Classe operária foi uma das principais forças que impuseram o fim da ditadura; reparação é obrigação do EstadoO Golpe Militar de 31 de março de 1964 teve como um de seus principais objetivos atacar as organizações da classe operária, que cresciam durante o governo de João Goulart (1961-1964).

Pretendiam, com isso, pavimentar o caminho para aumentar a exploração dos trabalhadores dentro do projeto de “modernização econômica do Brasil”, planejado pelo imperialismo norte-americano e que depois veio a se chamar “milagre econômico”.

A repressão ao movimento operário era condição necessária para a burguesia brasileira e o imperialismo pudessem criar condições favoráveis para a maior exploração capitalista. O imperialismo e a burguesia nacional consideravam Jango incapaz de conter o avanço dos trabalhadores. A classe trabahadora precisava ser marginalizada do processo político.

Por isso estiveram diretamente envolvidos na conspiração: a CIA, o Departamento de Estado, a embaixada e as multinacionais norte-americanas. Inclusive na preparação da “Operação Brother Sam”, com deslocamentos de tropas militares daquele país às costas brasileiras, para o caso de se desenvolver uma resistência maior ao golpe. Contaram com o auxilio da cúpula da Igreja Católica, a alta oficialidade dos militares e os partidos de oposição, liderados pela União Democrática Nacional (UDN) e pelo Partido Social Democrático (PSD).

Como o objetivo central era derrotar política e fisicamente os trabalhadores, entre as primeiras ações dos golpistas esteve o assalto aos sindicatos e a imposição de diretorias submissas aos militares, os conhecidos “pelegos”; assim como a decretação da ilegalidade da CGT (Central Geral dos Trabalhadores). Além disso, promoveram a prisão e assassinatos de trabalhadores e camponeses pobres.

O partido com mais peso na classe operária era então o PCB, que capitulava ao governo burguês de João Goulart, apoiando as reformas de base, pequenas melhoras no capitalismo. Ao estar adaptado ao regime, não teve a preocupação em preparar a defesa contra um golpe de Estado, nem de criar condições para a resistência à ditadura que se aproximava. Com isso selou seu destino como direção do movimento e entrou em uma crise brutal com várias rupturas.

Início da resistência
Os trabalhadores, sob a repressão dos militares não deixaram de lutar, e uma importante resistência começou a se desenvolver nas fábricas com atividades semi-clandestinas como: sabotagens, boicotes, e operações tartarugas. Um processo de militância operária que daria lugar ao surgimento de uma auto-organização, que em determinados momentos ficou claramente enfrentada com as direções pelegas colaboracionistas. Daí começaram a surgir os novos ativistas que comporiam as oposições sindicais contra os pelegos.

A cooptação dos sindicatos, a proibição das greves e a existência de leis restritivas, contraditoriamente, favoreceram o surgimento da organização dos trabalhadores no chão das fábricas, com grupos que, ainda que de maneira desigual, foram se generalizando. Iniciado em 1966, este processo de reorganização do movimento operário teve como mote a luta contra o arrocho salarial, a inflação e o custo de vida.

Essa movimentação levou a que os operários conseguissem ganhar eleições em alguns sindicatos no final de 1967, como metalúrgicos de Osasco, com José Ibrahim, a partir da comissão formada na Cobrasma, e o de Contagem e Belo Horizonte, com o Ênio Seabra, a partir do trabalho na Mannesman, apesar dele não ter tomado posse.

1968
Como relata o livro ‘Operários e estudantes contra a Ditadura: 1968 no Brasil, de Ricardo Antunes e Marcelo Ridenti: “as greves operárias deflagradas em 1968 tinham um claro sentido de confronto, tanto à ditadura militar que cerceava a liberdade e autonomia sindicais, quanto à sua política econômica fundada na superexploração do trabalho”.

Em março, durante uma passeata no Rio de Janeiro, a polícia mata com um tiro o estudante Edson Luis. Sua morte foi o estopim para uma onda de manifestações e protestos, que culmina com a Passeata dos Cem Mil em 26 de junho de 1968, no Rio de Janeiro.

Antes, em abril de 1968, ocorria a primeira greve dos metalúrgicos depois do golpe, a de Contagem, foi também a primeira greve operária vitoriosa depois de 1964. A greve começou na Companhia Belgo-Mineira, mas pararam também a Manesmann, a Belgo-Mineira (de João Monlevade), a Acesita (de Timóteo), com ocupações das empresas e formação de comissões de negociação.

Em julho a greve dos metalúrgicos de Osasco se transformou em uma greve legendária. Nela, os operários ocuparam a Cobrasma, e fizeram greve na Barreto Keller, Braseixos, Granada, Lonaflex e Brown Bover. O Ministério do Trabalho declarou a ilegalidade da greve e determinou a intervenção no sindicato. Forças militares passaram a controlar todas as saídas da cidade, cercaram e invadiram as fábricas paralisadas, acabando com qualquer possibilidade de manutenção da greve.

Novamente, em outubro de 1968, se paralisa Contagem, com os operários animados com a vitória da greve de abril. Mas a repressão agora é violenta sobre os grevistas. O sindicato sofre intervenção e ocorre nova derrota do movimento. Estas greves ocorreram associando reivindicações econômicas e a luta contra a ditadura militar. Foram derrotadas, mas deixaram raízes.

Operários voltam a cena
No final dos anos 1970 e princípios dos anos 1980, os operários voltam à cena no ABC, valendo-se da arma da greve. Novamente a luta reivindicatória agia como um explosivo e se transformava em arma política.

Em maio de 1978, a greve da Scania iniciou uma onda de greves de metalúrgicos, professores, bancários e trabalhadores da construção civil que convulsiona todo o país até a derrota da grande greve dos metalúrgicos do ABC em 1980. Neste ano foram realizadas 118 greves, e de 1978 a 1988 foram mais 2.188. “A força de uma nova e poderosa classe operária em luta golpeia o regime militar, obriga-o a acelerar a abertura, conceder a anistia e, um pouco mais tarde, permitir a legalização dos partidos políticos, principalmente o PT, que não estava em seus planos.”[3] relatava artigo de Bernardo Cerdeira

Em 1979, num piquete na metalúrgica Sylvania, em São Paulo, a PM mata a tiros o líder operário católico Santo Dias da Silva, e mais de 10 mil protestam em seu enterro. Enquanto isso no Rio de Janeiro se desencadeiam greves metalúrgicas em 9 cidades. Em Minas Gerais novamente a Belgo-Mineira de João Monlevade vai a greve juntamente com os metalúrgicos de Belo Horizonte, Contagem e Betim. As obras de expansão da CSN param com 12 mil operários, em Volta Redonda.

Este processo de mobilização da base levou a que o Congresso Metalúrgico em Lins (SP) aprove criação de um partido dos trabalhadores. Ainda em São Paulo, o Jornal Luta Sindical – LS (da OSM) noticiava as lutas no cotidiano fabril. Nele são registradas: eleições de CIPAS, em 1981, como as daAlipertti e Máquinas Piratininga e formação de comissões de fábrica como: Ford- Ipiranga, Asama, MWM e Arno; e em 1982, greves contra demissões e não cumprimentos dos reajustes salariais na: Monark, Telefunken, Fiel, Sharp, Gradiente, Eluma e Sofunde.

Em vários sindicatos, os tradicionais pelegos foram derrubados. Em 1983 foi formada a CUT, em meio a uma processo de reorganização sem precedentes do sindicalismo. Em 1984 veio a greve da Embraer e 1985 a ocupação da GM em São José dos Campos e da Ford em Guarulhos. Entre 1983 e 1989, foram convocadas ainda quatro grandes greves gerais nacionais.

Reparações, obrigação do Estado
Foram estas lutas operárias e as mobilizações populares que deram o caldo e propiciaram a situação para a derrubada da ditadura. Por isso seus ativistas foram atacados e perseguidos pela ditadura, muitos foram presos e demitidos, não conseguindo mais emprego.

O Estado brasileiro tem o dever de instituir programas de reparação material às vítimas de prática persecutória, com a imposição de perdas de vínculos laborais. Eles impulsionaram a luta contra a ditadura e foram parte fundamentel para sua derrubada. Reparações que incluam: restituições de direitos, contagem de tempo para fins de aposentadoria e garantia de reintegração ao trabalho.

Uma sociedade que queria extirpar de seu convívio a possibilidade de existência de um Estado autoritário tem que buscar eliminar o legado da violência destes regimes. Reconhecer as violações e valorizar o direito à resistência dos povos contra a opressão, realizando a punição dos agentes do Estado que extrapolaram suas funções em um regime de exceção é um dever.

Atos de exceção como: torturas, prisões arbitrárias, seqüestros, compelimento à clandestinidade e ao exílio, demissões e transferências por razões políticas, banimentos, expurgos estudantis e monitoramentos ilícitos, devem ser punidos e reparados.

A reparação não se limita à dimensão econômica. A anistia é um ato político e para ser efetiva é necessário reparação, verdade e justiça.

Américo Gomes é advogado com especialização em Política e Relações Internacionais, membro da Comissão de ex-presos e perseguidos da Convergência Socialista e do ILAESE