Sindicalistas bolivianos chamaram a construção do Encontro Latino-Americano e Caribenho, em junho, no BrasilDois dos principais dirigentes da Central Operária Boliviana (COB) estiveram no Brasil na semana passada, para debater a situação de seu país e denunciar o recente ataque contra a sede da central, em La Paz. O secretário-geral, Pedro Montes, e o secretário de Finanças, Ramiro Condori, permaneceram quatro dias no Brasil, de 17 a 20 de janeiro. Eles deram entrevistas, palestras e conversaram com trabalhadores, como no congresso do Andes-SN, no dia 19, e na sede da Conlutas, em São Paulo, no dia 18.

Pedro MontesNa reunião em São Paulo, Pedro Montes agradeceu o apoio dado à central boliviana. “Agradeço, em nome do povo de meu país, em nome da COB. Várias mensagens de sindicatos brasileiros chegaram até nós, e nunca me esquecerei da solidariedade que recebemos aqui.” A COB sofreu um atentado à bomba em sua sede no dia 24 de dezembro. Durante a madrugada, um artefato de dinamite explodiu no local, destruindo parte das instalações, sem deixar feridos. Montes fez um paralelo com a invasão à sede nacional do PSTU, uma semana depois, em São Paulo. “Também aqui vocês estão passando por essa situação, com a invasão à sede do PSTU”. Tanto lá como no Brasil, não houve nenhuma investigação oficial sobre os crimes.

Além da campanha de moções exigindo a punição dos culpados, a reunião na Conlutas aprovou uma campanha financeira de solidariedade, para apoiar a COB e a luta dos trabalhadores bolivianos. Apesar de sua forte tradição e combatividade, a central boliviana enfrenta dificuldades financeiras, boa parte por conta da situação econômica do país. A central é mantida por contribuições de trabalhadores por cada gestão de dois anos, no valor de dois bolivianos. Algo em torno de R$ 0,50. José Maria de Almeida, da coordenação da Conlutas, pediu aos sindicatos presentes que contribuíssem com a campanha.

Um país dividido
A maioria dos presentes queria saber sobre a situação atual da Bolívia, com a ofensiva da direita de departamentos (estados) como o de Santa Cruz, por autonomia e contra a Constituição. Pedro e Ramiro denunciaram a sanha golpista dos setores da Media Luña, formado pelos seis departamentos mais ricos e que concentram a maior parte da produção de gás e petróleo. “Durante anos, La Paz e Potosí enviaram dinheiro para essas regiões. Agora, eles querem ficar com a riqueza do país”, disse Ramiro, referindo-se ao período em que a principal fonte de riqueza era o ouro e o minério, em vez do gás.

Segundo Montes, “a autonomia dos departamentos é inconstitucional”. Ele denunciou ainda que a campanha pela separação é impulsionada pela burguesia destes departamentos, e não pelos trabalhadores. E lembrou a forte presença estrangeira em Santa Cruz, com a presença de latifundiários e pecuaristas brasileiros, que escondem a carne para fazer o preço subir. Um símbolo da presença estrangeira na região é o banqueiro Branko Marinkovic Jovicevic, de origem croata, ligado a capitalistas chilenos e presidente do Comitê Cívico Pró-Santa Cruz, maior impulsionador da campanha por autonomia. Toninho, da Conlutas, brincou: “Ele é branco até no nome”.

Diante da tentativa de dividir o país, os sindicalistas não pouparam o governo de Evo Morales. Perguntado sobre a possibilidade de um acordo que garanta a autonomia na Constituição e sele uma trégua com a direita, Pedro afirmou: “Fazer um pacto com a direita é o pior delito que Evo poderia fazer. Estamos pedindo uma reunião com o governo para exigirmos nossas reivindicações. Evo tem que se unificar com as organizações de classe.”

De costas para o povo
Mineiro como os milhares que foram às ruas em 2003 e 2005 e derrubaram os governos de Sanchez de Losada e Carlos Mesa, Pedro Montes lembrou aqueles dias de insurreição. “Em 2003, fomos às ruas, não para lutar apenas por questões imediatas, como salário ou emprego. Naqueles dias, travamos a luta política”, afirmou. Pedro demonstrou insatisfação com o governo Evo, eleito em 2004: “Ele não alterou as linhas políticas do governo. Virou as costas para o povo. Esqueceu-se de quem era, de quem lutava com ele. Evo não sabe escutar seu povo. E nem a sua organização matriz, a COB.” Outros governos considerados de esquerda também são alvos da crítica da COB: “Lula dá as costas para o povo. No Equador, Rafael Corrêa também não tem escutado.”

Uma das principais broncas da COB é em relação aos recursos naturais do país, como o gás, que vem sendo saqueados por países imperialistas e multinacionais, como a Petrobras. O tema foi o que motivou a “guerra do gás”, como ficou conhecida a primeira jornada de lutas, em 2003. Para Pedro, o governo do MAS não devolveu o gás aos bolivianos: “Evo não nacionalizou o gás, como prometeu. Ele apenas revisou contratos, como outros já tinham feito.”

A central boliviana apresentou um programa alternativo ao governo, com pontos como a mudança na lei de aposentadorias, que hoje estabelece a idade mínima de 65 anos para se aposentar. A COB propôs reduzir a idade para 55 anos, para homens e mulheres. A proposta prevê que, com 20 anos de contribuição, o trabalhador poderia se aposentar, recebendo 70% do salário. Esse valor poderia ser aumentado, a cada ano a mais trabalhado.

Outra reivindicação da central é a melhoria nas condições de vida da população, cujo salário mínimo está hoje em 70 dólares, algo em torno de 128 reais. Além dos baixos salários, a falta de empregos e a miséria continuam assolando o país, um dos mais pobres da América Latina, apesar de todas as riquezas naturais que possui. È isso, segundo Pedro Montes, o que provoca a imigração, como a dos 200 mil bolivianos que hoje vivem em São Paulo. “Milhares de bolivianos vão trabalhar na Espanha, Colômbia, Argentina e no Brasil. Muitos acabam como escravos. A situação econômica de nosso país força o nosso povo a sair em busca de trabalho”, denuncia Pedro.

A visita dos sindicalistas serviu também para avançar na construção do Encontro Latino-Americano e Caribenho dos Trabalhadores (ELAC), marcado para junho, em Betim (MG). A COB assina a convocação do encontro, com a Conlutas, a TCC uruguaia e o Batay Ouvriye, do Haiti. “Na América Latina, se não nos organizarmos, estamos perdidos”. Os bolivianos propuseram a formação de uma coordenadora latino-americana, após o encontro. “Depois definimos que nome vai ter, mas precisamos de uma organização forte para unificar as lutas dos diferentes países”, afirmou Pedro.

A defesa do socialismo foi feita diversas vezes. “A América Latina não continue sendo saqueada por alguns títeres. Levantemos as bandeiras vermelhas, que foram erguidas por Lênin e Trostky. Não há outro caminho que o socialismo.” Pedro Montes não cultiva ilusões de que a mudança ocorra apenas a partir das organizações populares e sindicais. “A COB pode lutar, pode derrubar presidentes, mas a mudança real é papel de um partido político. Não temos dúvidas disso.”

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