Manifestação durante enterro de Arafat

Os atos fúnebres e o enterro de Yasser Arafat simbolizaram como poucas vezes o drama palestino, mostrando com toda crueza as forças em disputaNo Cairo, Arafat recebeu as despedida dos chefes do mundo, das burguesias árabes – incluindo a infame burguesia saudita – dos representantes dos governos europeus e dos EUA. Não faltaram as rezas nem as honras militares. Só faltaram as massas, que foram proibidas, pelo governo egípcio, de participar do evento.

Com a população ausente, os líderes árabes e europeus transformaram a cerimônia numa conferência informal para estabelecer posições diante da nova situação aberta no Oriente Médio. “O funeral serviu para comprovar que todos estamos dispostos a apoiar a nova liderança palestina, impulsionar uma nova dinâmica e sair do estancamento e da falta de iniciativas”, assegurou o ministro das Relações Exteriores espanhol, Miguel Ángel Moratinos.

As louvações à nova direção e a confiança na realização de eleições em 60 dias foram o denominador comum do encontro.

O povo entra em cena

Horas depois, o corpo de Yasser Arafat chegou à velha prisão do império colonial britânico, convertida num símbolo da resistência palestina, a Mukata. Agora sim, as massas estavam em peso no ato. O rigor e a ordem marcial do Cairo se tornaram o “caos”. Os palestinos queriam despedir do homem que se transformou na própria raiz de suas lutas e nada nem ninguém podia impedi-los. A Autoridade Nacional Palestina (ANP) desapareceu da cena, varrida pelo povo de Ramalah.

Quem quer manter a ordem?

A morte de Arafat deixou, sem dúvida alguma, um enorme vazio na direção palestina. Arafat foi o “Bonaparte” que exerceu o controle quase absoluto do poder durante décadas. Arafat, apoiado pelo sabre de sua guarda pretoriana, avalizado pela burguesia palestina, por boa parte da árabe e pelo imperialismo europeu, exerceu durante décadas o papel de árbitro, não só entre os distintos setores sociais, facções e grupos políticos do povo palestino, mas também entre o imperialismo europeu e as massas palestinas. Sua morte abre, inevitavelmente, uma crise e a luta pela sucessão.

Os governos dos países da Europa e dos EUA, juntamente com a grande imprensa, lançaram uma mensagem “esperançosa”, dizendo que a morte de Arafat abre uma “oportunidade histórica”.

Hoje, a situação na Palestina exige que façamos um alerta para todos que vêm esta luta como sua própria luta e como um combate legítimo: a “esperança” de que estão falando é a conclusão, pela nova ANP, de seu processo de capitulação e de entrega do povo palestino aos planos do imperialismo. A esperança de que falam é a de ver ANP concluindo uma tarefa na qual Arafat fracassou: desmantelar a resistência palestina.

Os preferidos por Israel e pelos EUA

Os dois máximos candidatos à sucessão – Abu Mazen e Mohamed Dahlan – são os dirigentes preferidos pelos EUA e por Israel. “Abu Mazen recebia beijos de soldados israelenses quando cruzava a ponte de Allenby, na fronteira entre Israel e a Jordânia, a caminho de Aman para viajar até Paris” (El País).

Em um anúncio recém-publicado, o governo Bush planeja dar uma ajuda financeira de cerca de US$ 20 milhões à ANP para apoiar o processo de renovação depois da morte de Arafat e contribuir com a retomada das negociações de paz no Oriente Médio. “O dinheiro que EUA enviam para a Palestina será controlado pelo ministro das Finanças do território, Salam Fayad, um ex-funcionário do FMI que goza da confiança de Washington”, publicou o El País.

Para Bush trata-se de apoiar “uma liderança palestina moderada que combata o terrorismo e que ponha em marcha instituições verdadeiramente democráticas”. Quer dizer, “ajudar a preparar as eleições e combater o terrorismo”. No entanto, milhões de trabalhadores e jovens do mundo sabem muito bem o que isto significa.

O maravilhoso “caos” de Mukata

A ANP, com o apoio do imperialismo europeu e norte-americano, não vai poupar esforços, inclusive repressivos, para desmantelar a resistência e pôr um fim à segunda Intifada. Estão empenhados na tarefa de fazer com que as direções dos grupos palestinos – começando pelos distintos setores do Al Fatah – se comprometam a colocar em “ordem” os territórios ocupados.

Os próprios militantes palestinos percebem o conteúdo desse projeto, por isso, dezenas de militantes armados do Al Fatah (grupo de Yasser Arafat dentro da OLP) invadiram uma grande tenda de lona, levantada nas ruínas do palácio presidencial de Gaza, para celebrar uma cerimônia em memória de Arafat, presidida por Abbas e Dahlan, gritando “Nem Mahmud Abbas nem Dahlan; Yasser Arafat”.

A esperança para o povo palestino não virá das mãos daqueles que preparam com o imperialismo a liquidação da Intifada, o desarmamento da resistência e a continuidade dos Acordos de Oslo.

Somos obrigados a fazer um novo alerta e redobrar nosso compromisso de luta ao lado do povo palestino. Diante da “ordem do Cairo”, a ordem que propõem Abbas, Dahlan, Chirac, Solana e Bush, contrapomos a verdadeira esperança que está no maravilhoso “caos” da Mukata. Hoje, a luta do povo palestino exige manter em pé suas bandeiras pela liberdade dos presos; pelo fim do novo muro da vergonha; pelo retorno incondicional dos refugiados.

A esperança reside em sustentar a bandeira que deu origem à OLP: a luta por uma Palestina laica, democrática e não-racista, que ponha fim ao genocida Estado sionista de Israel.

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