Existem diferenças entre os novos governos da “centro-esquerda“ latino-americana. Há dois blocos: um mais à direita, liderado por Lula e formado pelos governos do Chile e Uruguai, entre outros. O bloco mais à esquerda é encabeçado por Chávez, com Morales e Rafael Correa (Equador). Existem claras distinções nos discursos (enquanto Lula declara que Bush é “um amigo“, Chávez o chama de “diabo“) e também na política externa. O presidente da Venezuela busca relações com o Irã e ataca a guerra no Iraque, enquanto Lula se empenha em ser o defensor de Bush na América Latina, inclusive enviando tropas para o Haiti. Outra diferença surgiu agora, com as medidas de nacionalizações de Morales e Chávez.

As diferenças maiores entre estes governos não se devem a tal ou qual característica de seus presidentes, mas à situação objetiva da luta de classes: onde existem (ou existiram recentemente) grandes mobilizações revolucionárias (Bolívia, Equador e Venezuela), seus governantes são obrigados a ir mais à esquerda. Ao menos nos discursos contra Bush e em uma ou outra medida como as nacionalizações.

Mas nenhum desses governos defende a ruptura com o imperialismo, muito menos uma perspectiva socialista real. O líder do bloco “de esquerda“ Chávez segue pagando religiosamente a dívida externa, quando teria condições para não pagá-la e convocar uma frente de países para esse enfrentamento. O país é o sexto parceiro comercial dos EUA em todo o mundo, por garantir o fornecimento de petróleo mesmo quando Bush lançou a guerra contra o Iraque.

As nacionalizações das petroleiras em Orinoco, recém anunciadas, buscam adequar as empresas dessa região às mesmas regras do resto do país, em que o Estado tem maioria formal das ações das empresas, mas permite às multinacionais até 49% da produção e dos lucros. As empresas “nacionalizadas“ já anunciaram uma clara disposição para um acordo com o governo, já que as parcerias no restante do país garantem um lucro altíssimo.

Tampouco Chávez defende uma perspectiva socialista de verdade. Na edição passada já demonstramos como ele não defende a expropriação das grandes empresas privadas, e sim uma economia “mista“ capitalista. Também não propõe poder para os trabalhadores, e sim uma democracia burguesa com vários elementos bonapartistas, como o que agora lhe deu direito de governar por decretos. Isso se reflete na manutenção da situação de miséria da Venezuela, que não difere dos índices salariais e do desemprego do resto da América Latina.

Chávez repete o percurso do sandinismo em relação à burguesia. Uma nova classe dominante muito forte está se formando a partir do aparato de Estado, com o apoio direto de Chávez – a chamada “boli-burguesia“ (burguesia bolivariana). Inclui figuras como Diosdado Cabello, que comprou as indústrias dos grupos Sosa Rodríguez e Montana, três bancos comerciais e várias empresas de seguro, formando um dos maiores conglomerados do país. Além disso, o velho setor golpista da burguesia venezuelana está dividido, com Cisneros (o segundo mais rico da América Latina) e a Fedecameras (entidade patronal que articulou o golpe de 2002) apoiando o governo.

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