Primeira Parada do Orgulho LGBT, nos EUA, em 1970

Há mais de quatro décadas, no mês de junho, lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBTs) celebram, em paradas e eventos, o “orgulho” de não se encaixarem no padrão heterossexual, ou seja, de terem uma orientação sexual diferente da imensa maioria. Hoje, as Paradas do Orgulho LGBT são realizadas em todos os cantos do mundo.

Mas, infelizmente, são poucos os que sabem que a ideia de sair às ruas para demonstrar que temos orgulho de sermos “quem” e “como” e festejar nosso “modo de vida”.

As Paradas brotaram de uma vigorosa luta que entrou para a história como a Revolta de Stonewall, em referência a um bar, em Nova York, onde, em 28 de junho de 1969, uma multidão de homossexuais, embalada pelas muitas lutas dos anos 1960, explodiu contra a homofobia.

Foi para comemorar esta data que, um ano depois, foi convocada a “Primeira Marcha do Orgulho Gay”. Passados 43 anos desde Stonewall, milhões irão tomar as ruas nos próximos dias e semanas recordando a data. Contudo, em muitas delas, sufocada por possantes e despolitizados carros de som, essa história sequer será contada. Algo que não pode continuar assim, principalmente diante da permanência e, até mesmo, aumento das práticas homofóbicas, quando LGBT precisam cada vez mais de instrumentos para lutar por direitos e contra os muitos crimes que nos atingem.

Um sonoro grito contra a opressão
Nos Estados Unidos, berço do movimento LGBT moderno, antes dos anos 60, a simples expressão pública da homossexualidade resultava em punições.

A situação havia se agravado em muito com a intensificação da Guerra Fria, nos anos 1950, particularmente com o “Macartismo”, que promoveu uma verdadeira “caça às bruxas” (leia-se comunistas, homossexuais, gente de esquerda ou qualquer um que não se encaixasse nos “padrões”). Para se ter idéia do clima opressivo, basta lembrar que, entre 1947 e 1950, nada menos que 4.954 gays e lésbicas foram exonerados pelo governo.

Como consequência desta onda repressiva, LGBTs que haviam sido expulsos de casa, dispensados com “desonra” do exército ou perdido o emprego, passaram a encontrar abrigo e refúgio nos “guetos” mais liberais que começavam a pipocar nas grandes cidades. O Village, bairro boêmio da Nova York, era um destes lugares. E o Stonewall, como recorda uma das ativistas que participou da rebelião, em depoimento ao documentário “A revolta de Stonewall”, era onde se encontravam os “sem lugar” e aqueles que não tinham nada a perder.

Desde a sua abertura, o bar era alvo constante de “batidas” policiais, a maioria das vezes realizadas com a intenção de achincalhar e extorquir os frequentadores. Acostumados a espancá-los e prendê-los (principalmente travestis), os policiais certamente não estava prontos para o que ocorreria na noite de 28 de junho.
Cansados da humilhação, os cerca de 400 pessoas que estavam no bar e arredores resolveram enfrentar a polícia com pedras, incendiando os camburões e que mais estivesse ao alcance. A notícia se espalhou pela cidade (inclusive através de panfletos produzidos naquela mesma madrugada) e, no dia seguinte, a mobilização foi engrossada por ativistas dos movimentos negro (como os “Panteras Negras”) e feminista, além de artistas, intelectuais e jovens estudantes.

Da luta à carnavalização
Um ano depois, em 28 de junho de 1970, os habitantes das cidades de Nova York e São Francisco viram, pela primeira vez, LGBTs marchando pelas ruas, gritando palavras de ordem, fazendo discursos políticos, denunciando os políticos conversadores e o sistema capitalista, e reafirmando que continuariam a tomar as ruas até que conquistassem seus direitos.

A coragem e os métodos dos LGBTs norte-americanos logo contagiaram o mundo. “Frentes de Libertação Gay e Lésbica” surgiram em vários países da Europa e tomaram a data da Revolta de Stonewall como um marco. No Brasil, a ditadura sufocou os ventos libertários. Não para sempre.

No dia 13 de junho de 1980, por exemplo, quando as greves operárias e manifestações estudantis já haviam estremecido os militares, uma passeata com quase mil LGBT, negros e feministas saiu às ruas de São Paulo contra a homofobia policial. Ousadia ainda maior aconteceu um ano depois, num 1° de Maio celebrado no estádio da Vila Euclides, em São Bernardo do Campo, quando os militantes do Grupo Somos de Afirmação Homossexual entraram na assembleia portando uma enorme faixa: “Contra a discriminação do trabalhador(a) homossexual”.

De lá para cá, as muitas lutas travadas garantiram os poucos e frágeis direitos que temos e, inclusive, a realização das Paradas. Contudo, há muito elas já não lembram Stonewall. Hoje, a maioria das Paradas é organizada por entidades desvinculadas dos movimentos (ONGs), patrocinadas (e controladas) por empresas e aliadas aos governos dos mais diversos. A de São Paulo é um gigantesco e lamentável exemplo disto.

Retomar as ruas. Pra lutar!
A tendência pela descaracterização das paradas não é nova, mas se acentuou bastante sob os governos de Lula e Dilma, que, como relação a todo o resto, atraíram e passaram a contar com a colaboração da maioria do movimento por meio de projetos que nunca saem do papel (como o “Brasil sem homofobia”) ou de discussões infindáveis (como as Conferências) que não resultam em nada ou acabam em vetos (como o “kit anti-homofobia”).

Em compasso de espera (pra não dizer totalmente paralisados), e jogando ilusões nas promessas do governo, as direções majoritárias do movimento LGBT mudaram o caráter das Paradas e, como é lamentavelmente típico no mundo neoliberal, transformaram um dia de luta em uma celebração “privatizada” (com “trios” de boates e empresas, cordões de isolamento etc) e “institucionalizada” (financiada pelos governos locais e, consequentemente, não permitindo que se abra espaço para que seus parceiros sejam criticados).

Enquanto isso, a homofobia só tem aumentado. Dos ataques físicos às humilhações cotidianas. Uma situação que, temos certeza, só poderá ser revertida com muita luta. Uma luta que, hoje, também tem que voltar contra este governo e seus aliados, muitos deles aliados da bancada cristã-homofóbica, no congresso, que, há anos, barra a votação de uma legislação que criminalize a homofobia (PLC 122).

Temos orgulho de ter levado nossas bandeiras e militantes às Paradas do Orgulho LGBT. E iremos continuar fazendo isto porque temos certeza que essa é uma luta justa e necessária. Contudo, é preciso retomar o “espírito” e garra daqueles que fizeram História no Stonewall: a certeza de que só a luta muda a vida.

Por isso, queremos todos nossos direitos garantidos: desde andar nas ruas sem sermos espancados à união civil; da equiparação aos direitos dos heterossexuais à inclusão do debate sobre orientação sexual nas escolas. E, também, empregos, moradia e salários dignos. Direitos que só poderão ser conquistados na luta contra este governo e o podre sistema que ele representa.