Marcos Margarido, de Campinas (SP)

Março de 1919. Há pouco mais de 90 anos, um grande acontecimento marca a história da classe operária: a fundação da III Internacional, que teve em Lênin um de seus principais idealizadores. Seu esforço, às vezes angustiante, para juntar o punhado de internacionalistas revolucionários que resistiu à capitulação dos dirigentes do Partido Social-democrata alemão à democracia burguesa pode ser acompanhado por meio das cartas escritas por ele a militantes e organismos do Partido Bolchevique. É o que mostramos a seguir.

A primeira guerra mundial provocou uma divisão histórica do movimento operário mundial. A grande maioria dos partidos social-democratas da Europa organizados, na II Internacional e herdeiros da tradição marxista, passou a defender a vitória das burguesias de seus próprios países e, portanto, a carnificina que a guerra representava para milhões de trabalhadores jogados nas frentes de batalha.

Em outubro de 1914, em carta a Shlyapnikov, Lênin afirmava que o centro do Partido Social-Democrata alemão, com Kautsky à frente, era “um mal oculto em roupagem diplomática, que turva a visão, adormece a mente e a consciência dos operários, o mal mais perigoso de todos” e que “é falso colocar a palavra de ordem de uma ‘simples´ restauração da II Internacional”.

Lênin justificava sua posição afirmando que existiam três correntes no movimento operário internacional na véspera da guerra mundial: os chauvinistas ou oportunistas consequentes; os inimigos consequentes do oportunismo, que podem fazer um trabalho revolucionário orientado à guerra civil; e “os homens desconcertados e vacilantes, que vão à rabeira do oportunismo e causam o maior dano ao proletariado”. Por isso, já em julho de 1915, ele defendia que “o futuro nos dirá se as condições para constituir uma nova Internacional estão maduras. Se sim, nosso partido ingressará com alegria nessa III Internacional, depurada do chauvinismo e do oportunismo”.

A conferência de Zimmerwald
Em setembro de 1915, um punhado de internacionalistas se reuniu na cidade suíça de Zimmerwald. Eram apenas 38 delegados de 11 países da Europa que aprovaram um manifesto em oposição à guerra e a formação de uma Comissão Socialista Internacional (ISK). Lênin depositou enormes esperanças na construção da nova Internacional a partir desta Primeira Conferência Socialista Internacional. Em carta ao partido russo, Lênin dizia que era “um fato que este Manifesto dá um passo adiante na autêntica luta contra o oportunismo, pelo rompimento e separação dele” e que “seria sectarismo negar-se a dar esse passo adiante junto com a minoria dos alemães, franceses, suecos, noruegueses e suíços quando conservamos a plena liberdade e a plena possibilidade de criticar a inconsequência e conseguir mais”. Estava, assim, formada a Esquerda de Zimmerwald.

Em carta a Alexandra Kollontai, que em novembro de 1915 vivia nos Estados Unidos, Lênin anunciava o lançamento público dessa corrente. “Em poucos dias, publicaremos aqui um pequeno panfleto em nome da Esquerda de Zimmerwald. Sob esse nome gostaríamos de lançar internacionalmente nosso grupo de esquerda com sua proposta de resolução e manifesto”, e pedia a Kollontai para “publicá-lo na América em inglês também e, se possível, em outras línguas”.

Lênin tinha muitas esperanças no despertar da classe operária norte-americana, a mais numerosa do mundo na época. No mesmo mês de novembro, escrevia à Liga para a Propaganda Socialista, partido que se aproximava das posições da Esquerda de Zimmerwald: “Não defendemos a unidade dos partidos socialistas atuais (que predominam na II Internacional). Insistimos, ao contrário, na ruptura com os oportunistas nacionalistas e pela aliança com os marxistas revolucionários e os partidos da classe operária de todos os países”.

Mas as coisas não andavam da forma que Lênin gostaria. O ritmo do desenvolvimento e crescimento da esquerda revolucionária era muito lento, a guerra dificultava a comunicação e os membros da Esquerda de Zimmerwald vacilavam em relação ao rompimento com a direita, que Lênin tanto desejava. Em carta a Shlyapnikov, em março de 1916, desabafava e demonstrava toda sua angústia:

“Na Rússia (e agora na nova Internacional também) a questão da ruptura é fundamental… Mas quem está vacilando? Não apenas Trotsky e cia., mas também Yuri + Eug. B. (até o último verão eles estavam ‘fazendo cena´ por conta de Chkheidze!!). E os poloneses (a oposição)… Radek é o melhor deles; foi útil trabalhar com ele (e também com a esquerda de Zimmerwarld, por sinal), e nós realmente trabalhamos. Mas Radek também está vacilando.”

A conferência de Kienthal
Mas em abril de 1916 realizou-se a Segunda Conferência Socialista Internacional, em Kienthal, Suíça. Embora a fundação da III Internacional não tenha sido cogitada, Lênin voltou a ter esperança. Em nova carta a Shlyapnikov, em maio, ele comentou os resultados da conferência:

“Ao final das contas, um manifesto foi adotado: é um passo adiante, porque foi aceito pelos delegados franceses. Uma resolução criticando o pacifismo e outra sobre o BSI, criticando-o duramente, foram adotadas. De conjunto, é, apesar de tudo e do monte de defeitos, um passo em direção ao rompimento com os social-patriotas.”

A esquerda de Zimmerwald, composta por oito pessoas, passaria a doze em Kienthal! Mas não era com números que Lênin jogava, e sim com a força de sua política. Seu objetivo não era juntar um aglomerado de “socialistas em palavras” com um programa difuso, mas em afirmar o “socialismo de fato”, que se traduzisse em ações concretas pela tomada do poder. Por isso, após a conferência de Kienthal ele passou a defender a ruptura com a direita de Zimmerwald, novamente os centristas dirigidos por Kautsky, e expressa essa política em carta a Shlyapnikov de outubro de 1916.

“Considero que agora seja muito oportuno que na Rússia todos os dirigentes operários com consciência de classe compreendam essa necessidade e adotem resoluções pela ruptura orgânica com a II Internacional, com o Birô Internacional de Huysmans, Vandervelde e cia., para que a III constitua-se inequivocamente contra os kautskistas de todos os países (Cheidze e cia., também Martov e Axelrod = kautskistas russos), inequivocamente mediante a aproximação com quem assuma a posição da esquerda de Zimmerwald.”

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