Março de 1919. Há pouco mais de 90 anos, um grande acontecimento marca a história da classe operária: a fundação da III Internacional, que teve em Lênin um de seus principais idealizadores. Seu esforço, às vezes angustiante, para juntar o punhado de internacionalistas revolucionários que resistiu à capitulação dos dirigentes do Partido Social-democrata alemão à democracia burguesa pode ser acompanhado por meio das cartas escritas por ele a militantes e organismos do Partido Bolchevique. É o que mostramos a seguir.

O rompimento com Zimmerwald
Em janeiro de 1917, Lênin escreveu a Inessa Armand demonstrando satisfação pelas notícias vindas da França: “Olga escreve que as coisas estão melhorando para as esquerdas, que uma organização de franceses + italianos + russos foi fundada e que Guibeaux irá escrever-me sobre isso”.

Em 11 de fevereiro, em carta a Kollontai, Lênin mudou completamente sua perspectiva e deixou de considerar a organização de Zimmerwald como uma referência política para a construção da III Internacional: “A direita de Zimmerwald, em minha opinião, enterrou ideologicamente Zimmerwald: Bourderon + Merrheim em Paris votaram pelo pacifismo, Kautsky também em 7 de janeiro em Berlim, Turati e todo o partido italiano também. Esta é a morte de Zimmerwald!! Eles condenaram o ‘social-pacifismo´ em palavras (veja a resolução de Kienthal); enquanto na prática viraram-se em sua direção!!”

Em março, já com a primeira vitória da revolução russa, em fevereiro – a queda do Czar -, Lênin escreveu novamente a Kollontai lançando toda sua fúria: “Zimmerwald está claramente falida, e uma boa palavra é novamente utilizada para mascarar a podridão. Eu estou louco de raiva dessa escória; é revoltante escutá-los e ouvir falar deles; é ainda mais revoltante pensar em trabalhar com eles. Palhaçada!” Ao mesmo tempo, afirmou que a questão do programa e da tática de um novo socialismo, genuinamente revolucionário, estava na ordem do dia em todo lugar. Seu otimismo revolucionário é insuperável.

Finalmente, Lênin voltou à Rússia em 3 de abril de 1917, após anos de exílio. Na estação de trens Finlândia, no subúrbio de Petrogrado, desembarcou e fez uma saudação aos milhares de operários que o esperavam. Segundo nota da imprensa, disse em seu discurso que “o proletariado do mundo inteiro olha com esperança os passos audazes do proletariado russo”. Nas famosas Teses de Abril, Lênin afirma que “precisamos tomar a iniciativa de criar uma Internacional revolucionária, uma Internacional contra o social-chauvinismo e contra o centro [isto é, o kautskismo]”.

A III já foi fundada e atua
Numa minuta de programa para preparar o Partido Bolchevique para a revolução vindoura, Lênin voltou ao tema e depositou todo o peso da tarefa de fundação da nova Internacional sobre a classe operária russa. “Muito é dado ao proletariado russo; em nenhum lugar do mundo a classe operária conseguiu desenvolver tanta energia revolucionária como na Rússia. Mas a quem muito é dado, dele muito é exigido”. E afirma, pela primeira vez, que a III é uma realidade: “Estamos obrigados, sem perda de tempo, a fundar uma nova Internacional, revolucionária, proletária; melhor dizendo, devemos reconhecer sem medo, abertamente, que essa Internacional já foi fundada e atua”.

Mas a fundação formal ainda não viria. Em carta de maio a Radek, Lênin volta a criticar os defensores de Zimmerwald, inclusive a decisão da conferência de abril do Partido Bolchevique, que aprovou sua permanência na organização. “Eu concordo plenamente com você que Zimmerwald tornou-se um obstáculo e que o quanto antes rompermos é melhor (você sabe que eu discordo da conferência neste ponto). Devemos esforçar-nos para acelerar a realização de uma conferência da esquerda, uma conferência internacional e exclusivamente de esquerda”.

Em agosto de 1917, após as jornadas de julho na Rússia, quando o Partido Bolchevique inicia sua ascensão para tornar-se maioria no seio da classe operária, Lênin apela ao Birô do Comitê Central no estrangeiro para que a política do partido aprovada na conferência fosse modificada, afirmando que “cometemos um grande erro ao adiar a convocação de uma conferência de esquerda para criar a III Internacional. Precisamente agora, quando Zimmerwald vacila tão vergonhosamente…; precisamente agora – enquanto há na Rússia um partido internacionalista legal (quase legal) de 240 mil membros (17 jornais diários; 1,4 milhão de exemplares semanais; 320 mil por dia)… Eu concluo: pelo amor de deus, uma conferência da esquerda imediatamente, um birô da esquerda, um boletim do birô…”.

Outubro de 1917. A tomada do poder na Rússia estava por um fio após a derrota do golpe planejado pelo general Kornilov. Mas o olhar de Lênin estava voltado para a revolução mundial. No documento “A crise amadureceu”, afirmou que “é inegável que o final de setembro aportou-nos uma virada grandiosa na história da revolução russa e, ao que parece, da revolução mundial… As dúvidas estão descartadas. Encontramo-nos no umbral da revolução proletária mundial”.

A fundação formal
Mas a construção da ferramenta da revolução mundial, a III Internacional, demoraria mais um ano para acontecer. Absorvido pelas tarefas descomunais lançadas pelo outubro russo, Lênin ficaria um ano sem expressar-se por cartas sobre o assunto, mas não sem agir. Finalmente, escreveu a Chicherin, no final de dezembro de 1918, sobre a realização da almejada conferência da esquerda, afirmando que “precisamos urgentemente (deve ser aprovado pelo CC antes da partida dos espartaquistas) preparar uma conferência socialista internacional para fundar a III Internacional”. Ele propôs o nome de “Comunista” ao partidos aderentes. “Talvez devêssemos acrescentar que não sugerimos que toda a III Internacional chame-se imediatamente de ‘comunista´, mas devemos por na ordem do dia (para discussão) a questão de rejeitar resolutamente os nomes de social-democrata e socialista, e adotarmos o de partidos comunistas”.

E assim foi feito. Em 2 de março de 1919, Lênin faria o discurso de abertura da conferência de fundação da nova Internacional. “Em nome do Comitê Central do Partido Comunista da Rússia eu declaro aberto o Primeiro Congresso da Internacional Comunista. Em primeiro lugar, eu gostaria de pedir a todos para levantarem-se em tributo aos mais honrados representantes da Terceira Internacional: Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo”, cujos recentes assassinatos pela polícia do governo social-democrata alemão chocou a todos.

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