Redação

Por Luiz Carlos Prates Mancha e Mane Baía, ex-presos e perseguidos políticos da Convergência Socialista

 

Perseguições, terror psicológico, demissões, prisões, torturas, assassinatos, extermínio de povos indígenas e ocultação de cadáveres. Empresas privadas diretamente envolvidas no financiamento da repressão. O Brasil dirigido por militares corruptos e totalmente vendido aos interesses da burguesia e do imperialismo.

Esse é o retrato da ditadura civil-militar no Brasil, que começou em 1964 e, em 1968, com o fechamento total do regime a partir do AI-5, reprimiu as lutas e atacou a democracia.

O caldeirão começou a ferver

Organizações da sociedade civil vinham fazendo pressão. Em 1975, parentes e amigos de presos e desaparecidos criaram o Movimento Feminino pela Anistia. Em 1978, surgiu o Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), com representações em diversos estados e até em Paris, onde viviam muitos exilados.

Diante da pressão social e dos sinais de que a ditadura desgastada não se sustentaria por muito tempo, o sanguinário general Ernesto Geisel anunciou, em 1974, que daria início a uma “abertura lenta, gradual e segura”. O general Figueiredo, seu sucessor e último presidente da ditadura, tomou posse em março de 1979 e apresentou o projeto da Lei da Anistia já em junho.

Assim que o projeto de lei se tornou público, sem prever a anistia ampla, geral e irrestrita, presos políticos deram início a uma greve de fome em diversos presídios do Brasil. O projeto de anistia de Figueiredo era restritivo, pois negava o perdão aos presos políticos que tivessem sido condenados de forma definitiva. O projeto ainda perdoava os militares que cometeram abusos, incluindo a tortura e a execução de adversários da ditadura, dando segurança de que jamais seriam punidos.

Anistia, importante conquista! Mas não puniu torturadores nem empresas

A aprovação viria em agosto de 1979, a toque de caixa. No dia 22, senadores e deputados se reuniram na Câmara para votar o projeto. As galerias, repletas de familiares dos perseguidos políticos, vaiavam a ditadura. No plenário, os parlamentares dos dois únicos partidos, Arena (governo) e MDB (oposição consentida), num cenário de crise e agressões, debatiam a lei de anistia. No fim, em votação simbólica (sem contagem oficial), o projeto do governo foi aprovado, mas por apenas quatro votos. É importante dizer que a Arena tinha a maioria dos parlamentares, incluindo os chamados senadores biônicos, nomeados pelos militares. Em 28 de agosto de 1979, Figueiredo sancionou a Lei nº 6.683 sobre a Anistia.

Há 41 anos, a luta pela “anistia ampla, geral e irrestrita” conquistou a Lei da Anistia. Não era a anistia reivindicada, mas foi a conquistada. As mobilizações e as greves dos trabalhadores tiveram papel decisivo, pois, na luta por melhores salários corroídos pela inflação e por democracia, enfrentaram o regime e sua Lei de Segurança Nacional.

A classe operária voltou à cena política com a greve da Scania, em São Bernardo do Campo (SP), em maio de 1978. Na sequência, dezenas de fábricas metalúrgicas da região do ABC paulista pararam, numa onda que se estenderia para o resto de São Paulo, envolvendo também bancários e professores. Abria-se a mais importante onda de greves da história do país, que culminou com a grande greve dos metalúrgicos do ABC em 1980. As mobilizações de massa, as greves e a campanha das diretas levaram ao fim da ditadura em 1985.

 

LIMITES

A PM e o aparato repressivo não foram desmantelados

A Constituinte de 1988, ainda que tenha conquistas democráticas, não desmantelou a polícia militar e todo o aparato repressivo do regime militar.

Impunidade

De lá para cá, num grande acordo de conciliação nacional, os governos democráticos, do PSDB ao PT, não tomaram nenhuma medida para punir os torturadores, os militares e as empresas públicas e privadas que financiaram o golpe de 1964, diferentemente do que ocorreu em outros países da própria América do Sul. Na Argentina, por exemplo, o ditador Jorge Videla morreu na cadeia.

Os governos de conciliação de classes do PT, com iniciativas tímidas em defesa da memória e da justiça de transição, na verdade pouco fizeram avançar os julgamentos da anistia, deixando um legado de mais de 18 mil anistiandos na fila de espera. O governo Temer paralisou o funcionamento da Comissão de Anistia, questionando sua autonomia e independência.

Bolsonaro e ditadura

A consequência dessa conciliação e desse “esquecimento” quanto à punição dos assassinos da ditadura foi o aumento da violência policial contra o povo pobre e negro da periferia e a repressão aos movimentos, criando as condições para o surgimento de Bolsonaro, que defende a ditadura e a tortura e ameaça as liberdades democráticas duramente conquistadas pela mobilização popular.

Bolsonaro quer acabar com a reparação dos crimes da ditadura indeferindo os processos que ainda não foram julgados e quer revisar os já ganhos. Além disso, criou mais um órgão repressor, o Centro de Inteligência Nacional. Seu objetivo é reescrever a história, justificando e exaltando o golpe de 1964 e preparando o terreno para medidas repressivas que impeçam reações aos seus próprios crimes políticos e também criminalizar ações e mobilizações da luta dos trabalhadores.

Anistia é reparação, memória, verdade e justiça!

Cabe aos trabalhadores a luta em defesa das liberdades democráticas contra a instalação de um regime militar no país e a luta pela memória: “que nunca se esqueça para que nunca mais aconteça.” Mais do que nunca, os 41 anos da Lei da Anistia precisam ser lembrados, e essa luta, fortalecida! Anistia para todos os perseguidos políticos!

 

SAIBA MAIS:

Assista ao documentário A Convergência Socialista e a ditadura militar