Marcos Margarido, de Campinas (SP)

A Conferência de Fundação da IV Internacional ocorreu em 3 de setembro de 1938, sábado, em Périgny, periferia de Paris, num celeiro pertencente a Alfred Rosmer. Delegações de doze países participaram da conferência. Os principais partidos presentes eram o SWP, dos EUA, com 2.500 militantes, cujos delegados eram Cannon, Shachtman e Natham Gould, o POI (França) com 600 militantes, com Naville, Rous, Rousset, J. Bardin, Craipeau e Marcel Hic e o PSR (Bélgica), com 800, representado por Lesoil. O partido brasileiro, POL (Partido Operário Leninista) possuía 50 militantes e seu delegado era Mário Pedrosa.

Além desses, faziam parte da conferência Vitsoris e Raptis (ou Pablo), delegados por dois partidos gregos; Schüessler e Weber pelos Comunistas Internacionalistas da Alemanha; C.L.R. James, Harber e Summer-Boyd pelo RSL (Inglaterra); Lamed e Stockfisch pelo Grupo Bolchevique-leninista da Polônia; Tresso (Itália); De Wilde da Holanda; Zborowski (ou Etienne) pela Oposição de Esquerda (URSS) e Scheuer e Fischer pelos Comunistas Revolucionários (Áustria). Mas não há certeza sobre a presença dos delegados austríacos. Segundo o testemunho posterior de um delegado inglês, estes teriam participado apenas da conferência da juventude, como convidados. A IV possuía cerca de 5.500 militantes organizados nos partidos aderentes à época de sua fundação.

Os trabalhos foram abertos por Pierre Naville, que informou que os trabalhos seriam realizados num único dia devido às condições de clandestinidade reinantes. No entanto, várias comissões de trabalho haviam se reunido no mês anterior para tratar de diversas questões nacionais e deveriam apresentar seus relatórios.

Shachtman foi eleito presidente da Conferência e Hic, Gould e Summer foram os secretários. Para a presidência de honra, “todos os delegados presentes aprovam os nomes de nossos queridos camaradas Léon Sedov, Erwin Wolf e Rudolf Klement, tombados na luta contra a contra-revolução stalinista; de Ignace Reiss, Moulin (Freund), Rossini, Slacaios, todos vítimas do terror fascista e stalinista; e de todos os presos e vítimas da luta de classes internacional, combatentes da IV Internacional, em primeiro lugar Ta Thu-thau”.

A pauta apresentada por Naville era muito extensa para um dia de trabalho, pois compreendia o balanço do SI eleito na Conferência de Genebra de julho de 1936; a discussão do projeto do programa de transição; a resolução sobre a guerra sino-japonesa; a resolução sobre o papel do imperialismo norte-americano; os estatutos da IV Internacional; os relatórios das comissões de trabalho e a eleição do Comitê Executivo Internacional (CEI). Por isso, as resoluções sobre a guerra e sobre o imperialismo norte-americano, aprovadas na Conferência Pan-americana, não foram apreciadas, havendo uma orientação posterior do CEI para que todas as seções as discutissem.

O balanço do período anterior
Naville informou que seria apresentado apenas um resumo, pois, com o assassinato de Klement, o relatório preparado por ele havia desaparecido. “A conferência de julho de 1936 havia nomeado um Conselho Geral, organismo que jamais existiu nunca chegou a se reunir. De fato, foram o Comitê Internacional e o Secretariado Internacional que fizeram o trabalho”. No entanto, “nossas seções estiveram muito mais envolvidas nas lutas nacionais e internacionais entre 1936 e 1938. A via política foi cuidadosamente estudada com uma grande participação de cada seção”, como a guerra civil na Espanha, os processos de Moscou na URSS, as Frentes Populares na França e Bélgica e a questão da próxima guerra mundial, com ênfase especial aos trabalhos desenvolvidos na América do Sul, no Vietnam e pelo Comitê de Juventude, que reconstruiu a intervenção no setor.

A discussão prévia à Conferência também mereceu destaque, pois as teses políticas gerais foram publicadas em maio em todas as seções, com a realização de duas conferências preparatórias, uma no México, para os partidos dos países da América Latina, e outra em Nova Iorque para os demais partidos da América e do Pacífico.

Porém toda essa intervenção não se fazia sem crises, como as que ocorriam no POI francês, na Holanda, na Inglaterra e no México. Eram as dores do parto de uma nova organização mundial dos trabalhadores.

A aprovação do Programa de Transição
Esta foi a discussão programática central da Conferência, principalmente em torno à definição do caráter de classe da União Soviética. O programa elaborado por Trotsky e proposto para aprovação, denominado “A agonia mortal do capitalismo e as tarefas da IV Internacional”, conhecido como Programa de Transição, afirmava que a URSS “permanece ainda como um Estado operário degenerado”, e que “se a ‘fração Butenko’ se achar em aliança militar com Hitler, a ‘fração Reiss’ defenderá a URSS contra a intervenção militar… Qualquer outro comportamento seria uma traição”.

Contra esta posição foi apresentada uma tese substitutiva pelo delegado representante da minoria do POI, Craipeau, com posições que passariam a ser conhecidas como antidefensistas. Segundo ele, a burocracia russa “transformou-se numa classe dirigente exploradora” e o “Estado russo deixou de ser operário”. Nestas condições, “a palavra-de-ordem de ‘defesa incondicional da URSS’ perde todo seu sentido proletário ou antiimperialista”. O único voto favorável a esta tese foi do próprio Craipeau. Esta situação mudaria em 1939, quando surge uma fração anti-defensista no SWP norte-americano, dirigida por Shachtman, que rompe com a IV Internacional, bem como Mário Pedrosa, o delegado brasileiro. Craipeau, no entanto, permanece.

Após as discussões, foi aprovada a formação de uma comissão de redação, a ser nomeada pelo novo SI, para rever o projeto do programa de transição, melhorar o estilo e integrar as emendas etc. O programa de transição foi aprovado por 21 votos favoráveis e um contra, o de Craipeau.

A proclamação da IV Internacional
O próximo ponto da pauta seria a discussão dos estatutos, para a qual Naville apresentou apenas um esboço, pois o texto completo havia desaparecido junto com Klement. O primeiro artigo, que proclamava a fundação da IV Internacional, foi o centro das discussões. Enquanto na Conferência de 1936 o regimento aprovado falava das “organizações associadas em escala internacional ao Movimento pró-Quarta Internacional”, o primeiro artigo do novo estatuto afirmava que “todos os militantes proletários e revolucionários do mundo que aceitam e aplicam os princípios e o programa da IV Internacional estão juntos numa única organização mundial, sob uma direção internacional centralizada e uma disciplina única”. Era a diferença entre um movimento de adesão política para um partido mundial regido pelo centralismo democrático.

Os dois delegados poloneses e Craipeau eram contra sua fundação imediata. Após uma longa intervenção, Stockfisch afirma que “por isso, enquanto a IV não tiver algum partido de massas, ela não poderá ser proclamada. É por isso que nós estamos em desacordo com o ponto 1 dos estatutos”. Para Naville, “os argumentos de Stockfisch são históricos, não políticos. Em vez de extrair argumentos de analogias com a sucessão das Internacionais, é necessário ver as situações concretas”. Shachtman também rebate Stockfisch lembrando que “Lenin colocou a questão de fundar a III numa época de reação… no primeiro congresso da IC não havia partidos comunistas de massa, salvo o russo… Os espartaquistas estavam contra: tinham eles razão?”.

Também neste caso apenas os três delegados contrários ao ponto 1 votaram em sua tese. Craipeau declarou, após a votação, que “devido à fraqueza numérica dos grupos bolchevique-leninistas, o movimento pró-Quarta Internacional só pode jogar um papel propagandístico, eu voto contra a proclamação formal imediata da IV Internacional”. A delegação polonesa, no entanto, fez uma declaração afirmando que embora considerasse a proclamação da IV um grave erro político, a seção polonesa acataria o estatuto e a disciplina da IV. Ao final das discussões, 19 delegados votam a favor do conjunto dos estatutos, com três abstenções (Lamed, Stockfisch e Craipeau).

A eleição do Comitê Executivo Internacional
Finalmente ocorreu a eleição do primeiro CEI da IV Internacional, agora numa votação unânime, composto por três militantes da França, três dos EUA, dois da Bélgica, dois da Inglaterra e um da Itália, Polônia, América Latina, Indochina e Rússia, além de um representante da juventude, que seria eleito na Conferência Internacional da Juventude, realizada uma semana depois.

Algumas curiosidades sobre os delegados valem a pena ser registradas: Pedrosa era delegado do partido brasileiro, mas foi eleito para o CEI como representante da América Latina. Por proposição de Bardin, que afirmava “ser absolutamente essencial que Shachtman ficasse na Europa para participar ativamente do CEI” ou então a “seção francesa proporia a mudança da Internacional para Nova Iorque”, sua permanência foi aprovada por unanimidade. Ta Thu-thao, dirigente do partido vietnamita, estava preso quando foi eleito para o CEI. Da mesma forma Trotsky não estava presente por questões de segurança, mas foi eleito como representante da Oposição de Esquerda da URSS, em caráter clandestino. O delegado russo, Etienne, reivindicou insistentemente esta vaga. Como não havia certeza se ele havia sido eleito regularmente, não foi aceito. Depois da II Guerra, descobriu-se que Etienne era agente da GPU (a polícia secreta stalinista) e um dos principais responsáveis pelo assassinato de Léon Sedov, de quem fora o principal colaborador.

A saudação a Leon Trotsky, aprovada ao final dos trabalhos, dizia que “a Conferência da IV Internacional marca uma nova era para nosso movimento no caminho da unificação, do esforço organizacional e do aperfeiçoamento de sua propaganda pela adoção do Programa de Transição”. Estes objetivos ainda não se concretizaram, mas permanecem válidos na luta da vanguarda revolucionária pela reconstrução da IV Internacional.

  • As transcrições das atas da conferência encontram-se no livro organizado por Rodolphe Prager, Naissance de la IV Internationale 1930-1940. Os documentos aprovados podem ser encontrados na recente publicação da Editora Sundermann, Documentos de Fundação da IV Internacional