redução da participação estatal na CVRD desde o leilão de privatização), verificamos que o prejuízo financeiro do país com a venda da Vale foi de R$ 42 bilhões.

Porém, o serviço da dívida pública federal no período de 1997 a 2006 representou R$ 1,179 trilhão, o que equivale a nada menos que 28 leilões da CVRD, ou um leilão da Vale a cada quatro meses!

E a dívida continua gerando privatizações…
O presidente FHC inseriu em suas cartas de intenção ao FMI a reforma (privatização) da Previdência, a privatização dos bancos estaduais, das empresas elétricas, de resseguros, e a venda de participações acionárias minoritárias. Por sua vez, o presidente Lula continuou assinando cartas de intenção ao FMI e ao Banco Mundial, onde constavam também a reforma (privatização) da Previdência, a venda dos quatro bancos federalizados, as parcerias público-privadas e a reforma universitária, materializada no Prouni, que concede generosas isenções fiscais para que as faculdades privadas disponibilizem determinada quantidade de vagas com bolsas de estudo.

Lula também prosseguiu a venda de poços de petróleo a preços baixíssimos (iniciada por FHC), e manteve a política de concessão de rodovias para a iniciativa privada cobrar pedágios, enquanto bilhões da CIDE (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, destinada ao melhoramento das estradas) apodrecem no superávit primário. Lula também insiste em implementar o famigerado projeto de transposição do rio São Francisco, que representa a privatização da água, uma vez que esta irá para os grandes produtores. Além disso, o governo planeja vender este ano as jazidas minerais restantes em poder da União.

Porém, a privatização mais cruel é a ausência de serviços públicos básicos, por causa do superávit primário (reserva de recursos para o pagamento da dívida). Apesar do enorme sacrifício imposto à sociedade para produzir esse superávit (contínuo aumento da carga tributária e cortes de gastos e investimentos públicos), o endividamento segue aumentando, tendo a dívida interna alcançado, em fevereiro de 2007, a cifra de R$ 1,2 trilhão, e a dívida externa US$ 203 bilhões.

*Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal, segunda vice-presidente da Unafisco Sindical e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida/Rede Jubileu Sul Brasil; Rodrigo Ávila é economista da Auditoria Cidadã da Dívida/Rede Jubileu Sul Brasil.
Post author Maria Lucia Fattorelli e Rodrigo Ávila, especial para o Portal do PSTU*
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