Nestes dois anos e meio de governo do MAS, o partido de Evo Morales, a oligarquia recuperou-se bastante – em comparação com 2003 e 2005, quando corria o risco de ser sepultada pelas massas que tomaram as ruas. Isso acontece graças à política permanente de acordos do MAS com a direita. Essas movimentações são as bases de uma nova escalada de violência e agressões da direita. Desta vez, com traços claramente racistas.

Oligarquia reacionária: atacar para defender seus privilégios
Desde os primeiros momentos do governo de Evo, a burguesia oligárquica tenta recuperar-se da surra que o povo lhe deu em 2003 e retomar o poder na Bolívia. Sabe perfeitamente que o processo revolucionário aberto pelas lutas sociais populares exige mudanças estruturais que se chocam com seus principais interesses econômicos e políticos. Teme que a indignação do povo, acumulada por anos de submissão, exploração e discriminação, vá além de expulsar um presidente, como em 2003 e 2005, e se proponha a destruir as instituições do Estado burguês (Senado, Câmara de Deputados e Forças Armadas), tirando-lhe o poder econômico, tomando latifúndios e empresas.

Por conta deste profundo temor, a oligarquia, as multinacionais, a embaixada norte-americana e o próprio imperialismo “toleram” Evo como presidente, já que sua origem camponesa e indígena garante o apoio das massas. Obviamente, não era esse o seu candidato preferido. Preferiam Tuto Quiroga ou qualquer outro representante da oligarquia. No entanto, o governo de Evo significa uma verdadeira garantia para evitar uma rebelião das massas. Isso não significa que a burguesia não busque desgastá-lo para vencê-lo em futuras eleições ou derrubá-lo antes, caso se apresente a oportunidade.

Quando o PODEMOS (partido da direita boliviana) aprovou no Senado o referendo revogatório, que era inicialmente um projeto do MAS, já pensava em criar essa oportunidade. A intenção era derrubar o governo através do voto, para impor uma derrota à classe trabalhadora, aos camponeses e aos movimentos sociais populares. Mas foi um erro da oligarquia. Um erro de cálculo político, devido a seu desespero político para recuperar a liderança e a representação nacional da direita, atualmente personificada nos comitês cívicos e autoridades regionais.

A avaliação da direita é que no referendo Evo pode vencer e vários prefeitos vão perder seu cargo, entre os quais Manfred Reis Villa, em Cochabamba, e José Luis Paredes, em La Paz. Por isso, surgiram as críticas aos prefeitos e comitês cívicos, agrupados no CONALDE, sobre o referendo revogatório. Estão desesperados para mudar a lei do referendo e, ao mesmo tempo, impulsionar a campanha pelo NÃO a Evo. Inclusive tentaram propor eleições gerais em vez de um referendo revogatório.

Governo: fortalecer para negociar
Em dois anos e meio no poder, o governo não tomou, até o momento, medidas que verdadeiramente questionem os interesses imperialistas das multinacionais. A famosa “nacionalização dos hidrocarbonetos” (gás e petróleo) permitiu que as empresas petroleiras internacionais seguissem operando na Bolívia. Agora, com novos contratos de 40 anos e apenas pagando mais impostos do que antes. A medida e as negociações com a empresa espanhola Repsol, receberam elogios do rei da Espanha.

Alguns setores dizem que o governo é antiimperialista porque recusou o Tratado de Livre Comércio com os EUA. Mas está negociando outro convênio de livre-comércio com a União Européia. Do mesmo modo, aceita a “cooperação” norte-americana fortemente implantada no país mediante a chamada “Conta do Milênio”, o ATPDEA e a agência USAID, que seguirá intervindo em questões internas como a redução das plantações de coca – apesar do protesto dos cocaleiros que expulsaram a USAID da região do Chapare. Evo acusa o presidente peruano Alan García de ser submisso a Bush, mas o governo boliviano mantém 300 de seus soldados na ocupação militar do Haiti, como parte da força-tarefa da ONU (a Minustah), que atua fielmente sob a política dos EUA e do governo Bush.

Graças à luta e à pressão dos mineiros, o governo nacionalizou de novo a empresa Vinto (fundição de metal) e a mina de Huanuni, criando 4 mil empregos para ex-cooperativistas. Mas, por incrível que pareça, apóia e impulsiona grandes projetos mineiros privados como a Minera San Cristóbal, da multinacional Apex Silver, e o projeto Mutún, em uma parceria com a multinacional Jindal e a empresa Karachipampa (fundição de metal), entregue a preço de banana a uma multinacional especulativa chamada Atlas Precious Metals.

Por outro lado, o governo permite uma chantagem quase permanente da Câmara Agropecuária do Oriente (CAO), na medida em que não nacionaliza grandes agroindústrias em mãos de latifundiários do oriente e não expropria as terras concentradas em suas mãos. Assim, em vez de diminuir a desigualdade econômica e social, o abismo entre ricos e pobres aumenta. Basta olhar a questão dos salários dos operários. O governo propôs um salário mínimo de somente 575 bolivianos, enquanto a Prefeitura de Santa Cruz, após o referendo (para conquistar maior apoio popular), propõe um salário de mil bolivianos. Assim, vemos que, em vez de enfrentar os interesses da oligarquia, as medidas assumidas pelo governo permitiram o seu fortalecimento.

Neste sentido, o governo faz o jogo da oligarquia: freia os movimentos sociais populares para que continuem “à espera” e tranqüilos, sem maiores lutas, com o “grande argumento” de que este governo é melhor que os anteriores. Para isso, conta com a ajuda das principais direções das organizações sociais que obedecem ao governo e assim deixam um dos princípios da classe trabalhadora: a independência política frente a qualquer governo.

Recentemente Evo declarou à revista “Cosas”: “O medo que tenho é de que a população que nos apóia se insurja.” Ou seja, enquanto uma reduzida elite da oligarquia permite-se humilhar os camponeses, expulsar os guaranis de suas terras e mantê-los como semi-escravos, em vez de apoiar as lutas do povo, o MAS e o presidente temem que a população tome as ruas. A classe trabalhadora, os camponeses e o povo devem reagir e pôr a direita em seu devido lugar. Devem enfrentar os obstáculos, sejam da oposição de direita ou do próprio governo.

O que significa o voto crítico em Evo?
Por conta desse temor em perder o controle sobre as bases, o MAS enxergou no referendo revogatório uma oportunidade de desviar as lutas: das ruas para as urnas. Com o referendo, o governo espera fortalecer-se, reafirmando o apoio da maioria da população ao presidente Evo, para voltar ao diálogo com a direita em condições mais favoráveis.

Porta-vozes governamentais e o próprio vice-presidente já anunciaram as próximas negociações para depois do referendo. As permanentes negociações do governo só fortalecem as oligarquias e adiam as mudanças estruturais necessárias ao país. Demonstram a natureza social deste governo de conciliação de classes. Para avançar é necessário firmeza e não pactos! Basta de negociações com a direita! A classe operária não pode depositar nenhuma confiança neste governo.

Estamos contra a política de negociação permanente. Estamos contra desviar as lutas para as urnas. Mas não estamos a favor de que a burguesia reacionária derrube o governo. Por isso, não estamos com o NÃO a Evo proposto pela oligarquia. Também não estamos em prol do voto em branco que, neste caso, significa o mesmo: votar em branco é como não se pronunciar nesta batalha contra a direita, na prática acaba sendo um apoio silencioso a ela. Se o mandato de Evo é revogado neste referendo, seria uma derrota para a classe trabalhadora, os camponeses e o povo em geral, que têm ainda muitas esperanças neste governo. Seria uma vitória da direita. Chamamos os operários, os camponeses e a juventude a revogar os prefeitos, porque não melhoraram as condições de vida dos trabalhadores e do povo de suas províncias, e dar um voto crítico a Evo.

Independência política frente ao governo
As principais organizações sociais – como CSUTCB, Colonizadores, Fejuve, COR-El Alto, Federação Bartolinas Sisa, cooperativistas mineiros etc. – e partidos de esquerda, como o Partido Comunista, pedem que o povo diga não a esta tentativa da oligarquia de derrubar Evo. No entanto, ao mesmo tempo propõem total apoio político ao governo. Esta posição nos parece errada, porque não se propõe a enxergar o que vai ocorrer após 10 de agosto, não denuncia a intenção do governo de voltar a negociar com a direita. Não propõe nenhuma exigência ao governo, nem denuncia que o governo não está cumprindo as três principais exigências da Agenda de Outubro (verdadeira nacionalização e recuperação dos recursos naturais a favor do povo, industrialização do gás e Assembléia Constituinte). Estes companheiros escondem que o MAS continua aplicando seu programa de “capitalismo andino”, que não corresponde às reformas estruturais necessárias ao país.

Já descrevemos as profundas diferenças que temos com o governo e suas medidas, motivo pelo qual não o apoiamos. Uma questão parece-nos clara e evidente: o referendo não vai resolver a crise política do país; nem vai melhorar as condições de vida da classe trabalhadora. É hora de dizer basta às negociações e exigir que o governo avance nas mudanças prometidas.

Após 10 de agosto, alertamos que vamos ter que aumentar as lutas por melhores condições de vida e pelas grandes mudanças prometidas, exigindo das direções das organizações sociais independência orgânica e política do governo e recusando a política de continuar com os ‘diálogos’ e acordos com a burguesia. Isso é um primeiro passo para questionar as políticas do governo e do MAS – que demonstrou ser mais um partido na ordem das reformas do capital – e criar, assim, as condições para discutir a necessidade de construir uma verdadeira alternativa política revolucionária: dos operários, dos camponeses e da juventude, para derrotar a burguesia e construir uma Bolívia sem exploração nem discriminação.

Por um programa anticapitalista

  • As bases devem pressionar as suas direções e exigir que respeitem a independência orgânica e política frente ao governo
  • Nenhum ‘diálogo’ a mais, nenhum acordo de Evo com a burguesia!
  • Fora todos os ministros neoliberais!
  • Retomar as lutas pela Agenda de Outubro!
  • Retomar as lutas de rua exigindo melhores salários, aumento da renda familiar e defesa da previdência pública
  • Por um plano nacional de obras públicas para geração de vagas permanentes de trabalho; este plano deve ser financiado com recursos do IDH
  • Por uma verdadeira nacionalização dos hidrocarbonetos e da mineração privada sob controle operário e popular
  • Nacionalização sem indenização de todas as empresas que foram privatizadas pelos governos neoliberais
  • Expropriação sem indenização dos grandes latifúndios do oriente boliviano; terra aos camponeses sem terra ou com terra insuficiente, e para os territórios coletivos dos povos indígenas
  • Que Evo retire imediatamente as tropas bolivianas da ocupação imperialista do Haiti!
  • Por um verdadeiro governo operário e camponês, antiimperialista e anticapitalista.
  • Por uma Bolívia socialista, sem exploração nem discriminação
  • Post author Nerecilda Rocha, de La Paz
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