Bombeiro durante manifestação na orla de Copacabana
Gustavo Speridião

Mobilização abre oportunidade de se debater a necessidade da desmilitarização dos bombeiros e da polícia, ao mesmo tempo que mostra que lutar não pode ser visto como crimeManhã do dia 4 de junho de 2011. As imediações do agradável Campo de Santana, cenário onde as cotias e os gatos passeiam bucolicamente ao lado de um casal de pavões, estão ocupadas por tropas da Polícia Militar, comandadas diretamente pelo Estado Maior.

Diante da possibilidade de parcelas significativas do Batalhão de Choque da PM descumprir a ordem – o governador do Rio, Sergio Cabral (PMDB e aliado do governo Dilma), ordena que a tropa de elite da PM fluminense, o Batalhão de Operações Especiais (BOPE) invada o Quartel Central do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro.

Com tiros de fuzil, bombas, gás lacrimogêneo, pulando muros e forçando portões, os homens de preto invadem o histórico prédio. A segunda casa dos bombeiros do Rio é invadida e ocupada pelo BOPE. O resultado: mulheres e crianças feridas. Com sua truculenta ação Sergio Cabral é responsável pela perda de uma vida: uma das mulheres sofreu um aborto.

Mesmo assim os Bombeiros impõem, em meio à invasão, uma derrota moral a Cabral e ao Alto Comando da PM: só aceitam se render como tropa. 439 bombeiros presos. Entre eles homens e mulheres que estiveram à frente do resgate às vítimas do descaso de Cabral e de outros governantes na Região Serrana, quando das chuvas e deslizamentos de terra que só não causaram mais vítimas graças à ação da população e a abnegada ação dos bombeiros.

A resposta dos bombeiros não se fez esperar. Em poucas horas um grito ecoava, enquanto um acampamento se erguia em frente à ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro): Quem é? Quem é? É o bombeiro no local!

Os movimentos sindical, popular e estudantil combativos não demoraram em se jogar no apoio. A CSP-Conlutas, que desde antes vinha apoiando as manifestações e as reivindicações dos bombeiros, mobilizou os sindicatos filiados e simpatizantes e o movimento popular. A ANEL (Assembléia Nacional de Estudantes – Livre) foi para as salas de aula das escolas e universidades viabilizar o apoio da estudantada, que não parava de chegar.

Ativistas do Sindsprev, do MTL, entre outras organizações e entidades vinculadas à CSP-Conlutas, além de militantes do PSOL e do PSTU, viabilizavam junto à bombeirada, o rancho do acampamento.

Entre as mulheres, o Movimento Mulheres em Luta se fez presente. Os profissionais da educação decretaram greve. Os trabalhadores da saúde estadual declararam solidariedade. Nos quartéis PM’s, e nas delegacias, fitas e camisas vermelhas começaram a aparecer. Publicamente, na Praça, os bombeiros declaravam no som que o Batalhão de Choque havia se recusado a atacar o Quartel Central dos Bombeiros. Policiais fora de serviço compareciam à Praça declarando seu apoio. Em pouco tempo, somavam-se mais e mais gritos, a responder ao Quem é? Quem é? São os bombeiros, é a polícia, é a educação, é a saúde, são os estudantes no local.

Em diversas categorias votaram-se moções de solidariedade. Ações concretas eram realizadas. Os petroleiros em diversas cidades realizaram atos de solidariedade. Nas cidades onde no estado há sindicatos, oposições ou movimentos vinculados à CSP-Conlutas, como Macaé, Duque de Caxias e Nova Friburgo atos de rua foram realizados em solidariedade. Em São José dos Campos (SP) também se impulsionou ato. De distintos países chegaram moções de solidariedade.

A população fluminense também começou a responder com simpatia irrestrita. Por todo o estado se viam carros com fitas vermelhas e adesivos de apoio à luta dos bombeiros. Na internet as redes sociais fervilharam com o apoio à luta dessa categoria.

Destemperado, após horas de reunião, Cabral concede coletiva de imprensa. Sua retórica aumentou a indignação da bombeirada e despertou ainda mais simpatia entre a população.

Ao vivo, veiculado por emissoras de TV e rádio, entremeando com xingamentos como “covardes, vândalos, irresponsáveis, criminosos”, Cabral anunciou que os presos responderiam administrativa e criminalmente. Fez questão de frisar o xingamento de covardes. De forma machista, Cabral acusava os bombeiros de usarem suas namoradas, noivas, mulheres e crianças em sua luta.

Acostumado às mordomias imorais de seu cargo, ao come e dorme sem esforço de sua classe social – que sobrevive explorando o trabalho alheio – não passou pela cabeça de Cabral que para uma família de bombeiros – assim como para o conjunto da classe trabalhadora – a luta por melhores salários é uma luta da família inteira.

Não demorou e os cartazes na Praça, escritos a mão, expressavam: “Tenho orgulho do meu pai preso”, ou “Tenho orgulho do meu marido preso”.

Em reunião, cuja organização contou com a participação do Movimento Mulheres em Luta, as mulheres responderam ao governador em nota pública: Lugar de Mulher é na luta! Tomava também o caráter de luta contra o machismo o: Quem é? Quem é? São as mulheres no local!

Desde a CSP-Conlutas, milhares de cartazes e adesivos foram impressos e distribuídos em apoio à luta. “Somos todos bombeiros” foi um chamado que os trabalhadores e a população do estado tomaram para si.

Artistas de renome como Cássia Kiss, Ary Fontoura, Mateus Solano e Sergio Marone entre outros, veicularam vídeo de apoio irrestrito aos bombeiros.

O Rio se tinge de vermelho. Uma tsunami vermelha toma a cidade e se espalha pelo estado.

O que acontece no Rio?
Os grandes empresários, em especial construção civil e hoteleiros, vislumbrando lucros astronômicos com a cidade “pacificada” com as UPP’s, estavam maravilhados com a realização de Jogos Militares, Olimpíadas e Copa do Mundo no Rio de janeiro. Agora estão preocupados.

Esta é a cidade que retirou Obama da histórica Cinelândia, a Praça da Marcha dos Cem Mil, a Praça das Diretas JÁ, e obrigou o novo senhor da guerra e seus cúmplices a se esconderem no Teatro Municipal. É a cidade que se colocou à cabeça na solidariedade aos trabalhadores e ao povo pobre da Região Serrana, vítimas do descaso dos sucessivos governos – Cabral entre eles – que levou às brutais perdas de vidas nas chuvas de abril.

Agora esta é a cidade, e o Estado, vermelhos da luta dos bombeiros.

Como rastilho de pólvora a luta dos bombeiros vai animando a luta de outras categorias. Os profissionais da educação retomam sua campanha salarial. Nas unidades de saúde estaduais se discute a necessidade de ir à greve. Nos quartéis PM’s nas delegacias de polícia, cresce a insatisfação.

A luta dos trabalhadores federais ganha fôlego e corpo. Entre os ativistas um jogo de palavras expressa essa disposição: Os bombeiros puseram fogo na situação.

É fato, a luta dos bombeiros ao despertar a simpatia do conjunto da população, abriu uma importante crise no segundo mais importante governo de frente popular do país. No mais importante (depois do governo Dilma) governo de colaboração entre PT, PMDB e PCdoB.

O Rio de Janeiro, então, é hoje o ponto mais alto da nova conjuntura existente no país.

A situação, no Rio, poderia avançar para um questionamento mais global do próprio governo Cabral. Não raro se ouvia, timidamente, mas se ouvia aqui e ali um Fora Cabral.

Diante disso uma operação nacional se articulou para impedir que a situação avançasse nessa direção.

A liberdade viabilizada para os 439 presos foi fruto da luta, da mobilização e do apoio da população. Entretanto a ação que materializou tecnicamente a libertação foi movida desde fora do Rio de Janeiro.

Desde o Ministério Público, apoiando-se na maioria dos parlamentares que se solidarizaram com os bombeiros, discursos e mais discursos insistiam que a ocupação da Praça atrapalhava a luta pela libertação.

Mesmo pressionado pela mobilização e tendo recebido visita dos bombeiros do Rio, o governo Dilma ignorou, e segue ignorando solenemente, a luta e as reivindicações dos bombeiros, e do funcionalismo estadual. Finge que não vê. Isto por um lado, por outro segue, também, fingindo que não vê a grave crise em que está metido seu mais importante aliado em um governo estadual.

O Rio vermelho
A maior manifestação das últimas décadas de servidores estaduais ocupou a Avenida Atlântica. 27 mil segundo dados do Comando da PM. Segundo os organizadores mais de 50 mil. É bom lembrar que os que primeiro convocaram a marcha são especialistas em multidão: os bombeiros.

A orla da Zona Sul da cidade foi tomada por uma tsunami vermelha. Porém nem só bombeiros ocuparam as ruas nesse domingo. Lá estavam profissionais da educação, com uma coluna de milhares de trabalhadores. Policiais militares eram centenas. Trabalhadores da saúde, servidores de universidades, da Faetec. Delegações de outros estados, e, muito importante, lá estava a população que foi levar seu apoio à manifestação e à luta.

Faixas, cartazes buzinas, panos vermelhos nas janelas, foi a forma como diversas categorias e a população encontraram para levar seu apoio.

Em uma gigantesca faixa da CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), em conjunto com a ANEL (Assembléia Nacional de Estudantes – Livre) lia-se: BOMBEIROS SOS EDUCAÇÃO. Cabral covarde é você. Anistia para todos os bombeiros.

Aliás, parte da luta que segue é a luta por anistiar os bombeiros acusados. Formalmente respondem a uma ação penal militar pelos crimes de motim, dano em material ou aparelhamento de guerra, dano em aparelhos e instalações de aviação e navais, e em estabelecimentos militares. Mas de fato seu crime, aos olhos dos governos dos ricos e poderosos, é a coragem e a ousadia de se organizarem e lutar por uma vida menos indigna.

Cabral, o governo Dilma, o conjunto dos governos estaduais e municipais que governam para os ricos e poderosos, diante da luta dos trabalhadores e do povo passam a tratar nossas justas reivindicações como crime. É a criminalização dos movimentos sociais.

A luta dos bombeiros, e a feroz resposta de Cabral, trás a tona o debate da necessidade de desmilitarizar as Polícias e Corpos de Bombeiros.

A maior prisão (em quantidade) já ocorrida na história do judiciário fluminense só existe porque esses profissionais estão sob o mais restrito código judiciário: o código militar. O fato de serem forças militares os coloca, de fato, como cidadãos de segunda classe. Estariam legalmente impedidos de manifestar opiniões políticas. Não possuem o direito de organizar seus próprios sindicatos. No caso concreto, se depender de Cabral, a negociação de suas reivindicações só poderia se dar através do filtro do Oficial Comandante, nunca através de greves e manifestações.

Mas atenção bombeiros e policiais, desmilitarizar não significa desarmar. Desmilitarizar significa avançar em direitos democráticos negados pelo fato de serem militares. Desmilitarizar significa não ser desrespeitado, nem ameaçado de prisão cada vez que contestar sua condição de vida e trabalho.

Desmilitarizar, direito de sindicalização e de greve. Direito de manifestar opiniões livremente. Isto é parte do processo para resgatar o direito a serem cidadão plenos, tanto os bombeiros quanto os Policiais Militares.

A violenta repressão da Tropa de Elite do Cabral, o BOPE, coloca a necessidade dos bombeiros e demais policiais militares assumirem para si que lutar é um direito, lutar não é crime. Então precisam abrir o debate que sua tarefa não é reprimir outras categorias de trabalhadores em luta. Sua tarefa não pode ser reprimir os trabalhadores e o povo pobre quando lutam em defesa de seus interesses, de suas necessidades e reivindicações.

Isso é ainda mais determinante quando, em função das obras para a Copa e as Olimpíadas, Cabral e Eduardo Paes pretendem remover comunidades inteiras de trabalhadores de suas casas. Quando em função da inflação que corrói nossos salários mais e mais categorias saem em luta.

De fato é necessário abrir o debate que a Polícia Militar e Corpo de Bombeiros tal qual são hoje, forças auxiliares das forças armadas, não tem razão de ser. Este é o disfarce, para os governos dos ricos e poderosos, trata-se de manter forças militares para serem lançadas contra os trabalhadores e o povo pobre quando ousam lutar e questionar. Basta ver o papel cumprido pelo BOPE na luta dos bombeiros.

Assim é preciso discutir a necessidade da criação de uma nova polícia, desmilitarizada, civil, com direito a sindicato, a fazer greve. Uma polícia que, ao estar a serviço da esmagadora maioria da população, a classe trabalhadora, preste contas democráticas a essa mesma população. Com seus chefes e dirigentes eleitos. O mesmo vale para o corpo de Bombeiros como Força Civil.

Seguir a luta unificando
A luta dos bombeiros permitiu retomar a campanha salarial dos profissionais da educação. Animou os trabalhadores da saúde. Os trabalhadores da Faetec começam a se mobilizar e já estão com greve de advertência marcada. Há ânimo e disposição, mais que isso, existe a necessidade de realmente unificar o processo para arrancar vitórias ao Cabral.

Por além do dia 16 de junho, Dia Nacional de Lutas, é urgente que os calendários das categorias em lutam sejam unificados. É possível e necessário, respeitando o ritmo e a independência das categorias envolvidas, construir dias estaduais de luta.

Os bombeiros podem também, por exemplo, utilizar o respeito adquirido país afora para convocar uma reunião nacional que permita unificar a luta em torno da PEC 300.

Os profissionais da educação precisam abrir o diálogo com a população construindo reuniões com mães, pais e responsáveis, também com estudantes, para explicar as razões da greve. A presença de bombeiros nessas reuniões pode levar a dar um salto na luta unificada contra Cabral.

Cabral perdeu parte expressiva de sua popularidade. Os últimos dias significaram um relativo isolamento desse governo. Uma categórica derrota de Cabral pode significar abrir o caminho para lutas em outros estados. Ajudará a fortalecer a luta dos servidores federais. Colocará, assim, a possibilidade de abrir uma nova situação em nosso país, de categórica retomada das lutas dos trabalhadores e do povo pobre, arrancando conquistas.

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