PSTU-Rio de Janeiro

Conversamos com Carlos Renato, amigo de infância do músico Evaldo dos Santos, barbaramente fuzilado e morto pelo Exército. Carlos relata a vida de uma comunidade que sobrevive diariamente com o medo e a morte

Nesta segunda-feira, 22 de abril, O PSTU-Rio de Janeiro entrevistou Carlos Renato, o Cacá, morador e amigo de infância do músico Evaldo dos Santos Rosa, o Manduca, assassinado brutalmente pelo Exército brasileiro no dia 8. Cacá faz trabalho social com esporte em parceria com a CUFA (Central Única das Favelas) com dezenas de crianças.

A indignação é enorme por parte de todos da comunidade. Naquela tarde, Manduca havia saído de Honório Gurgel às 14h13. Eles fizeram uma selfie de dentro do carro com toda a família e estavam a caminho de um chá de bebê. Um fato importante que o Carlos revela foi que, minutos antes de seu assassinato, Manduca falou para a esposa: “fica tranquila que é o Exército que está fazendo apenas uma blitz”. Mais adiante, ele leva os tiros e perde o controle do carro, o sogro toma o volante e o veículo para.

Bolsonaro passou oito dias sem se pronunciar sobre o caso, e quando decide falar, diz que o Exército “não matou ninguém”, o que você achou disso?
Minha opinião é que essa resposta foi infeliz e desastrosa. Quem matou o Manduca e o Luciano Macedo, catador de latinhas que tentou ajudar o músico e que salvou a vida de seu filho, foi o Exército brasileiro. Eles não souberam trabalhar naquele território que, de fato, é um território hostil. Naquela estrada tem muito sangue derramado. Faltou Bolsonaro entender que ele é presidente de todos os cidadãos brasileiros, ele tem que proteger a nação e não pode ter uma fala corporativa e injusta.

O Exército, além de não se responsabilizar pelo assassinato, na primeira nota que soltou afirmou que o Manduca era traficante, qual sua opinião sobre isso?
Eu estive na casa do Manduca na terça-feira, dois dias após o assassinato e conversei com a esposa dele, Luciana. O Exército não foi ao enterro e nem foi à casa deles e nem soltou uma nota de cunho público pedindo desculpas à família, estão sempre maquiando. Para nós da comunidade, esse fuzil até hoje está apontado em nossa direção, é um assédio moral. Estão sempre culpando alguém, tirando as vítimas do lugar de vítimas e as colocando no lugar de culpadas. Muito se falou a respeito do caso, até que a CNH e o IPVA do Manduca estavam vencidos. Mentira, o carro estava certo e tinha seguro. O tempo todo eles tentam tirar os reais culpados do banco dos réus e colocar como vítimas. 

O governador do Estado também fez uma declaração dizendo que ele não iria emitir juízo de valor, se omitindo também de culpa. Como você vê a presença do Exército na comunidade, tendo em vista que a intervenção militar no Rio de Janeiro já acabou?
Eu vejo o seguinte: a campanha eleitoral acabou, Bolsonaro não é candidato mais, ele agora é o presidente. Witzel não é candidato mais. Ees precisam descer do palanque e governar. Ele declarou que os snipers poderiam disparar na cabeça de qualquer homem que estivesse portando um fuzil. Isso empoderou os 80 tiros do Exército. Nossa comunidade, em sua origem, era residência de militares, foi um conjunto habitacional para militares na época de Getúlio Vargas. Depois de algum tempo, esse perfil mudou e hoje temos apenas 4 blocos que são habitados por militares. Por isso, há ali uma presença constante de um tanque do Exército para assegurar o patrimônio dessas pessoas. De quatro meses para cá, o Exército passou a fazer incursão dentro da favela, disparando balas de borrachas nas pessoas. O que aconteceu com o Manduca pode acontecer com qualquer outra pessoa e, se isso acontecer, vai ficar o dito pelo não dito, porque eles não vão assumir nenhuma responsabilidade. Nossa preocupação é que se o Estado diz que não solicitou a ajuda do Exército, então, quem manda matar?

Como a comunidade vive diante desses fatos?
A comunidade está órfã. Na verdade, somos filhos sem pai, cada um vai se virando do seu jeito. Fizemos atos, mas a participação da comunidade é muito pequena, as pessoas vivem muito acuadas. Não tem como a comunidade denunciar algo, pois não tem ninguém para recorrer. Vocês acham que um menino que foi abordado pelo Exército, vai procurar algum órgão do governo? É uma relação de medo, estamos acuados, sem saber o que vai acontecer no dia seguinte.

O PSTU tem um programa de segurança onde defende, por exemplo, a questão da desmilitarização da PM, acaba com a questão do código militar e que esses policiais tenham direito à sindicalização e à greve. Nós defendemos o direito da segurança das próprias comunidade com conselhos de autodefesa, o que você pensa a respeito?
Deveria ter uma participação maior da comunidade, mas, por que não acontece? Somos criminalizados como favelados, o pobre ele é criminoso e ignorante diante da sociedade. Eles não acreditam que temos condições para isso. Essa segurança que está aí, todos vão morrer, mas, policiais também morrem, a segurança pública não serve para ninguém, a não ser para os ricos e poderosos.

Como você vê a questão do racismo na política de segurança?
Hoje já existe até um comportamento diferente nos movimentos sociais. Porém, é incutido na cabeça das pessoas que elas não sofrem racismo. Se eu te falar que eu sofro um grande racismo eu estou mentindo, se eu te falar que minha esposa sofre um grande racismo, estou mentindo, se eu te falar que meu filho sofre racismo também estarei mentindo e sabe por quê? Porque eu tenho uma ONG que assiste várias crianças e sou um professor de educação física, sou formado em Serviço Social, a minha esposa é psicóloga – é o status quo desta sociedade. Eu percebo o racismo, só que existe muitas pessoas que são da raça negra e dizem que isso tudo é mimimi, aí que entra o racismo velado, pois essas pessoas moram num local melhor, tem emprego bom, mas, tirem isso delas para ver o que acontece!

Diante disso tudo, que futuro você enxerga para a comunidade do Muquiço e para o povo pobre e negro do Estado do Rio de Janeiro?
Se preparem, o que vem por aí vai piorar! Nos próximos quatro anos desse governo, se não nos fortalecemos em movimentos, isso não vai mudar. Procurem se fortalecer nas ruas e em movimentos sociais, as coisas tendem a piorar para o povo negro e pobre. O professor, aqueles que estão à frente de movimentos, precisam se fortalecer. O caso do Manduca e Luciano foi uma perda irreparável, mas isso está gerando uma reflexão. Eu tenho vários amigos de infância que entraram para a carreira militar e muitos deles já se arrependeram de ter votado em Bolsonaro. As pessoas têm que entender que essa política que existe aí é apenas para os ricos, para quem está em cima, os demais, podem se preparar, podem começar a buscar musculatura social, a hora é de se unir pra lutar e de procurar a reflexão.