Empresas dominam o futebol e lucram com paixão dos torcedores“Aproveitadores. Mercenários. Sem amor à camisa”. Foi assim que, em 1938, a imprensa e a então Confederação Brasileira de Desportos (CBD) chamaram os jogadores da seleção, depois que estes reivindicaram uma diária de 25 dólares para se manterem na França.

Quase 70 anos depois, esse valor não seria suficiente para pagar as duas cervejas e a entrada de Roberto Carlos na polêmica visita dos jogadores a uma boate suíça. Há muito o futebol tornou-se um grande negócio, um espetáculo que movimenta milhões de dólares e faz dos principais jogadores astros milionários, capazes de vender os mais diferentes produtos e girar a roda do capitalismo.

Naquela noite, na boate, Ronaldo atacou de DJ. Dias depois, os fones de ouvido que ele usou estavam sendo leiloados na internet. O Fenômeno ainda transforma em ouro tudo o que encosta, mas o Toque de Midas está mesmo nas mãos de Ronaldinho, o jogador mais bem pago do mundo. De acordo com a revista France Football, o jogador do Barcelona faturou cerca de 70 milhões de reais em 2005, entre salários e cachês.

Quando tinha 21 anos, Ronaldinho espantou-se com o valor de um contrato de publicidade que seu irmão e empresário assinou. Achou o valor exagerado. Mas, para o mercado, ele valia a soma. Eleito por dois anos o melhor jogador do mundo, seu preço continua subindo. Hoje, aos 26 anos, é a estrela da Copa. Por aqui, ele aparece em 12 campanhas publicitárias, de chicletes a refrigerantes. Sua marca foi avaliada em 125 milhões de reais, a mais alta do futebol. Já o Fenômeno, depois de fases ruins e há alguns jogos sem marcar, surge em sétimo nesta lista.

A indústria da bola
Segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas, o futebol mundial movimenta cerca de 250 bilhões de dólares por ano. Parte disso diz respeito aos salários dos jogadores, venda de camisas e produtos dos clubes e ingressos. Estima-se que um torcedor europeu gaste, em média, 20 dólares por ano com seu time do coração.

Assim, os clubes tornam-se verdadeiras empresas. O cronista Armando No-gueira, em seu livro “A Ginga e o Jogo”, lembra do surgimento dos cartolas no Brasil, torcedores ricos, que premiavam os jogadores e, pelo amor ao clube, muitas vezes se desfaziam de suas fortunas.

A cartolagem no Brasil se desenvolveu e hoje é bem mais prejudicial ao esporte. No entanto, os Kleber Leite da vida nem se comparam aos novos empresários do futebol mundial. O tempo agora é de figuras como o russo Roman Abramovich, que colocou sua fortuna misteriosa, surgida após o fim da União Soviética, no Chelsea, da Inglaterra. Ou de Malcolm Glazer, que investiu no também inglês Manchester United, a equipe mais valiosa do mundo, que está na bolsa de valores com ativos da ordem de 900 milhões de dólares.

Mas a mina de ouro não está em camisas ou ingressos. O grosso do faturamento vem da publicidade e dos direitos de transmissão dos jogos. Há um enorme público para isso, formado por consumidores de produtos ligados ao esporte, gente que acredita que seus ídolos usam realmente tudo o que oferecem nos anúncios e espectadores, com dezenas de partidas disponíveis na TV aberta e por assinatura. Este mercado consumidor, segundo o sociólogo Pierre Bourdieu, surge a partir da popularização da prática do futebol.

Um país como o nosso, com 30 milhões de peladeiros, é um prato cheio para as empresas.

Este mercado contou com a alavanca do surgimento da TV, o principal meio de comunicação de massa. As partidas deixaram de ser acompanhadas pelo rádio ou por caixas de som nos postes. A própria bola sofreu alterações, com os gomos pretos, para aparecer melhor na tela. Neste ano, estima-se que dois em cada três habitantes do planeta assistam aos jogos. Serão quatro bilhões de pessoas vendo mais de 300 emissoras de TV.

Nike ou Adidas? Para quem torcer?
Há outras seleções em campo. O uniforme inclui gravatas, ternos alinhados e milhões de dólares para patrocinar os jogos. Das centenas de empresas que de algum modo têm suas marcas ligadas ao mundial, destacam-se a Adidas, a Nike e a Puma, que têm feito uma intensa movimentação pra ver quem chega mais longe e alcança mais público.
A Puma abocanhou 12 das 32 seleções. De olho no mercado africano, patrocina todas as equipes do continente, além de Itália, Suíça e Paraguai. A Adidas patrocina seis, incluindo Alemanha, França e Argentina. A Nike patrocina oito, entre elas o Brasil.

Caso o “quadrado mágico” traga a taça, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) receberá 60 milhões de dólares da Nike. Isso sem contar o valor fixo do contrato assinado até 2018. A CBF arrecadou R$ 83 milhões em 2005 em publicidade e direito de transmissão. Até a cidade suíça Weggis teve de pagar. Foram R$ 4,3 milhões para hospedar o Brasil. A Fifa, com 15 patrocinadores oficiais, lucrará mais de 1,3 bilhão de dólares.

Aqui no Brasil, a publicidade em torno da copa deve movimentar R$ 1,2 bilhão. Até o técnico Parreira entrou na dança, como garoto-propaganda de um plano de saúde. Neste jogo, dificilmente as grandes empresas saem perdendo. Iniciam suas campanhas meses antes e, com o patrocínio às seleções e aos jogadores, alcançam novos mercados. Ainda que sua escolhida não seja campeã, seus torcedores já terão comprado TVs, cervejas, camisas, celulares e chuteiras.

A forte presença das empresas ameaça o esporte. Até mesmo o ex-jogador alemão Franz Beckenbauer admite que é preciso um freio. Para ele, “o futebol precisa de uma purificação geral”. O craque, que preside os jogos deste ano, disse ser preciso discutir os limites dos lucros e tocou em temas tabus, como enriquecimento de dirigentes e treinadores e o mercado de apostas.

De fato, o capitalismo ameaça a beleza deste esporte com a padronização das equipes, a exportação e transformação de jogadores em empresas, a superexploração de outros milhares e sucessivos escândalos de corrupção. Em sua necessidade de lucro, o capitalismo vai além e controla a exibição do espetáculo, no melhor sentido do termo.
Nesta Copa, serão enviadas as imagens dos gols para celulares e e-mails. Mas tudo tem seu preço e é sempre bom recordar o que ocorreu na Argentina, nas eliminatórias de 2002. Na ocasião, as TVs simplesmente não transmitiram os jogos da seleção para a Grande Buenos Aires, gerando a revolta na população.

Na lógica do capital, o lucro tem sempre de ganhar de goleada. Com tanta energia quanto vibramos nas partidas do Brasil, torceremos para que as empresas não consigam derrotar a beleza do futebol.

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