Marcos Margarido, de Campinas (SP)

A matéria sobre a Primeira Internacional publicada no Opinião Socialista n° 346 e no Portal do PSTU faz uma análise geral da época em que esta associação foi fundada. Mas é igualmente interessante o conhecimento dos detalhes, ou dos bastidores, de sua fundação. Principalmente quando são apresentados pelo próprio Marx, através de uma carta que enviou a Engels em 4 de novembro de 1864 , cujos trechos transcrevemos abaixo.

A primeira observação é que Marx não participou do ato inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores na qualidade de principal orador, como é muito difundido. Na verdade, as coisas ocorreram de forma menos previsível onde, nas palavras do próprio Marx: “Eu decidi abdicar de meu papel usual de liderança e declinar qualquer tipo de convite…” , porque “eu sabia que desta vez ‘forças´ reais dos lados de Londres e de Paris estavam envolvidas” . Ao contrário de aparecer como o principal orador, “eu apresentei-lhes Eccarius, que fez uma aparição convincente, e eu também estava presente como uma figura muda no palco”.

As forças reais eram os principais dirigentes operários franceses e ingleses que organizaram o ato público no Salão Saint-Martin em 28 de setembro de 1864. No palco ao qual Marx se refere estava uma delegação de operários franceses chefiada por Tolain, “o verdadeiro candidato operário na última eleição de Paris, um companheiro muito agradável”, além dos ingleses “Odger (sapateiro, presidente do Conselho dos Sindicatos de Londres e, particularmente, da Associação Sindical de Agitação pelo Sufrágio Universal) e Cremer, pedreiro e secretário do Sindicato dos Pedreiros”.

Marx foi convidado a participar por “um certo Le Lubez, que me perguntou se eu poderia participar em nome dos operários alemães, e especialmente se eu poderia levar um operário alemão para falar no ato” . O operário era Eccarius, companheiro de Marx na ex-Liga dos Comunistas, e membro da Sociedade Operária Alemã, formada pelos imigrantes alemães em Londres.

O ato, “que estava lotado até sufocar (pois um renascimento da classe operária está evidentemente tendo lugar agora)” , fora organizado para prestar solidariedade à luta pela independência da Polônia, onde participaram também representantes da Sociedade de Trabalhadores Italianos de Londres. Ainda segundo o relato de Marx, “foi decidido fundar uma ‘Associação Internacional dos Trabalhadores´, cujo Conselho Geral seria sediado em Londres e atuaria como um intermediário entre as sociedades operárias da Alemanha, Itália, França e Inglaterra. Também que seria realizado um Congresso dos Trabalhadores na Bélgica em 1865” . Do Comitê Provisório criado participaram “Odger e Cremer, e muitos outros, velhos Cartistas, velhos Owenistas, pela Inglaterra; Major Wolff, Fontana e outros pela Itália; Le Lubez e outros pela França; Eccarius e eu pela Alemanha“, e tinha autonomia para cooptar quantos membros achasse necessário.

A elaboração dos estatutos e de uma declaração de princípios tampouco foi tranqüila, e não ficou a cargo apenas de Marx, mas de um subcomitê, ao qual Marx faltou duas vezes. Na quarta reunião, à qual Marx também faltou, “uma ‘declaração de princípios´ e uma nova versão do estatuto de Wolff foram apresentados por Le Lubez e aprovados pelo subcomitê, para serem submetidos ao Comitê Provisório”. Marx foi advertido por Eccarius de que uma falta à próxima reunião seria perigosa, por isso ״eu apareci e fiquei realmente apavorado quando eu ouvi o valoroso Le Lubez ler um palavrório chocante, mal escrito e uma introdução absolutamente crua pretendendo ser uma declaração de princípios” . Marx conta ter feito uma oposição leve e, após muita discussão, Eccarius fez uma manobra e “propôs que o subcomitê deveria submeter a coisa a uma ‘edição´ posterior. Por outro lado, os ‘sentimentos´ contidos na declaração de Le Lubez foram aprovados”.

Isto deu tempo para Marx “escrever um Manifesto à Classe Operária (que não estava no plano original…); com o pretexto de que todos os dados factuais estavam presentes neste Manifesto e que não se deveria repetir as mesmas coisas por mais três vezes, eu alterei toda Introdução, joguei fora a Declaração de Princípios e finalmente substituí os 40 artigos do estatuto por dez” .

Em 1° de novembro de 1864 o Comitê Provisório reuniu-se e aprovou todas as propostas de Marx “com grande entusiasmo (unanimemente)…. foi muito difícil montar a coisa de tal forma que nosso ponto de vista pudesse aparecer numa forma aceitável para o atual estágio do movimento operário…será necessário ser duro no fundo, mas suave na forma” . Assim nascia a Associação Internacional dos Trabalhadores e, daí em diante, Marx nunca mais abdicaria de seu papel de liderança ou ficaria mudo num canto.