Marcos Margarido, de Campinas (SP)

Os meses prévios à Conferência de Fundação da IV Internacional foram angustiantes e, ao mesmo tempo, esperançosos para Trotsky. É o que se pode concluir da correspondência que ele manteve com os dirigentes e militantes dos partidos que participavam das discussões de pré-congresso e preparavam-se para fundá-la. Tentaremos seguir esta emocionante aventura através de suas cartas.

Entre os dias 20 e 25 de março de 1938, Trotsky reuniu-se com os dirigentes do Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP) dos Estados Unidos, o principal partido da IV Internacional, para discutir a organização da Conferência Internacional. Em certo momento, James Cannon, dirigente do SWP, pergunta-lhe se a conferência deveria ser considerada como uma reunião provisória ou como a fundação real da IV.

“Estou inteiramente de acordo com o camarada Cannon. Naturalmente, somos uma Internacional fraca, mas uma Internacional. Será forte por nossa própria ação e não pelas manobras com os outros grupos”, responde Trotsky, que não queria adiar mais a conferência apenas por causa da indecisão de grupos simpatizantes. Todas as seções haviam feito discussões sobre os acontecimentos na Espanha, a guerra sino-japonesa, o caráter de classe da União Soviética, bem como as teses dos partidos alemão e francês, isto é, os partidos estavam prontos.

Mas muito ainda havia por fazer. Por isso Trotsky impunha-se um calendário rigoroso de elaboração teórica: “então prepararei: demandas transicionais; o problema da democracia, da guerra, o manifesto sobre a situação mundial”. As demandas transicionais eram a redação final do Programa de Transição. “Mas falta um programa de palavras-de-ordem e exigências de transição. É necessário fazer um resumo de demandas concretas e precisas, como o controle operário da indústria oposto à tecnocracia”, comentava com Cannon, Shachtman e Vincent Dunne, os participantes da reunião.

Após estas discussões, que demonstravam o total conhecimento de Trotsky sobre o desenvolvimento das principais seções da IV, ele escreve várias vezes a Cannon e Shachtman sobre os assuntos que mais o preocupavam nesta reta final. Em 15 de abril, menciona numa carta a realização da Conferência Panamericana, que reuniria delegados das seções da América Latina e aprovaria dois importantes documentos para serem submetidos à Conferência Internacional.

No mesmo dia, escreve ao dirigente inglês Charles Summer com o objetivo de preparar a viagem de Cannon e Shachtman à Inglaterra: “uma das tarefas deles é reunir-se com todos os grupos ingleses que pertencem ou querem pertencer à IV e tratar de normalizar a situação destes grupos com o objetivo de ajudar a cristalizar uma genuína seção britânica da IV Internacional”. Esta tarefa foi cumprida com êxito, e uma única delegação representante do partido inglês apresentou-se à Conferência.

Para James Cannon, escreve agradecendo sua estadia no México: “Sem sua vinda, nunca poderia ter escrito o projeto de programa (de transição) porque aprendi muitas coisas importantes durante as discussões que me permitiram ser mais explícito e concreto”.

Mas, ao contrário dos EUA, as coisas não iam tão bem na Europa. Segundo Trotsky, em nova carta aos dirigentes do SWP, o desenvolvimento do POI francês “não era satisfatório”. “Não nos comunicam nenhuma estatística, o que é um mau sinal em si mesmo. O jornal não aparece regularmente. Não têm um só homem com capacidades organizativas. Ao mesmo tempo, sofreram duros ataques dos stalinistas e dos fascistas”. E propõe: “A seção francesa deve ser o centro de atenção de toda Internacional”, desde que “tomem medidas organizativas muito concretas” para a “organização, a administração e a contabilidade, particularmente a das duas publicações”.

Não era para menos; a seção francesa era a mais importante da Europa e a Conferência Internacional seria realizada naquele país. Além disso, os partidos europeus viviam uma situação de penúria muito grande, pois “a situação é muito dura para nossos camaradas franceses, pois vivem em meio à miséria econômica; não há qualquer comparação com nossos ricos americanos. Uma nota de dólar, trinta francos, é uma fortuna no Secretariado Internacional”.

Esta carta foi escrita em 19 de abril. No dia seguinte, escreve-lhes novamente, sugerindo entrarem em contato com o alemão Held, que estava na Noruega, para que este fosse à França ajudá-los na organização da Conferência. “Com a participação de Held, bem que poderia ser organizada uma conferência internacional da juventude, ligada à conferência geral”. Esta sugestão seria concretizada. A Conferência Internacional da Juventude seria realizada logo após a de fundação da IV, em 11 de setembro, domingo, na sede da Livraria do Trabalho de Paris.

Mas Cannon relutava em viajar, pois queria ir para a costa oeste dos Estados Unidos, onde a importante greve organizada pelo sindicato dos caminhoneiros de Minneapolis, em 1934, dirigido por Farrell Dobbs, membro do SWP, abria novas possibilidades de construção. Por isso, Trotsky volta a insistir em 12 de maio, pois a realização da Conferência Internacional era chave para o desenvolvimento de todos os partidos da IV. “A questão na Europa tem um caráter universal: é possivelmente a última reunião antes da guerra”, e lamentava que “até agora não havia ouvido uma só palavra a respeito” da organização da Conferência Panamericana.

Quatro dias depois, nova carta: “Quanto mais penso nisso me parece mais claro que nos próximos dois meses a sorte do partido norte-americano será decidida na Europa, e não na costa do Pacífico. Você deve ir para lá a qualquer preço. A falta de decisões sobre a Conferência Panamericana é um impedimento terrível aqui (no México) e, em certos aspectos, um exemplo do que poderia ocorrer na Europa se o assunto (a realização da Conferência) não se conclui”.

Finalmente, em 25 de maio declara-se satisfeito por saber que Cannon resolvera viajar à Europa, e alerta sobre as discussões em torno ao projeto de programa (de transição): “a maior discussão se dará em relação aos sindicatos, sobre a guerra, sobre o sectarismo e sobre a defesa da URSS”.

Mas esta não era o único foco de atenção de Trotsky. Os partidos centristas, participantes da conferência internacional de 1936 que lançou o Movimento pró-Quarta Internacional, também o preocupavam. Numa carta endereçada a um camarada belga em 21 de maio, Trotsky afirmava. “A experiência destes últimos dois anos provou completamente que é um erro. Ninguém nos chama por este nome. A imprensa burguesa, a Comintern, os social-democratas, todos eles falam de um só nome, a Quarta Internacional. Ninguém observa a palavrinha ‘pró’… Somente Sneevliet e Vereecken fizeram da palavra ‘pró’ sua bandeira… O paradoxo reside no fato de que aqueles que se chamam “pró Quarta Internacional” desenvolvem na realidade uma luta clara contra a Quarta Internacional. Isto fica mais claro no exemplo de Sneevliet”. Este era o principal dirigente do NAS, o partido holandês que se aliara à Oposição de Esquerda Internacional em 1933.

Mas a luta de Trotsky não se restringia à esfera política. Em 1º de junho escreve uma carta à Conferência de Fundação lamentando “profundamente que circunstâncias desfavoráveis não me permitam participar”, e pede permissão para “fazer um retrospecto da missão histórica da IV Internacional, não só com os olhos de um proletário revolucionário, mas também com os olhos do artista de profissão que sou”, referindo-se à sua posição de escritor, e afirma que “a situação geral do mundo dificulta o caminho revolucionário da criatividade a artistas talentosos e sensíveis. Este caminho infelizmente está obstruído pelos cadáveres fétidos do reformismo e do stalinismo”. Para ele, a fundação da IV seria a única forma de romper estas amarras e abrir caminho à liberdade artística.

Às vésperas da Conferência, Rudolf Klement, secretário do CEI da IV e um dos principais organizadores da Conferência, desaparece. Trotsky denuncia o fato imediatamente em carta aberta de 18 de junho, temendo pelo pior, pois seu filho, Leon Sedov morrera em circunstâncias misteriosas no quarto de um hospital francês onde era submetido a uma cirurgia. Para ele, o desaparecimento de Klement era, na verdade, um seqüestro praticado pela GPU, a polícia secreta stalinista, “assim como a algum tempo ocorreu com Erwin Wolf”. Era mais um duro golpe à débil Internacional, que teimava em manter seu direito à existência.

Finalmente, já com a certeza da realização da conferência, convocada para a Suíça, mas realizada na França em 3 de setembro para burlar a perseguição da polícia e do stalinismo, Trotsky escreve: “Quando estas linhas aparecerem na imprensa, a conferência da Quarta Internacional provavelmente terá concluído seus trabalhos… A própria possibilidade de uma conferência exitosa foi garantida primeiro pelo espírito de internacionalismo revolucionário do qual estão imbuídas todas nossas seções”, e faz um balanço da luta pela fundação da IV que é, ao mesmo tempo, um balanço da tarefa mais importante de sua vida. “A Terceira Internacional, seguindo a Segunda, morreu completamente como Internacional… A história acumulou obstáculos monstruosos perante a Quarta Internacional… A aceitação desse programa, preparado e assegurado por uma longa discussão prévia – ou melhor, uma longa série de discussões – representa nossa conquista mais importante. A Quarta Internacional é agora a única organização internacional que leva em conta não só as forças condutoras da época imperialista, mas que está armada com um sistema de palavras de ordem de transição capazes de unificar as massas para uma luta revolucionária pelo poder”.