Presidente Lula chama de “vândalos” os sem-terras que derrubaram pés de laranja para plantar comidaA senha foi dada pelo Jornal Nacional do dia 6. As imagens de um trator derrubando pés de laranja da multinacional Cutrale marcaram um novo passo na criminalização do MST e da luta pela terra. A “reportagem” mostrava a fazenda Santo Henrique, entre os municípios de Iaras e Lençóis Paulistas, no interior de São Paulo, ocupada por 250 famílias do movimento sem-terra. O movimento teve início no dia 28 de setembro.

O MST denuncia que as terras são públicas e foram conseguidas pela empresa através de grilagem. Como o próprio Incra reconhece, as terras pertencem à União e são ocupadas há anos pela empresa produtora de suco de laranja para exportação.

Manipulação
Segundo o MST, uma pequena parte da plantação de pés de laranja da enorme área dedicada à monocultura foram derrubados para dar lugar à plantação de feijão e milho. Seriam 5 hectares, em uma área total de 3 mil hectares. As imagens, porém, foram exaustivamente exploradas pela mídia a fim de denunciar a “depredação” realizada pelos sem-terras, apontados como criminosos.

No dia 7, a Justiça determinou a reintegração e as famílias foram obrigadas a se retirar, sob forte esquema policial.

Lula
O presidente chamou a ação do MST de “vandalismo”, repetindo o ministro da Justiça, Tarso Genro. Já o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, classificou a derrubada dos pés de laranja como “injustifícável” e “grotesca”. Para se ter uma ideia da hipocrisia que o caso despertou, até mesmo o presidente do Senado, José Sarney, protagonista de uma das maiores crises do Congresso, veio a público condenar o MST.

Os ataques foram reforçados pela denúncia de depredação de tratores. Na TV, carcaças de tratores e peças desmontadas eram exibidas como provas.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, por sua vez, emitiu diversas notas esclarecendo os fatos. Os tratores mostrados não passavam de peças e máquinas antigas de uma oficina da própria fazenda. Mas para a mídia, isso não importa. Ela já escolheu sua versão e agora se trata de expandi-la.

O que está por trás da campanha?
A campanha de desmoralização do MST encontra vozes não só na mídia, mas no Congresso, Executivo e Judiciário. Revela a face elitista e reacionária dessas instituições. O fato de uma multinacional usar uma área pública para a monocultura de exportação é normal. Famílias sem-terra derrubando parte da plantação de laranja para plantar alimentos é um escândalo e provocando uma comoção hipócrita.

Se a tentativa de criminalizar a luta pela reforma agrária já é constante, nas últimas semanas têm se reforçado. Isso porque está novamente em discussão a revisão dos índices de produtividade para a desapropriação de áreas para a reforma agrária. Ou seja, a atualização da quantidade mínima de produção que uma área deve sustentar para não ter o risco de ser considerada improdutiva. Os índices atuais são de 1975.
Após a jornada de lutas realizada em agosto pelo MST, o governo prometeu revisar os índices de produtividade. Lula ainda não cumpriu a promessa, mas a reação contra a medida foi brutal e o movimento se viu alvo de toda a sorte de ataque. Até mesmo uma CPI para atacar os sem-terra, impulsionada pelo DEM e pelo PSDB, está sendo articulada no Congresso e já tem assinaturas para ser criada no Senado.

Heróis e vilões
Ao mesmo tempo em que os sem-terras são criminalizados, o IBGE divulga o censo agropecuário de 2006, revelando o aumento da concentração da posse da terra. O censo mostra um país com a maior concentração fundiária do mundo, com 1% dos proprietários com 46% das terras, uma proporção espantosa.

Esta enorme área está na mão de menos de 15 mil latifundiários, que possuem fazendas de até 98 milhões de hectares. Que choca ainda mais, ao acelerar a destruição da natureza e da região amazônica, para a soja e o gado.

Já os trabalhadores rurais se vêem jogados na miséria, com um índice de analfabetismo que chega a 35% entre os homens e pula para 45% entre as mulheres.
Mas para Lula, cujo governo mantém a estrutura herdada no campo, os usineiros de cana são os “verdadeiros heróis”, como chegou a declarar. Os trabalhadores rurais sem-terras são apenas os “vândalos” dessa história.

É necessário romper com o governo
Já não é possível ter como aliado quem lhe chama de bandido

Os sucessivos governos mostraram que a reforma agrária só sai com a luta direta. E o episódio da fazenda da Cutrale mostra que a lição serve também ao governo Lula.
O MST denuncia que a reforma agrária está paralisada, no final de dois mandatos de Lula. No entanto, apesar disso, a direção do MST nunca rompeu com o governo, mantendo, em essência, a fórmula de disputar as decisões e os rumos do governo.

Mesmo os momentos de críticas mais duras – como na jornada de 14 de agosto, quando militantes e dirigentes chamaram Lula de “traidor – não foram seguidos de denúncia permanente ou combate ao governo e sua paralisia no campo.

O aumento da criminalização, os assassinatos políticos e o avanço do agronegócio compõem um cenário que cobra da direção do movimento uma resposta. A conta pelo silêncio chega com juros. Já não é possível considerar como aliado quem lhe chama de bandido.

Ao chamar os sem-terra de vândalos, Lula se igualou, na prática, aos parlamentares do DEM e aos da bancada ruralista, que não medem esforços para criar uma CPI e afastar o perigo de suas fazendas.

O ataque de Lula não é um episódio isolado. Faz parte da política do governo e dos interesses de classe que representa. O governo já escolheu seu lado: o dos latifundiários e multinacionais. Para garantir o papel de exportador, o presidente abandona a reforma agrária e o meio ambiente.
Restam transgênicos, desertos verdes de eucalipt
o e a monocultura que abastece os países imperialistas de suco. Tudo o mais é miragem. Assim como “setores progressistas” no governo, que desapareceram nas falas do ministro do Desenvolvimento Agrário e do presidente do Incra.

Se os dois mandatos já foram de paralisia no campo, nada indica que a eleição de Dilma Roussef, apoiada em grandes obras e alianças ainda mais carnais com o PMDB de Sarney, vá significar mudança de rumo.

Para arrancar mais do que promessas, é preciso que a direção do MST rompa com o governo e aposte na ação direta dos sem-terras, em aliança com os trabalhadores e a juventude, para construir um projeto dos trabalhadores.

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