Pedro Assis, do Rio de Janeiro (RJ)

No dia 22 de Julho, bateu-se mais um recorde de casos de Covid-19 no Brasil. Atingiu-se a marca de 65.339 casos em apenas um dia, além de registrar 1.293 mortes em 24 horas. Esse dia foi marcado também pelo retorno do Campeonato Gaúcho e do Campeonato Paulista de Futebol. Além disso, a Copa Nordeste retornou no dia 21 do mesmo mês.

O país vem atingindo números altíssimos relacionados ao novo coronavírus e, ainda assim, os dirigentes de federações e cartolas têm pressionado pelo retorno das atividades do futebol. O Campeonato Carioca retornou antes dos outros campeonatos e já até houve sua etapa final no dia 15 de julho, que ocorreu ao lado do Hospital de Campanha do Maracanã. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) pretende retornar o Campeonato Brasileiro dia 9 de agosto.

A volta do futebol neste momento de pandemia é um risco tanto para funcionários e jogadores dos clubes, além de poder gerar aglomerações por conta dos torcedores. Em Santa Catarina, ao tentar retornar o estadual de futebol, na hora da partida, diversos jogadores e funcionários foram detectados com a Covid-19 no estádio. Os mesmos já tinham entrado em contato com pessoas da equipe rival, o Avaí Futebol Clube. A Chapecoense chegou a registrar 26 casos de Covid-19 entre seus profissionais.

Na Europa, o time inglês Liverpool e o italiano Napoli ganharam títulos importantes após o ápice da pandemia. Milhares de torcedores se aglomeraram nas ruas para festejar, onde a emoção da conquista muitas vezes se sobrepõe à razão de respeitar o isolamento social. No Brasil, o Flamengo transmitiu seu jogo pela internet e fez com que diversas pessoas que não têm acesso a esta tecnologia desrespeitassem o isolamento social tendo que procurar a casa de amigos ou bares para assistir o jogo.

A volta do futebol no Brasil não é só marcada pela pandemia, mas pelas polêmicas envolvendo a Medida Provisória n° 984, de 2020 (MP 984), que altera as regras do direito de transmissão dos eventos esportivos, dentre outras medidas. As diretorias de Flamengo e do Vasco foram até Brasília para negociar com o presidente Bolsonaro a criação desta MP. Bolsonaro viu uma oportunidade de tentar enfraquecer a Rede Globo, que ele acusa de ser sua adversária. As consequências dessa MP são incertas bem como não se sabe se será aprovada de forma definitiva.

Cada jogo tem se tornado uma batalha judicial entre clubes e empresas de telecomunicações. O primeiro jogo do retorno do Flamengo, pelo Campeonato Carioca, não foi transmitido por nenhuma emissora, no entanto, o time ganhou na justiça a possibilidade de transmitir os jogos e optou pela transmissão pela internet. Na semifinal da Taça Rio, torneio de futebol realizado em anexo ao Campeonato Carioca, na partida contra o time Volta Redonda, o Flamengo optou por transmitir o jogo em uma plataforma digital paga, a qual o dono é um bolsonarista. Já os torcedores teriam que pagar R$ 10 para assistir um único jogo, o que gerou a revolta da torcida rubro negra.

Já na final do mesmo torneio, o mando de campo foi definido por sorteio. O time carioca Fluminense foi sorteado, então, de acordo com a nova MP, o Flamengo não poderia transmitir a partida, apenas o Fluminense teria o direito. Iniciou-se então a movimentação nos bastidores da Justiça para alterar o mando de campo ou invalidar o efeito da MP.

Na final do Campeonato Carioca, o Flamengo foi pressionado por seus patrocinadores a transmitir o jogo em emissoras de televisão aberta, e o clube decidiu então negociar com o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão). Lembremos que o genro de Silvio Santos, Fábio Faria, é Ministro das Comunicações de Bolsonaro, e Landim (presidente do Flamengo) estava presente em sua posse como ministro, enquanto negociava a MP com Bolsonaro.

Apesar das polêmicas, 16 clubes da primeira divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol apoiam a Medida Provisória. Os presidentes dos clubes que têm seus direitos negociados com a empresa de mídia Turner Broadcasting System foram se reunir com Bolsonaro para debater e apoiar as mudanças nas regras de transmissão. Esta empresa, que transmite eventos esportivos por meio do canal Esporte Interativo, protagoniza uma disputa com a Rede Globo sobre os direitos de transmissão das partidas de futebol.

A Rede Globo rescindiu o contrato com o Campeonato Carioca de 2020 e o cenário para 2021 do estadual é incerto. As cotas de TV são atualmente a principal fonte de renda para a maioria dos clubes e, sem elas ou com essa fonte reduzida, pode haver uma crise de grandes dimensões em diversos clubes. O próprio Campeonato Brasileiro de Futebol de 2020 está envolto em diversas incertezas. A empresa Turner, que já estava sinalizando rescindir o contrato com os clubes os quais havia acordado, anunciou recentemente que irá transmitir os jogos dos clubes que tem contrato com a Rede Globo quando estes jogarem de visitante. A perspectiva do futebol brasileiro é de um foco maior nas disputas fora de campo, e o evento que ocorre dentro das quatro linhas se tornou secundário.

Este cenário tem contribuído para desmoralização do esporte preferido dos trabalhadores brasileiros. Pior do que isto, o futebol tem se tornado mais um fator de propagação do vírus no Brasil e no mundo. Os principais responsáveis por isto, nós não temos dúvidas, são o presidente Bolsonaro em conluio com os dirigentes da alguns dos principais grandes times do país, que expõem os atletas, funcionários e torcedores. Uma parcela destes últimos irá, infelizmente, se somar à cifra das dezenas de milhares de infectados e mortos no país. Serão mais vítimas do genocídio consciente promovido pelos governos de Bolsonaro e Mourão, bem como dos governantes locais e regionais que aprovam e incentivam a volta do esporte.

Já está claro que não há condições para que as atividades do futebol possam voltar à sua “normalidade”. Sedentos pelo lucro, os dirigentes dos grandes clubes, as emissoras e empresas de mídia querem, como sempre ocorreu, lucrar em cima do esporte que é paixão nacional. Nem que seja necessário passar por cima da vida de milhares de atletas e torcedores.

Como dissemos em outro artigo os planos para o futebol são de estádios vazios, jogadores e funcionários expostos à pandemia enquanto nos aproximando dos cem mil mortos. Reforçamos o chamado aos trabalhadores da bola e da arquibancada pra enfrentar a elitização e desmoralização do futebol, a pandemia e o projeto ditatorial de Bolsonaro e Mourão.

– Quarentena geral já!
– Não ao retorno do futebol!
– Não aos jogos sem torcida!
– Em defesa da saúde de jogadores, torcedores e demais profissionais do futebol!
– Fora Bolsonaro e Mourão!