A década de 90 teve um profundo significado histórico com a queda das ditaduras stalinistas. Esse processo marcou o conjunto da esquerda e também o movimento trotskista.

A derrubada das ditaduras stalinistas foi um passo extremamente progressivo, pois fez desaparecer o aparato que funcionou como principal dificuldade para a revolução mundial. Mas, por incrível que pareça, essa nova etapa teve um desenvolvimento complicado. O início dos anos 90 foi marcado por uma situação reacionária, onde o elemento progressivo (a derrubada do stalinismo) foi apagado pela contra-ofensiva imperialista apoiada na restauração do capitalismo no Leste Europeu e no auge do neoliberalismo.

Essa contra-ofensiva gerou uma gigantesca propaganda que atingiu fundo a esquerda. Espalhou-se amplamente a ideologia de que o capitalismo triunfara e o socialismo morrera. Generalizou-se o questionamento ao bolchevismo, à ditadura do proletariado, ao partido revolucionário, ao centralismo democrático e à própria revolução.

Foi imposto um ultra-individualismo, negando a mínima consciência de classe, assim como a estratégia socialista. Foi o momento em que os setores reformistas como a social-democracia assumiram a defesa da democracia burguesa como objetivo final. Assim, a aplicação dos planos neoliberais foi incorporada como parte de sua própria política. Com o PT brasileiro foi assim.

Mas a esquerda revolucionária também foi atingida. Partidos entraram em crise, outros desapareceram. Alguns seguiram defendendo formalmente a revolução, mas já adontado claramente ideologias reformistas.

O movimento trotskista foi duramente afetado. A LIT quase foi destruída com a explosão do seu principal partido na época, o MAS argentino. Este, que chegou a ser o maior partido trotskista do mundo, entrou em uma enorme crise após a morte do dirigente Nahuel Moreno, se dobrando abertamente à democracia burguesa. Mas a LIT sobreviveu, se recompôs e lutou para se reorganizar em base aos princípios marxistas.

Entretanto, não foi o que ocorreu no restante do movimento trotskista: “O ‘movimento trotskista’ – considerado como um conjunto de organizações e correntes que, apesar de suas diferenças, mantinham sua independência dos aparatos social-democratas, stalinistas, nacionalistas burgueses ou pequeno-burgueses, mesmo quando capitulavam politicamente a eles em diversos casos – acabou-se, já não existe mais. A maioria de suas organizações, mesmo que continuem existindo ou inclusive se fortaleçam, já não são independentes, mas apêndices de esquerda do castro-chavismo, da social-democracia ou de aparatos nacionais.” (documento sobre estratégia da Liga Internacional dos Trabalhadores).

Ou seja, muitas organizações trotskistas se transformaram em reformistas. Um exemplo disso é a corrente MES, que está na direção do PSOL. Embora tenha origem no trotskismo, hoje ela defende abertamente o apoio aos governos de Hugo Chávez (Venezuela), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Fernando Lugo (Paraguai). Para isso, usam a mesma teoria pablista dos “campos progressistas”: “É a mesma situação colocada aos companheiros da Venezuela agora, sendo parte do campo do processo bolivariano contra a reação e o imperialismo. Como defendemos um campo também na Revolução Cubana contra o imperialismo. Saber atuar em um lado do confronto com independência política e organizativa e defendendo os interesses da classe operária. Essa é uma política geral nas situações agudas e, em particular, nos países independentes que estão na mira do imperialismo.” (Teses teóricas e políticas MES-PSOL)

De acordo com essa postura reformista, o MES declara: “não acreditamos que a construção da Internacional signifique a reconstrução da IV Internacional: é um novo período da luta de classes. A IV Internacional foi uma resposta defensiva ao stalinismo que cumpriu o objetivo de defesa do programa em momentos difíceis. Agora está colocado um reagrupamento, ou, melhor dito, um agrupamento de forças que vão além dos que reivindicamos o trotskismo.”

Ou seja, não defende a construção de uma internacional revolucionária, mas de um ‘agrupamento’ onde cabem revolucionários e reformistas. Para isso, a unidade não seria a afirmação da independência de classe na luta para tomada do poder, mas o apoio aos governos burgueses ditos “progressistas”. Algo que não tem nada a ver com o trotskismo, mas sim com o stalinismo.

Já os que seguem defendendo um programa revolucionário apostam hoje, mais do que nunca, na reconstrução da IV Internacional. Entretanto, está claro que a IV não será reconstruída a partir dessas organizações “trotskistas” hoje reformistas. A Internacional será reconstruída por aqueles que assumirem um programa da revolução, independente de suas origens.

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