Rumsfeld brinca com o `Capitão América`

Departamento de Defesa dos EUA convoca superheróis para ajudar na ocupação do IraqueDefinitivamente, o último lugar onde um norte-americano desejaria estar é no Iraque. Sob um calor incessante, os soldados patrulham as ruas devagar, atentos e temendo se um ataque surpresa, que somaria seus nomes à lista dos 1.600 militares mortos pela resistência. Centenas não voltaram ao front, alegando serem ‘objetores de consciência’. Para os que não conseguiram escapar, o governo Bush apresentou super reforços. Os superheróis da Marvel Comics, como o Capitão América e o Homem Aranha, foram convocados para apoiar a ocupação imperialista do outro lado do mundo.

No dia 28 de abril, o secretário de Defesa norte-americano, Donald Rumsfeld, posou entusiasmado ao lado dos heróis. Ele comemora a parceria ‘America Supports You’ (A América apóia você) com a editora de quadrinhos, que levará 150 mil exemplares de uma edição especial da revista ‘Novos Vingadores’ para o Iraque.

Ao todo, serão distribuídas gratuitamente um milhão de revistas aos soldados, em uma tentativa de melhorar o ânimo das tropas e conquistar maior apoio popular. Esta é a segunda investida da Marvel em relação ao Iraque. Em janeiro, lançou a série Combat Zone, sobre o cotidiano de uma tropa de soldados paraquedistas e seu ‘sacrifício pelo país’.

`CapaSegundo a Marvel, soldados no Iraque teriam escrito, reclamando que chegam poucos gibis lá. O vice-presidente da editora, Peter Cuneo, veterano do Vietnã, teria aproveitado a deixa: “Muitos são fãs de quadrinhos, e estes são os heróis com quem eles cresceram. Se você estiver numa trincheira, o gibi chegará até lá“. A cena de Rumsfeld foi tão dantesca que nem mesmo o jornal Washington Post resistiu: “Ou a Marvel está realmente precisando de novos leitores e precisa de um ultra-dinâmico golpe de publicidade com a ajuda do Pentágono pra levantar as vendas, ou Rumsfeld está finalmente pronto a admitir que apenas um super-herói pode resolver o problema do Iraque.”

ILUSÃO – Das ruas de Bagdá, os soldados sonham com algo que os tire dali ou que os faça acreditar ser possível vencer este inimigo invisível, que pode estar escondido na próxima esquina. Superpoderes seriam muito bem vindos. Permitiriam subir pelas paredes para fugir de uma emboscada, como o Homem-Aranha, defender-se dos tiros com um escudo indestrutível feito de Vibranium, como o do Capitão América, e misturar-se sem medo às chamas de um carro-bomba, como faria o Tocha Humana, do Quarteto Fantástico.

Os quadrinhos permitirão que os soldados possam abstrair, mesmo que por momentos, a ameaça permanente da resistência. Mas não só. Há também um forte conteúdo ideológico que será transmitido nas histórias, como a defesa da ‘liberdade’ e da ‘justiça’. Nesta edição, os ‘Novos Vingadores’ combatem um exército alienígena. Três anos e meio de uma intensa campanha contra o ‘Terror’ fizeram com que muitos norte-americanos, que já não sabiam muito bem onde fica o Iraque, passassem a acreditar que ele realmente faz parte de outra galáxia.

A julgar por massacres como o de Falujah, onde milhares foram mortos indicriminadamente, o Departamento de Defesa escolheu mal seus heróis. Para soldados que assassinam iraquianos como se estivessem jogando Playstation, o Justiceiro, um psicopata que pratica a pena de morte contra os bandidos de Nova York, não poderia ter sido esquecido.

Capitão América: sempre convocado
`CapitãoO uso dos quadrinhos para a propaganda dos EUA não é novo. Rumsfeld tenta repetir uma fórmula de grande sucesso, principalmente na Segunda Guerra Mundial, com o Capitão América, o ‘sentinela da liberdade’. Ele foi criado em 1941, às vésperas dos Estados Unidos entrarem no conflito, para encarnar as cores e a bandeira do país e impulsionar o apoio popular. Após tomar um soro, o soldado Steve Rogers ganhou força e agilidade descomunais e liderava os aliados nas batalhas. Todos os heróis – e até alguns inimigos – foram convocados contra o nazismo, mas nenhum fez tanto sucesso com adolescentes e soldados como o Capitão América.

Depois de 1945, o soldado não se aposenta. Ele passa a combater o crime nas ruas, mas é necessário para enfrentar o novo adversário dos EUA, a URSS. Em sua nova fase, o ‘Sentinela da Liberdade’ vira ‘esmagador de comunas“. A revista era vendida com uma `atraente` motivação: “Veja o Capitão América desafiar as hordas comunistas“.

Os anos 60 e os protestos contra a Guerra do Vietnã atropelam o personagem. Mesmo tentando se adaptar – chega a arrumar um parceiro negro, do Harlem – ele não consegue recuperar o apelo de antes.

A direção da Marvel inicia um processo de ‘humanização’ do personagem interrompido pela queda das torres. Tem início uma nova guerra, a contra o ‘terrorismo’, e a Marvel coloca o personagem a serviço da campanha beligerante de Bush.

O uso dos quadrinhos nas guerras, assim como o surgimento de dezenas de títulos de jogos onde os inimigos são árabes, latinos ou negros, mostra que o imperialismo, para subjugar os povos, sabe que precisa do controle de milhares de mentes em todos os cantos do mundo.