Nas mobilizações de junho do ano passado, as mulheres trabalhadoras participaram com muita força. Uma de suas reivindicações era “menos dinheiro para a Copa e mais para a saúde pública”.  Enquanto os estádios para a Copa custaram milhões e possuem o chamado “padrão FIFA”, o SUS  acumula um padrão “FILA” para as mulheres trabalhadoras, que são a maioria entre os usuários do sistema público de saúde e as que mais morrem em decorrência da ausência de tratamentos, como o de câncer de colo de útero, por exemplo.  Neste artigo, traçamos um panorama da saúde pública atual e os principais dramas das mulheres trabalhadoras.

O Sistema Único de Saúde foi implantado na década de 1990 como fruto das mobilizações sociais em buscas de direitos durante a década de 1980, tendo como objetivo tornar o direito à saúde universal e de qualidade para todos os brasileiros. Neste mesmo período, em 1984, foi instituído o Programa de Atenção Integral à saúde da mulher (PAISM), que incorporou o ideário feminista na assistência à saúde das mulheres, com vistas à atenção integral a todas as fases da vida das mesmas, já que antes as ações de saúde eram voltadas apenas para a assistência materno-infantil.

Esta conquista legal, no entanto, não se efetivou na prática pois, após 30 anos da implantação desta lei, as mulheres continuam a lutar por assistência à saúde de qualidade, com profissionais capacitados para atendê-las nos diferentes ciclos de sua vida, por direitos sexuais e reprodutivos, além da descriminalização e legalização do aborto.

Falta de investimento no SUS atinge mais as mulheres
De acordo com dados do Ministério da Saúde, as mulheres na faixa etária dos 20 aos 59 anos morrem prioritariamente das seguintes causas: doenças cerebrovasculares, doenças isquêmicas do coração, neoplasias e causas externas (homicídios e acidente de trânsito) (Mortalidade do adulto Brasil: taxas de mortalidade segundo o sexo, as causas e regiões, 2010).

O câncer de mama é o mais comum entre as mulheres. Em 2014 foram estimados 57.120 casos novos (56,09 casos novos a cada 100.000 mulheres) segundo dados do Instituto Nacional do Câncer (INCA). E de acordo com dados da Agência Internacional para pesquisas em câncer (IARC), estimou-se 12 óbitos por100.000 mulheres, para o ano de 2008. Esta doença, se diagnosticada e tratada oportunamente, apresenta chances de cura relativamente boas. No entanto, as taxas de mortalidade brasileiras por câncer de mama continuam elevadas pois o acesso aos exames de prevenção (mamografias) no serviço público é demorado. Ainda sim, existem várias denúncias de municípios que mantêm os mamógrafos encaixotados. Outra dificuldade apresentada é a demora em marcar outros exames complementares como punção aspirativa e biopsias, na presença de lesões sugestivas de malignidade na mamografia.

O câncer do colo do útero é o terceiro mais frequente na população feminina e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. As mulheres que apresentam alguma alteração no preventivo (exame ginecológico) conseguem vaga para atendimento na atenção especializada após um longo período de espera, tal realidade diminui os anos de vida dessas mulheres. Esse dado é um absurdo visto que quando diagnosticado precocemente, esse tipo de câncer apresenta percentual de cura de 100%. Destaca-se que esta doença mata mais mulheres pobres e negras. Em um estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro, as mulheres negras apresentaram um risco de morrer por esta doença 1,6 vezes maior quando comparadas às mulheres brancas no período de 1999 a 2006. Além disso, verificaram-se maiores taxas de mortalidade nos bairros mais pobres da cidade, enquanto que, em bairros como o Leblon, não houve nenhuma morte por esta doença no período.

As respostas do governo Dilma Roussef (PT) para esta situação foram, primeiramente, a promulgação da Lei 12.732/12 que obriga o SUS a iniciar o tratamento contra o câncer em até 60 dias após o diagnóstico da doença, o que infelizmente não se concretiza por falta de recursos.  E o tratamento de mulheres que já estão com a doença é urgente para não agravar o seu desenvolvimento até o óbito. Mais recentemente, o governo incluiu a vacina contra o vírus HPV (vírus causador do câncer do colo do útero) nas unidades de saúde e escola. Trata-se deuma forma de prevenção importante, mas junto com ela é necessário um projeto mais global de tratamento contra o câncer, que atenda as mulheres trabalhadoras como um todo e não apenas as meninas em idade escolar.

As doenças infecciosas e parasitárias representam a quarta causa de morte entre as mulheres, destacando-se o aumento de casos de HIV em mulheres. Segundo o Ministério da Saúde do Brasil, em 1985, para cada 15 casos novos de contaminação pelo HIV em homens, contava-se uma mulher. Em 2005, essa proporção chegou à marca de 10 mulheres para cada 15 homens com o vírus HIV. Hoje, o número de casos de contaminação pelo HIV é maior entre as mulheres jovens, contabilizando 8 casos em homens para cada 10 mulheres.

Outro grave problema de saúde pública são as mortes decorrentes da violência contra a mulher, física e sexual, incluídas nas causas externas. Segundo os dados do Ministério da Saúde, entre os anos de 1999 e 2009, morreram dez mulheres por dia, a maioria por motivo fútil ou torpe, por ciúmes ou brigas conjugais.

As doenças relacionadas à gravidez, parto e puerpério ocupam o 9º. lugar nas estatísticas.  Nas mulheres da faixa etária de 20 a 29 anos, representou a terceira causa de mortalidade, em todas as regiões do país, com exceção da Região Sul. As maiores taxas de mortalidade materna foram observadas nas regiões Norte e Nordeste. Estes dados indicam a dificuldade de acesso à assistência ao parto e puerpério que as mulheres ainda encontram, sobretudo nas regiões mais pobres do país. (Mortalidade do adulto Brasil: taxas de mortalidade segundo o sexo, as causas e regiões, 2010). Segundo especialistas, 90% dos casos de morte materna são evitáveis, ou seja, representam um desperdício de vida que estão relacionadas à falta de politicas públicas e a serviços de saúde de qualidade especializados.

O Brasil ocupa os primeiros lugares no ranking de morte materna. Os maiores índices de mortalidade materna decorrem por, nesta ordem, síndromes hipertensivas, hemorragias, complicações do abortamento inseguro e infecções puerperais. Provavelmente, o índice de complicações decorrentes do abortamento inseguro é mais expressivo, visto que é a causa base de muitos casos de hemorragia.  Salienta-se que a maior parte das mulheres que morrem em decorrência do aborto são vítimas das clínicas clandestinas, nas quais este procedimento é realizado em péssimas condições de higiene. Estima-se que a cada ano, pelo menos, 150 mil mulheres morrem ou apresentam seqüelas devido ao aborto. Desta maneira, o aborto é um problema de saúde pública e não um caso de polícia.

Poderíamos escrever um jornal repleto de exemplos de mortes evitáveis entre as mulheres. Mas o que todas elas guardam em comum? Ocorrem pela falta de investimento no SUS.

Educação para não engravidar, anticoncepcional para não abortar, aborto para não morrer
O Ministério da Saúde em sua Norma Técnica de Atenção Humanizada ao Abortamento (2010) estima em mais de um milhão o ano o número abortos induzidos, dos quais cerca de 200 mil resultam em internação devido a complicações no procedimento, sendo a terceira causa de ocupação de leitos nas maternidades brasileiras. A cada dois dias, uma brasileira, geralmente pobre, morre por aborto inseguro, um problema de saúde pública ligado à criminalização da interrupção da gravidez e à violação dos direitos da mulher.

Mulheres com boa condição socioeconômica recorrem com frequência a métodos seguros quando decidem interromper, mesmo clandestinamente, a gravidez. Ou porque têm acesso à informação e a recursos para obter o medicamento usado para abortar, ou porque encontram clínicas privadas que realizam procedimentos com alta margem de segurança, como a aspiração a vácuo.

Por outro lado, as mulheres trabalhadoras, pobres, que já não tiveram acesso aos métodos contraceptivos adequados às suas necessidades também não tem fácil acesso ao aborto seguro. Com isso, recorrem a métodos inseguros e precários como chás abortivos, o uso de sonda com soluções cáusticas, uso de instrumentos perfuro-cortantes que por vezes causam hemorragia, infecção, lesões traumáticas para o trato genital, consequências para o futuro feto, no caso do insucesso do aborto e mesmo a morte da mulher.

As mortes maternas por aborto ocorrem caracteristicamente em mulheres jovens, de baixa renda, pouca escolaridade, estudantes ou trabalhadoras domésticas, residentes em áreas periféricas das cidades, vitimando freqüentemente negras, que têm um risco três vezes maior de morrer por essa causa em relação às mulheres brancas. Em uma situação de desespero, a descoberta da gravidez gera um drama humano de proporções imensas, que pode acarretar tentativa ou concretização do suicídio.

Estudos mostram a relação entre descriminalização e reduções das mortes maternas por aborto, e ainda, indicam que, a médio e longo prazo, reduz-se o número de abortamentos provocados, uma vez que, na legalidade, os programas de atenção pós-aborto permitem o aconselhamento contraceptivo das mulheres acolhidas pelos serviços de saúde para realização do aborto, prevenindo-se a recorrência da gravidez indesejada.

A descriminalização e a legalização do aborto estão bem longe no Brasil, pois é um negócio lucrativo para os empresários da saúde, e além disso há grande pressão de grupos religiosos. O Estado é laico, no entanto, o governo cede às pressões com receio de perder sua base de sustentação, vide a proposta do Estatuto do Nascituro, que coíbe aborto mesmo nas atuais situações em que ele é previsto em lei, como estupro e risco de vida materna.

Não descriminalizar e legalizar o aborto não é defender a vida, mas sim ser conivente com as inúmeras mortes que ocorrem no país anualmente.  E fechar os olhos para um negócio bem lucrativo no Brasil, as clínicas clandestinas de aborto. Para salvaguardar a vida de milhares de mulheres é necessário realizar amplas campanhas de educação sexual, além da distribuição de contraceptivos gratuitos e sem burocracia, além da descriminalização e legalização do aborto.

10% do PIB para saúde pública estatal
Segundo pesquisas realizadas em meio às manifestações de junho do ano passado, a reivindicação por melhoria nos serviços de saúde aparece em segundo lugar com 82,7%, o que reflete a situação em que se encontra a saúde hoje no Brasil. As instituições de saúde não são suficientes para atender toda a população, faltam vagas de internação, equipamentos, medicamentos e nas cidades interioranas isso se aprofunda ainda mais.

A classe trabalhadora é 50% composta por mulheres. Na saúde, a porcentagem sobe para 80% da mão de obra.  Além disso, as mulheres são a maioria dos usuários do SUS, seja a cargo de seu próprio atendimento, seja acompanhando crianças ou familiares. A verdade é que a mulher trabalhadora é quem consegue sentir de mais perto os efeitos dos descasos dos governos com a saúde pública no Brasil.

Muitas trabalhadoras acreditam que Dilma poderia mudar sua situação, mas a experiência com o governo PT demonstra que não basta ser mulher, é preciso ter um programa que defenda a classe, as mulheres trabalhadoras. O PT optou por governar para os banqueiros e empresários, atendendo a interesses que não podem ser conciliados aos das trabalhadoras. Por isso, Dilma não representa as mulheres trabalhadoras, ao contrário, atua em prol do aprofundamento da exploração e opressão.

Ao invés de investir no SUS, a solução que os governos dão para os problemas da saúde são as privatizações por meio das organizações sociais, fundações de direito público-privado e, mais recentemente, com a EBSERH (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares), que privatiza a gestão dos hospitais federais, inclusive os universitários, que atendem grande parte dos serviços de alta complexidade pelo SUS. Essas privatizações não vêm no sentido de melhorar a saúde, pelo contrário, aumentam o lucro dos grandes empresários, permitem a entrada de planos de saúde nos hospitais públicos e precarizam ainda mais os trabalhadores da saúde,  com baixos salários, altas cargas horárias e instabilidade no emprego.

Deste modo, lutar pela saúde das mulheres trabalhadoras é lutar pelo fortalecimento do SUS 100% estatal, público e de qualidade sob o controle dos trabalhadores. Ser contra o sucateamento e a privatização da saúde pública.  É necessário exigir 10% do PIB para a saúde estatal para avançar na atenção integral à mulher e ao conjunto dos trabalhadores.

São gastos milhões para que seja possível a realização da Copa do Mundo. Foram realizados diversos cortes de verbas em áreas sociais para a construção de estádios, para financiar a construção de hotéis luxuosos e um longo etc.  Uma Copa do mundo para os ricos, onde as mulheres trabalhadoras passarão longe. Assim, para defender o direito à saúde das mulheres, e de todos os brasileiros, vamos lutar na Copa. Queremos o investimento de 10% do PIB na saúde pública e o fim do SUS “padrão FILA”!

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