O assassinato de um líder comunitário, José Maria Filho, no Baixo Jaguaribe (CE), no feriado de 21 de abril, reacendeu o debate sobre o agronegócio e a violência no campo. Não faz muito tempo, e por isso deve estar na memória dos trabalhadores, a declaração de Lula de que os empresários do agronegócio são verdadeiros heróis. Analisando a realidade, não custa perguntar: estaria falando sério o presidente da República? Para responder a essa pergunta, precisamos saber um pouco mais sobre a origem e o desenvolvimento do agronegócio no Brasil. Por trás dessa história, pode estar a explicação para tanta violência.

Agronegócio e ditadura
Em 1964, a ditadura militar criou o Estatuto da Terra que, no título III, voltava a sua atenção para o tema do desenvolvimento rural. Nos anos seguintes, se deu o processo conhecido por modernização do campo, enfatizando o elemento da empresa rural. De fato, isso significou uma penetração sem par do capitalismo na agropecuária brasileira.

Há quem imagine que esse quadro já estaria presente no Brasil desde o auge da cafeicultura, em fins do século 19 e nas primeiras décadas do século 20. Outra talvez já o veja antecipado na produção canavieira do período colonial. Com efeito, não podemos desprezar esses exemplos. Mas nenhum deles serve para elucidar a particularidade que marcou a evolução do agronegócio no Brasil, em especial, a partir dos anos 1970.

Sem dúvida, esse modelo de organização capitalista no campo tem em comum com o modelo anterior o objetivo de produzir, em larga escala, para exportação. Ao mesmo tempo, gera nos anos 1970 um processo brutal de precarização das relações de trabalho. É o auge da figura do bóia-fria. Nessa direção, produzir soja para alimentar animais na Europa era decisivamente mais importante do que a produção de artigos para alimentar homens e mulheres no mercado interno.

Essas transformações reforçaram a migração campo-cidade, fortalecendo o latifúndio e provocando o inchaço das grandes cidades. A pobreza apenas mudou de lugar. Saiu do campo e foi morar na cidade. Quatro causas fundamentais estão por trás dessa movimentação: a intervenção do Estado militarizado, o uso intensivo de inovações técnicas, a violência dos grandes proprietários e a ampliação dos latifúndios. É a isso que se popularizou nomear de modernização socioespacial.

No Ceará, as mudanças que ocorreram na produção de cana-de-açúcar na região do Cariri, no começo dos anos 1970, com a introdução do empresariamento por meio de uma usina que constrangia os produtores a plantar para ela, assim como as mudanças que aconteceram pouco antes com a agroindústria do caju, apoiada por incentivos fiscais, são exemplos de que essa modernização socioespacial era ampla e avassaladora. Não só isso. Era também garantida por recursos públicos, e o herói era o Estado. Os recursos que faltavam para produção de alimentos voltados para o mercado interno eram drenados por um sistema incipiente de agronegócio. Citamos o Ceará, mas isso aconteceu em todo país.

O fim da ditadura não foi o fim do agronegócio
Quando a ditadura militar saiu de cena ocorreu, não o debilitamento, mas o reforço das atividades ligadas ao agronegócio. O ponto alto desse movimento capitalista para apreensão completa do espaço rural se deu por volta dos anos 1990, particularmente na era FHC. Nos dois mandatos do sociólogo tucano, a presença dos negócios vinculados à agropecuária adquiriu um grau de visibilidade ainda maior. A mídia festejou, à época, o fato de que 38% da mão-de-obra brasileira estivessem situados nesse tipo de atividade. Seria um dos grandes legados de FHC. Pouco se discutiu sobre as condições de trabalho assentadas na mais absoluta precarização, da redução da oferta de alimentos na mesa das famílias brasileiras e de um sem número de desgraças associado ao crescimento do setor.

Para o governo tucano, bem como para o empresariado e a mídia, o importante é que as commodities representavam entre 42% e 44% das exportações e aproximadamente um terço do Produto Interno Bruto (PIB). Alguns especialistas passaram a consagrar um novo mito, a saber: a suposta vocação natural do Brasil para o agronegócio. No marco da Divisão Internacional do Trabalho, essa leitura interessava ao imperialismo que dominaria amplamente os segmentos ligados às tecnologias de ponta. À “potência” latino-americana, restaria exportar commodities.

Em contrapartida, o Estado seguiu reprimindo brutalmente os que questionassem a continuidade desse modelo e lutassem, por exemplo, por reforma agrária. Não esqueçamos que nesse contexto ocorreram as tragédias de Corumbiara (Rondônia), em 1995, com a morte de 11 pessoas, e a de Carajás (Pará), no ano seguinte, com 19 mortos. Na hipótese de considerarmos o número de mortos no período que vai da queda da ditadura até o final do segundo mandato de Fernando Henrique, mais de 1.300 pessoas foram assassinadas no campo.

Esse foi o legado recebido por Lula da Silva.

Lula e o agronegócio
Quando assumiu, em 2003, Lula fazia subir à rampa do Planalto, junto dele, uma multidão de esperanças. No campo, cerca de quatro milhões de famílias sem terra esperavam que a reforma agrária, finalmente, pudesse acontecer. Esperava-se, igualmente, uma política de enfrentamento em relação tanto à violência estatal quanto à violência privada dos jagunços. Quase concluído o segundo mandato da frente popular, precisamos fazer esse balanço.

Não temos ainda, obviamente, os dados completos do segundo mandato de Lula. As informações referentes ao primeiro, porém, já são suficientes para que formemos uma opinião a esse respeito. Entre 2003 e 2006, os números da violência no campo alcançaram o patamar de 189 mortos, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Comparemos isso com o primeiro mandato de FHC, quando morreram mais trabalhadores no marco de conflitos fundiários. Aí, segundo a CPT, os mortos foram 172. Quer dizer, Lula conseguiu uma proeza: superar em seu primeiro governo o número de mortos da tenebrosa era FHC.

Era isso que esperava o trabalhador rural? O que diz sobre isso o MST?

Em contrapartida, a reforma agrária continua sendo um mero discurso, enquanto o agronegócio segue prioridade. É exatamente porque a reforma agrária é mera retórica e o agronegócio é prioridade que a violência se alastra no campo. Não é acidental que a luta pela terra, a cada novo dia, tenha um novo mártir. Lula da Silva chama os usineiros da cana de heróis. Estamos falando de escolhas. Essa foi a escolha do governo de frente popular.

Desse modo, tem aumentado o número de famílias acampadas na mesma medida em que crescem os incentivos ao agronegócio. São dois lados de uma mesma política. De um lado, freia a reforma agrária; de outro, favorece o capitalismo. Assim, se sentindo fortalecido, o empresariado do agronegócio apela para mais violência. Essa violência não é de herói, mas de bandido.

É aí que devemos situar o assassinato do líder comunitário José Maria Filho, que lutava contra o uso de agrotóxico na chapada do Apodi (CE). Aqui, não custa lembrar que nos três mandatos de Tasso Jereissati no governo do Estado, houve um incentivo redobrado à política de polos agroindustriais. José Maria morava em Limoeiro, no Baixo Jaguaribe, microrregião do Ceará em que a fruticultura irrigada cresceu à custa do envenenamento da população e do aniquilamento dos pequenos produtores. Essa é a política dos heróis de Lula. É uma política de cemitério.

Para o PSTU, não há solução no marco da frente popular, como acredita a direção do MST. Para nós, é preciso, inclusive, ir além da bandeira histórica da reforma agrária. Não basta exigir terra. Os melhores solos estão nas mãos do agronegócio. É preciso levantar a bandeira da expropriação dos agronegociantes, ou seja, dos grandes capitalistas que dominam a terra. Em geral, são grandes grupos monopolistas que possuem propriedades na cidade e no campo. Muitos deles são de origem estrangeira. Esses já sentiram que o Brasil é um paraíso para esse tipo de exploração.

Por fim, cumpre dizer: para desespero do trabalhador rural, Lula não está do seu lado, mas do lado do agronegócio, onde estão os seus heróis. Não há como mudar isso sem romper as ilusões nesse governo. É hora de trocar de esperança. Caso contrário, apenas seguiremos enterrando os nossos mortos.